Pedaços da minh’alma
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Boa vida tio Hernâni “The Sheriff” | Que vida colorida «in |
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“Matondo“
O maralhal reuniu-se no quintal; Ruy Tadeu, Cito andavam fulos encafuados, associado à tristeza inconformada de não poderem alcançar os seus mais simbólicos objectivos de garotões parvos.
Há três semanas que tentavam em vão caçar o “Matondo” um gatarrão com uma cabeça enorme, feio, castanho amarelado com meia dúzias de riscas pretas, e que andava a brincar com os manos numa de gato escondido de rabo de fora. A verdade é que Matondo era esperto, e, por muros e telhados, passeios ruas avenidas e quintais e jardins, o “felino” não ia em cantigas, nem se deixava apanhar.
Naquela tarde os rapazes tinham-se u8nido para montar uma estratégia irreprimível, pra definitivamente caçar o bichano, que naquelas cabecinhas era sinónimo de extermínio “gatal” – sentiam que seria uma epopeia só comparável às caçadas nos safaris ilegais, em que os defensores da estabilidade no mundo e arredores, apanhavam tudo, até as espécies que estavam catalogadas como em pré-extinção.
Os cuidados eram tantos e tais, que até o Boby, mais um dos rafeiros militantes da casa de Cito, escutava atentamente as sugestões, especialmente as que eram proferidas pelo dono amigo.
Ruy coloca no chão de pedra um papel mal amanhado, com um desenho bacoco da Geografia da zona, por onde iriam furibundamente atrás do desgraçado e condenado gato.
Tadeu diz de sua justiça que deveriam continuar a colocar um carapau junto à casota do Boby, ficar de sentinela, e quando o larápio viesse roubar o peixinho atacavam à fisgada e depois à estocada com os ferros de jogar ao “mundo”. Das outras vezes esperavam que o cachorro cumprisse o seu trabalho como lugar-tenente do trio, mas o vira-latas nunca lá estava quando era preciso.
A Cito sempre lhe agradou a ideia de caçar o animal dentro de portas porque assim ninguém os podia acusar de assassinato – seria para defender a vida de um imaginário ataque animalesco e que seria uma atenuante quando fossem acusados pelos “cotas”. Não estava para levar dois tabefes por ter cometido um crime pré-meditado.
Ruy não concordava desta vez.
- Não! Desta não concordo; o gajo vai safar-se saltando o muro que liga a minha casa com o quintal do Joka, depois “escapula” até à Fábrica de Gelo, e de seguida só pára no cemitério mas aí nós não podemos dar a estocada final. É chão sagrado terreno neutro.
Cito interrompe.
- Ruy! Isso é muito longe para correr atrás do Matondo – vamos chegar com a língua de fora.
Tadeu remata para por um ponto final.
- Também acho que o gajo safa-se, melhor apanhá-lo com o focinho no prato.
É a vez de Ruy, presentear os amigo com um ar que normalmente não se via, mostrar toda a sua formação na “arte de bem caçar todo o gato” e explica.
- O Boby ataca o gajo, ele salta o muro, o Tadeu fica entre o engodo e a Fábrica de Gelo, Cito na esquina antes da fábrica, e eu corto a passagem que dá para o cemitério – o gatarrão fica encurralado e não tem esperteza para procurar outro caminho
Tadeu olha para Cito e encolhe os ombros. Porque não! Se calhar o Ruysinho tinha estudado aquela malamba no livro do Mandrake e até podia ser uma tarde gloriosa.
Montaram o arsenal todo e espalharam-se pelos trilhos do combate.
O tempo correu e nada de Matondo; nesse dia o gatarrão não apareceu até ao por do sol. O estratagema continuou durante uma semana até que Ruy disse que desistia.
- Porquê Ruy?
À pergunta em simultâneo de Tadeu e Cito o amigo confessou que tinha levado um puxão de orelhas porque a mãe dera conta que ele andava a pifar o pescado da geleira. Claro que os amigos ficaram solidários e cobinaram qu iam trazer o pescado mas à vez.
O tempo correu, o chicharro, a posta de pescada, o rabo-de-garoupa, e até baiacú usaram, mas a verdade é que o Matando levou sumiço.
No fim das férias grandes Ruy colocou novamente a hipótese de recomeçarem as esperas ao Matondo, mas Tadeu e Cito não concordaram.
- Não irmão, já não me apetece cação gatos.
Cito também tem o mesmo sentimento que Tadeu em relação ao gatinho, que afinal a única coisa que tentava todos os dias era não morre à fome, desde que os homens grandes construíam prédios, arruamentos, destruindo o seu alimento natural, no seu próprio ambiente.
Estavam a crescer, tinham começado a olhar para os joelhos das meninas, e a sentirem um certo inchaço entre pernas que era desconfortante, sobretudo quando estavam com elas, e nem precisavam de dançar slows.
A família agradeceu esta mudança de atitude, pois o que os palermas dos putos andavam a estragar em comida dava para alimentar muito menino pobre que vivia nos bairros pobres, e para além disso sempre pouparam uns castigos incómodos.
Vão quarenta e cinco anos, Cito nunca mais viu o Ruy e o Tadeu, mas sabe e sente dentro do peito que eles também teriam a mesma sensação de alegria se hoje recordassem a caçada ao Matondo.
Felizmente não se assassinou o bichinho, nem voltaram a cometer o “crime” de estragar comida, apenas porque não tinham consciência da fome que muitos meninos como eles passavam
Como o respeito a decisão que tomaram naquela altura, e como aprendi a gostar deste “meu amigo” Cito.
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