terça-feira, maio 26, 2015

Por opção de pai

 
PO





POR OPÇÃO DE PAI

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Não partilhei tecto c’ madrasta séria ou puta
que me pai deu douto cumprimento
ao que um dia jurou em altar de casamento,
mas cresci endiabrado a gestos de batuta
ouvindo concertos de música latina
e escravos ao som duma velha concertina.

Decifrei no colo das criadas a honestidade,
feri-me c’ beliscões e pontapés nas canelas
e entre beijos roubados sob a luz das janelas,
indo de xerife a índio por solidariedade
capitaneei exércitos de bravos catraios
em guerras contra filhos de sabidos lacaios.

Crescido foi-se a juventude e com ironia
vivi de tenra idade gravosa desilusão
ameaças de quem venerava a ambição,
e ao quebrar amarras que só eu via
calcei botas, camuflado e negra boina
esquecendo anedotas e a voda de estroina.

Atraiçoado por uma revolta a termo
vesti descrente uma outra farda
percebendo-lhe igual tonalidade parda,
e antes de baleado por um estafermo
devolvi ‘c’ dignidade ao depósito d’armamento
ferramentas do meu descontentamento.

Para descanso reservara nova vestimenta,
e ao rolar caixotes na placa dum aeroporto
etiquetei outros que não chegariam a bom porto
e seus donos por lá não marcariam presença
que a tempestade já anunciava a hora
do destino mortal a quem não fosse embora.

De labuta sem marcar ponto, dias a fio,
observava a cama mantida desfeita,
e no olhar de mãe reprovação de quem suspeita
haver altura que claudicando, num arrepio,
concluiria ser a partida aventura certa
e a vida, numa jovem guerra, coisa incerta.

Finda uma noite que se fazia noutro dia
passaporte na mão 2 contos de sobrevivência
apenas conhecendo lugar de procedência
fiz-me ao destino, que desta me despedia
pisando no chão projectada luz
sombras, deixando antever a cor da cruz.

Ganhava novo estatuto – finalmente órfão de avó!
- Para trás ficavam duas campas de mãe
pagando de bolso mais tarde a de pai também
mantido segredo dum’outra que me deixara só,
e versejando, dotado dum sorriso franco,
embelezei estas rimas c’ letras do meu pranto.


Cito Loio

28/4 a 24/5 de 2015

quinta-feira, maio 14, 2015

Acordo "hortográfico"

Jamais matarei as consoantes e os acentos das minhas palavras. Jamais renegarei a herança de meus pais de meus avós, nem esquecerei o que colhi nos bancos de escola. Jamais amputarei as palavras por acordo, nem escreverei “ospital, orta, emicíclo, "para" quando queria dizer pára, Janeiro com J minúsculo.
Sou dos que nascendo no século passado nunca escrevi Pharmácia, mas não me importo de “fexar” por aqui este assunto. Contudo, nunca obrigarei os especialistas linguísticos a passarem o “vechame” de confundirem cor-de-rosa com cor de laranja, ou começar o hino de Portugal com “Eróis do mar…”

***
  
DA COR DO CAJÚ


Na expressão contida de um rosto negro
que por mim passa, seguro o segredo,
vejo o Cruzeiro do Sul na outra banda
Sagres emergida duma onda que s’agiganta
Cinquenta centavos de castanha de Cajú
a curva da Fortaleza na pesca ao Baiacú,
uma tia abraçando-me com força de mãe
minha avó tomando seu lugar também,
campeonatos ganhos desvalorizada a táctica
braços no ar em companhia enigmática
nos intervalos das aulas passados na cantina
co sonho amante investido de menina
em sadias gargalhadas no átrio do liceu
e tudo o que para trás ficou de meu…

Vejo ‘miscigenação invadindo a metrópole
num monumento que nada deve à Acrópole,
altas serras sobressaindo no deserto
planícies sem dono e eu por cá tão perto
revivendo num quintal eufóricas algazarras
duma vontade adolescente – afiadas ‘garras,
soluços sentidos ao anoitecer tapada a fome
num prato de alerta, aviso que consome
com gritos calados contra a opressão
à minha gente por gentes da mesma nação!

E na expressão de negra sem quitanda já calçada
vejo ainda um passado de tudo ou nada
rio de lama que silencioso desagua
no único mar que banhava a minha rua
e de imparáveis lágrimas se foi enchendo
a conta-gotas c’ enxurradas d’ incumprimento…

Nesse mesmo rosto ainda negro de negra
vi sorrisos dum parto e com surpresa
rugas, e um sofrer também por mim
sob a boina distinta da que perdera no capim,
o olhar protector, o colo de aconchego
quando cedo dizia «mãe tardo ou não chego!»


Cito Loio
18/4 a 13/5 de 2015

(19:51)

 
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