Sem 24 horas
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O dia tem 24
horas uma verdade que Aparício Semanas sabia desde que começara a andar pelos
próprios meios, mas tal sabedoria seria meio para resolver o assunto que tinha
em mãos e nem que tivesse 48 suficiente para contrariar o estado de ansiedade
que provocava dores duodenais, descartada já qualquer anomalia de funcionamento
orgânico, sossego baseado nos últimos exames clínicos, verificando, (sob o
parecer da médica Livorna Ulcerina, de origem siciliana que, por casamento com
o também médico português, Doentino Curado, viera para a lusitana terra
trabalhar precisamente e só por coincidência no mesmo hospital onde o seu muito
amado conceituado marido era director da especialidade de ‘otorrino’ assumindo
em paralelo o cargo de director geral da Unidade) no que respeitava à saúde
geral estava são que nem uma pêra rocha. Daí o enervamento e as dores na região
abdominal que abrangiam toda a zona do fígado só ter explicação na premência da
entrega dum relatório encomendado por um cliente neozelandês e cujo prazo terminava
dentro de 36 hora.
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Era de
descartar da situação algo relativo à família; órfão, solteiro sem filhos sem
amantes, amigos aos molhos, mulheres dispostas a caçá-lo não pelo que valia
financeiramente mas porque era tido nesse meio como um pão tipo versão lusa do
Tony Curtis sem defeitos ou desvios que as más-línguas tratavam de colocar na
prateleira da difamação. Filhos, desconhecia; porém aos 39 anos e 8 meses ainda
não fora surpreendido por nenhuma bater à porta de uma qualquer beleza
sujeitando nos braços um rebento. Por aí não havia herdeiros; contudo não
descartava a hipótese de contrair matrimónio com uma mulher que enchesse as
medidas sem esvaziar a conta bancária, e mesmo vivendo desafogado era visível
aos olhos de todos comedido nos gastos cauteloso nas companhias, os amigos
sabiam-no e elas evitavam aventuras.
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O tempo
encurtava não sobrando para ver o relatório pronto e a tempo de o fazer chegar
às mãos de Andy Pivette Murtty, filho de neozelandês e duma sul-americana,
nascido no Nepal indo viver para (capital da nova Zelândia) com onze meses,
conhecera Aparício numa feira em Hong Kong em preíodo de férias pós formatura e
tornaram-se amigos; por saber da formação académica do português e os laços de
amizade que acabaram por solidificar não hesitara a solicitar ao amigo que
fizesse uma prospecção exaustiva sobre as probabilidades de mercado em
guarda-chuvas guarda-sóis toldos em geral incluindo grandes coberturas para
circos e espectáculos afins. Sobre estes últimos estava garantido haver janela
de oportunidade ou não fosse o país um enorme palco de desfile de palhaços sem
diploma na arte do entretenimento envergando trajes políticos. No tocante a
guarda chuvas o assunto complicava-se dado a seca que se instalara dava a
entender aumentos significativos nos anos seguintes agravados pela
desertificação da zona mediterrânica sob influencia da aridez do norte de
África restando os guarda-sóis onde a coisa poderia safar-se a médio prazo se
bem que curta fosse a visão sobre gráficos com linhas de crescimento positivo,
ainda com o óbice dos operadores turísticos que compravam as praias, pouco preocupados
com as mortes por cancro da pele não estarem para investimentos na variante da
renovação de materiais. Por fim e no que respeitava a tendas de lona nem pensar
que a velharia não estava disposta a correr para a praia, gastar dinheiro em
protectores solares e no interior do país havia pedra em quantidade suficiente
para erguer casas rústicas a preço de mão-de-obra importada dos países
exportadores dos novos escravos, acrescido que as lonas eram de todo
desapropriadas para cobertura numa futura e quase anunciada chuva nuclear.
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O estudo em
si era irrelevante naquele minuto no ponto de vista do interesse pessoal mas
Aparício era dono duma PME dedicada ao “import” de tudo o que rendesse euros, e
aquele negócio podia salvá-lo nos próximos 3 anos segundo os seus cálculos e
acaso se concretizasse, sem despedimentos ou fugas ao fisco pois não era homem
para ilegalidades. – Nascera sério, qualidade porventura não muito apreciada em
diversos círculos – e a banca apertava mesmo sendo ela a primeira a beneficiar
de fraudes e negociatas pouco claras acabando por obter SOS do próprio estado
como já se verificara – assim pensava Semanas há um par de anos.
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Outra
situação inquietante prendia-se com o empreendimento efectuado na Cultura
Avulso vendo no país a cultura ser tratada como trampa e os livros impróprios
para papel higiene daí as grandes superfícies oferecerem nos escaparates
grandes quantidades de rolos de papel para cozinha que servia em muitas
famílias para outras limpezas. Evidente que os fogos florestais não eram
implantados para favorecer a literatura em papel e os Ebooks também não tinham
vindo a ajudar, mesmo que a sua intuição o aconselhasse a seguir em frente pois
com os violadores informáticos não tardaria o país a regressar ao tempo do Eça;
no entanto e naquele momento sentia-se tolo no meio da ponte, e que alta era a
estrutura a ligar as duas margens do Rio Desespero.
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Olhou para o
relógio e verificou ser cedo mesmo que o dia não tardasse a chegar ao fim
restando ainda algumas horas para encontrar uma solução, primeiro para
satisfazer o desejo do seu amigo Andy e convencê-lo ser lucrativo exportar para
Portugal e depois como satisfazer os seus interesses financeiros a curto prazo
sem mandar para a fogueira a herança que lhe coubera por azar de morte de pais
e suspirou ao entrar no bar afim de se acalmar com um café.
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- Calma Aparício o dia tem 24 horas e um dia
de cada vez
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Sentou-se
numa mesa de canto, retirou da pasta de executivo o pré-relatório e o envelope
que continha um electrocardiograma, sorrindo ao olhá-lo com um burro para um
palácio; a médica acabara há 2 horas de, brincando com ele, elucidá-lo que
aquilo viera duma máquina nova levando-o a perguntar se duraria tanto como
Manoel de Oliveira – No que depender do coração sim e tanto é que só volta a
fazer outro exame daqui a 20 anos. Saboreou o café pagou e saiu do bar sentindo
um arrepio. À sua frente via o edifício da Junta de Freguesia e da Unidade de
Saúde, à esquerda a Igreja tendo por detrás o Cemitério e galhofou – Poupa-se o
trabalho em deslocações – e sem que previsse estremeceu a ser acometido por uma
ligeira guinada do lado esquerdo do peito que se estendeu pelo braço, as pernas
a dobraram-se já não sentindo o corpo tombar no passeio. Antes de sair de casa
escrevera na sua agenda intimista – «…terça-feira é um bom dia para morrer, 13/7/2014…»
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Às 15;30
Aparício Semanas dava entrada no hospital da Boa Nova com a nova que ainda ia
vivo, sendo imediatamente atendido pela equipa de plantão e prontamente
socorrido por Daniana Salvadora uma especialista em cardiologia de 33 anos que se encontrava casualmente nas urgências e que deu de imediato inicio
aos procedimento médicos que casos como aquele exigiam. Não fora a pronta
intervenção desta e de toda a equipa de serviço às urgências e Semanas não
teria alta 42 horas depois.
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Sábado
seguinte, já recomposto, sem que soubesse o que se passara para além de ter
percebido que nem todos os dias têm 24 horas para todos, lanchava com Rui
Caçoleta Conquistador e Girão, colega da primária, discutindo amistosamente as
últimas da política social e o que andavam a fazer ao serviço nacional de
saúde, dado que este soubera o que sucedera, questionando-o também sobre o
negócio que tinha entre mãos com Andy, que curiosamente conhecera numa viagem a
um congresso sobre farmacologia, vindo a saber que o neozelandês tinha um irmão
ligado à industria dos medicamentos, pois já algum tempo não tinham contacto
com ele, que segundo lhe confidenciara Peter Pivette Quinyno irmão por parte de
mãe, andavam de costas viradas por questões de partilhas de um terreno na
Guatemala que esta possuía e não deixara notarialmente a quem se destinava por
sua morte, e Andy pretendia vender contra vontade de Peter, não estando
disposto a chegar-se à frente e comprar os 50% que cabiam àquele. Aparício, com
um ar de certa mágoa respondeu ao amigo.
.
- O negócio
morreu antes de ter nascido
- Explica lá
isso Semanas
-Terça
passada quando tive aquele susto não imaginava que Andy viajara para a
Indonésia no jacto pessoal…
.
(Fez uma
ligeira pausa para mexer a meia de leite)
.
…desconhecia
em absoluto que tinha Brevet
- Sabia do
avião mas que Andy pilotava
- Dizes bem Rui
pilotava para ele o dia não teve 24 horas
- Sinto por
ele e por saber gorado o teu negócio
.
(Caçoleta
era perspicaz e deu conta do que Aparício remoera entre dentes)
.
- Aquela
terça-feira era um bom dia para morrer...
Fim
Inácio
Perafita (20-21-22/8/2015)
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