sábado, agosto 22, 2015

Sem 24 horas






UM DIA 
SEM 
24 HORAS


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O dia tem 24 horas uma verdade que Aparício Semanas sabia desde que começara a andar pelos próprios meios, mas tal sabedoria seria meio para resolver o assunto que tinha em mãos e nem que tivesse 48 suficiente para contrariar o estado de ansiedade que provocava dores duodenais, descartada já qualquer anomalia de funcionamento orgânico, sossego baseado nos últimos exames clínicos, verificando, (sob o parecer da médica Livorna Ulcerina, de origem siciliana que, por casamento com o também médico português, Doentino Curado, viera para a lusitana terra trabalhar precisamente e só por coincidência no mesmo hospital onde o seu muito amado conceituado marido era director da especialidade de ‘otorrino’ assumindo em paralelo o cargo de director geral da Unidade) no que respeitava à saúde geral estava são que nem uma pêra rocha. Daí o enervamento e as dores na região abdominal que abrangiam toda a zona do fígado só ter explicação na premência da entrega dum relatório encomendado por um cliente neozelandês e cujo prazo terminava dentro de 36 hora.
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Era de descartar da situação algo relativo à família; órfão, solteiro sem filhos sem amantes, amigos aos molhos, mulheres dispostas a caçá-lo não pelo que valia financeiramente mas porque era tido nesse meio como um pão tipo versão lusa do Tony Curtis sem defeitos ou desvios que as más-línguas tratavam de colocar na prateleira da difamação. Filhos, desconhecia; porém aos 39 anos e 8 meses ainda não fora surpreendido por nenhuma bater à porta de uma qualquer beleza sujeitando nos braços um rebento. Por aí não havia herdeiros; contudo não descartava a hipótese de contrair matrimónio com uma mulher que enchesse as medidas sem esvaziar a conta bancária, e mesmo vivendo desafogado era visível aos olhos de todos comedido nos gastos cauteloso nas companhias, os amigos sabiam-no e elas evitavam aventuras.
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O tempo encurtava não sobrando para ver o relatório pronto e a tempo de o fazer chegar às mãos de Andy Pivette Murtty, filho de neozelandês e duma sul-americana, nascido no Nepal indo viver para (capital da nova Zelândia) com onze meses, conhecera Aparício numa feira em Hong Kong em preíodo de férias pós formatura e tornaram-se amigos; por saber da formação académica do português e os laços de amizade que acabaram por solidificar não hesitara a solicitar ao amigo que fizesse uma prospecção exaustiva sobre as probabilidades de mercado em guarda-chuvas guarda-sóis toldos em geral incluindo grandes coberturas para circos e espectáculos afins. Sobre estes últimos estava garantido haver janela de oportunidade ou não fosse o país um enorme palco de desfile de palhaços sem diploma na arte do entretenimento envergando trajes políticos. No tocante a guarda chuvas o assunto complicava-se dado a seca que se instalara dava a entender aumentos significativos nos anos seguintes agravados pela desertificação da zona mediterrânica sob influencia da aridez do norte de África restando os guarda-sóis onde a coisa poderia safar-se a médio prazo se bem que curta fosse a visão sobre gráficos com linhas de crescimento positivo, ainda com o óbice dos operadores turísticos que compravam as praias, pouco preocupados com as mortes por cancro da pele não estarem para investimentos na variante da renovação de materiais. Por fim e no que respeitava a tendas de lona nem pensar que a velharia não estava disposta a correr para a praia, gastar dinheiro em protectores solares e no interior do país havia pedra em quantidade suficiente para erguer casas rústicas a preço de mão-de-obra importada dos países exportadores dos novos escravos, acrescido que as lonas eram de todo desapropriadas para cobertura numa futura e quase anunciada chuva nuclear.
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O estudo em si era irrelevante naquele minuto no ponto de vista do interesse pessoal mas Aparício era dono duma PME dedicada ao “import” de tudo o que rendesse euros, e aquele negócio podia salvá-lo nos próximos 3 anos segundo os seus cálculos e acaso se concretizasse, sem despedimentos ou fugas ao fisco pois não era homem para ilegalidades. – Nascera sério, qualidade porventura não muito apreciada em diversos círculos – e a banca apertava mesmo sendo ela a primeira a beneficiar de fraudes e negociatas pouco claras acabando por obter SOS do próprio estado como já se verificara – assim pensava Semanas há um par de anos. 
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Outra situação inquietante prendia-se com o empreendimento efectuado na Cultura Avulso vendo no país a cultura ser tratada como trampa e os livros impróprios para papel higiene daí as grandes superfícies oferecerem nos escaparates grandes quantidades de rolos de papel para cozinha que servia em muitas famílias para outras limpezas. Evidente que os fogos florestais não eram implantados para favorecer a literatura em papel e os Ebooks também não tinham vindo a ajudar, mesmo que a sua intuição o aconselhasse a seguir em frente pois com os violadores informáticos não tardaria o país a regressar ao tempo do Eça; no entanto e naquele momento sentia-se tolo no meio da ponte, e que alta era a estrutura a ligar as duas margens do Rio Desespero.
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Olhou para o relógio e verificou ser cedo mesmo que o dia não tardasse a chegar ao fim restando ainda algumas horas para encontrar uma solução, primeiro para satisfazer o desejo do seu amigo Andy e convencê-lo ser lucrativo exportar para Portugal e depois como satisfazer os seus interesses financeiros a curto prazo sem mandar para a fogueira a herança que lhe coubera por azar de morte de pais e suspirou ao entrar no bar afim de se acalmar com um café.
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- Calma Aparício o dia tem 24 horas e um dia de cada vez
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Sentou-se numa mesa de canto, retirou da pasta de executivo o pré-relatório e o envelope que continha um electrocardiograma, sorrindo ao olhá-lo com um burro para um palácio; a médica acabara há 2 horas de, brincando com ele, elucidá-lo que aquilo viera duma máquina nova levando-o a perguntar se duraria tanto como Manoel de Oliveira – No que depender do coração sim e tanto é que só volta a fazer outro exame daqui a 20 anos. Saboreou o café pagou e saiu do bar sentindo um arrepio. À sua frente via o edifício da Junta de Freguesia e da Unidade de Saúde, à esquerda a Igreja tendo por detrás o Cemitério e galhofou – Poupa-se o trabalho em deslocações – e sem que previsse estremeceu a ser acometido por uma ligeira guinada do lado esquerdo do peito que se estendeu pelo braço, as pernas a dobraram-se já não sentindo o corpo tombar no passeio. Antes de sair de casa escrevera na sua agenda intimista – «…terça-feira é um bom dia para morrer, 13/7/2014…»
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Às 15;30 Aparício Semanas dava entrada no hospital da Boa Nova com a nova que ainda ia vivo, sendo imediatamente atendido pela equipa de plantão e prontamente socorrido por Daniana Salvadora uma especialista em cardiologia de 33 anos que se encontrava casualmente nas urgências e que deu de imediato inicio aos procedimento médicos que casos como aquele exigiam. Não fora a pronta intervenção desta e de toda a equipa de serviço às urgências e Semanas não teria alta 42 horas depois. 
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Sábado seguinte, já recomposto, sem que soubesse o que se passara para além de ter percebido que nem todos os dias têm 24 horas para todos, lanchava com Rui Caçoleta Conquistador e Girão, colega da primária, discutindo amistosamente as últimas da política social e o que andavam a fazer ao serviço nacional de saúde, dado que este soubera o que sucedera, questionando-o também sobre o negócio que tinha entre mãos com Andy, que curiosamente conhecera numa viagem a um congresso sobre farmacologia, vindo a saber que o neozelandês tinha um irmão ligado à industria dos medicamentos, pois já algum tempo não tinham contacto com ele, que segundo lhe confidenciara Peter Pivette Quinyno irmão por parte de mãe, andavam de costas viradas por questões de partilhas de um terreno na Guatemala que esta possuía e não deixara notarialmente a quem se destinava por sua morte, e Andy pretendia vender contra vontade de Peter, não estando disposto a chegar-se à frente e comprar os 50% que cabiam àquele. Aparício, com um ar de certa mágoa respondeu ao amigo.
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- O negócio morreu antes de ter nascido

- Explica lá isso Semanas

-Terça passada quando tive aquele susto não imaginava que Andy viajara para a Indonésia no jacto pessoal…
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(Fez uma ligeira pausa para mexer a meia de leite)
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…desconhecia em absoluto que tinha Brevet

- Sabia do avião mas que Andy pilotava

- Dizes bem Rui pilotava para ele o dia não teve 24 horas

- Sinto por ele e por saber gorado o teu negócio
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(Caçoleta era perspicaz e deu conta do que Aparício remoera entre dentes)
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- Aquela terça-feira era um bom dia para morrer...




  
Fim


Inácio
Perafita (20-21-22/8/2015)

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