segunda-feira, março 29, 2010

Pedaços da minh’alma

Boa vida tio Hernâni “The Sheriff

Que vida colorida «in Luanda bay»

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“Matondo“

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O maralhal reuniu-se no quintal; Ruy Tadeu, Cito andavam fulos encafuados, associado à tristeza inconformada de não poderem alcançar os seus mais simbólicos objectivos de garotões parvos.

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Há três semanas que tentavam em vão caçar o “Matondo” um gatarrão com uma cabeça enorme, feio, castanho amarelado com meia dúzias de riscas pretas, e que andava a brincar com os manos numa de gato escondido de rabo de fora. A verdade é que Matondo era esperto, e, por muros e telhados, passeios ruas avenidas e quintais e jardins, o “felino” não ia em cantigas, nem se deixava apanhar.

Naquela tarde os rapazes tinham-se u8nido para montar uma estratégia irreprimível, pra definitivamente caçar o bichano, que naquelas cabecinhas era sinónimo de extermínio “gatal” – sentiam que seria uma epopeia só comparável às caçadas nos safaris ilegais, em que os defensores da estabilidade no mundo e arredores, apanhavam tudo, até as espécies que estavam catalogadas como em pré-extinção.

Os cuidados eram tantos e tais, que até o Boby, mais um dos rafeiros militantes da casa de Cito, escutava atentamente as sugestões, especialmente as que eram proferidas pelo dono amigo.

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Ruy coloca no chão de pedra um papel mal amanhado, com um desenho bacoco da Geografia da zona, por onde iriam furibundamente atrás do desgraçado e condenado gato.

Tadeu diz de sua justiça que deveriam continuar a colocar um carapau junto à casota do Boby, ficar de sentinela, e quando o larápio viesse roubar o peixinho atacavam à fisgada e depois à estocada com os ferros de jogar ao “mundo”. Das outras vezes esperavam que o cachorro cumprisse o seu trabalho como lugar-tenente do trio, mas o vira-latas nunca lá estava quando era preciso.

A Cito sempre lhe agradou a ideia de caçar o animal dentro de portas porque assim ninguém os podia acusar de assassinato – seria para defender a vida de um imaginário ataque animalesco e que seria uma atenuante quando fossem acusados pelos “cotas”. Não estava para levar dois tabefes por ter cometido um crime pré-meditado.

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Ruy não concordava desta vez.

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- Não! Desta não concordo; o gajo vai safar-se saltando o muro que liga a minha casa com o quintal do Joka, depois “escapula” até à Fábrica de Gelo, e de seguida só pára no cemitério mas aí nós não podemos dar a estocada final. É chão sagrado terreno neutro.

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Cito interrompe.

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- Ruy! Isso é muito longe para correr atrás do Matondo – vamos chegar com a língua de fora.

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Tadeu remata para por um ponto final.

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- Também acho que o gajo safa-se, melhor apanhá-lo com o focinho no prato.

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É a vez de Ruy, presentear os amigo com um ar que normalmente não se via, mostrar toda a sua formação na “arte de bem caçar todo o gato” e explica.

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- O Boby ataca o gajo, ele salta o muro, o Tadeu fica entre o engodo e a Fábrica de Gelo, Cito na esquina antes da fábrica, e eu corto a passagem que dá para o cemitério – o gatarrão fica encurralado e não tem esperteza para procurar outro caminho

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Tadeu olha para Cito e encolhe os ombros. Porque não! Se calhar o Ruysinho tinha estudado aquela malamba no livro do Mandrake e até podia ser uma tarde gloriosa.

Montaram o arsenal todo e espalharam-se pelos trilhos do combate.

O tempo correu e nada de Matondo; nesse dia o gatarrão não apareceu até ao por do sol. O estratagema continuou durante uma semana até que Ruy disse que desistia.

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- Porquê Ruy?

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À pergunta em simultâneo de Tadeu e Cito o amigo confessou que tinha levado um puxão de orelhas porque a mãe dera conta que ele andava a pifar o pescado da geleira. Claro que os amigos ficaram solidários e cobinaram qu iam trazer o pescado mas à vez.

O tempo correu, o chicharro, a posta de pescada, o rabo-de-garoupa, e até baiacú usaram, mas a verdade é que o Matando levou sumiço.

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No fim das férias grandes Ruy colocou novamente a hipótese de recomeçarem as esperas ao Matondo, mas Tadeu e Cito não concordaram.

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- Não irmão, já não me apetece cação gatos.

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Cito também tem o mesmo sentimento que Tadeu em relação ao gatinho, que afinal a única coisa que tentava todos os dias era não morre à fome, desde que os homens grandes construíam prédios, arruamentos, destruindo o seu alimento natural, no seu próprio ambiente.

Estavam a crescer, tinham começado a olhar para os joelhos das meninas, e a sentirem um certo inchaço entre pernas que era desconfortante, sobretudo quando estavam com elas, e nem precisavam de dançar slows.

A família agradeceu esta mudança de atitude, pois o que os palermas dos putos andavam a estragar em comida dava para alimentar muito menino pobre que vivia nos bairros pobres, e para além disso sempre pouparam uns castigos incómodos.

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Vão quarenta e cinco anos, Cito nunca mais viu o Ruy e o Tadeu, mas sabe e sente dentro do peito que eles também teriam a mesma sensação de alegria se hoje recordassem a caçada ao Matondo.

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Felizmente não se assassinou o bichinho, nem voltaram a cometer o “crime” de estragar comida, apenas porque não tinham consciência da fome que muitos meninos como eles passavam

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Como o respeito a decisão que tomaram naquela altura, e como aprendi a gostar deste “meu amigo” Cito.

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