ANDANTE SEM VALIDADE
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ANDANTE
INVÁLIDO
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Sentado junto à janela
imediatamente a seguir à porta da primeira carruagem do Metro Plácido Morandi
olhava distraidamente as pessoas que validavam o andante e calmamente se
dirigiam para o veículo estacionado na gare de Campanhã, dispondo ainda de 2
minutos para a partida em direcção ao aeroporto. Dentro, já encontravam os
fiscais e os respectivos seguranças que normalmente os acompanham todos em
amena cavaqueira observando em simultâneo as pessoas que entravam.
Junto a si um homem com
aspecto de filosofo lia uns apontamentos que pareciam interessantes que não
fosse pelos sorrisos que arrancavam ao indivíduo, e um pouco mais distante
sentados de costas um par de namorados alternando beijos com msn ou tentando
bater o recorde dum qualquer jogo propositadamente construído para aquele tipo
de aparelhos. Mais descaída sobre a esquerda uma idosa entretinha-se a ler a
Caras e devia ser surda a ver pelo aparelho auditivo.
Os fiscais, ao mesmo
tempo que conversavam iam preparando as fichas de autuações para o caso de
algum engraçadinho querer dar uma de borlista aos mesmo tempo que o segurança
fingia ajustar a pistola que não trazia dado que o governo ainda não permitia
disparates desse tipo, pois armados, andavam os policias e afins, que no entender
de Catarino Sirocos, o filosofo, nem sequer deviam andar empresas privadas a
fiscalizar fosse o que fosse em espaços públicos e muito menos dentro de meios
de transportes que eram pertença do erário, e se não lhe competia tomar as
decisões no lugar de quem governava nada o impedia de manifestar opinião e não
se fez rogado exprimindo em voz alta o seu descontentamento por ter de entregar
o passe um qualquer gorila só porque tinha uma farda de cor manhosa.
O pai de Plácido era
italiano e emigrara para Portugal aquando da II Grande Guerra, e o filho não só
estudara em terras do lusitano como juntara os trapinhos com uma rapariga
natural de Trás-os-Montes; coincidente fora estudar para Lisboa onde conhecera
Placido de quem se apaixonara e, após terminado curso aceitou o pedido de
amancebamento deste; no fundo não era estrangeiro mas sim filho de
estrangeiros, dominava a língua na perfeição aliás como qualquer lisboeta algo
que servia por vezes para baralhar os recém conhecidos que não conheçam a
história da sua vida.
Súbito escutou-se o apito
indicador de início de viagem e, Plácido sorri ao ver uma mulher a rondar os 35
anos entrar disparada na estação, e tal a pressa para apanhar aquele carro que,
não obstante trazer o andante na mão não o validou correndo para a porta que se
fechava sendo ajudada por um jovem que teria pouco mais de 19 anos e
disfarçadamente colocara a biqueira da sapatinha de forma que a porta voltasse
a abrir recebendo por parte da mulher um obrigado rasgado de orelha a orelha e
a explicação – Credo tava a ver que perdia este tou aflita tenho uma entrevista
d’emprego e não quero chegar atrasada
Mal o metro se pôs em
marcha um dos fiscais dirigiu-se de imediato à mulher pedindo-lhe a senha
enquanto os outros dois iniciavam pelo primeiro banco as verificações levando Plácido
abanou a cabeça em reprovação dado que vira a mulher ultrapassar os postes onde
estão os ‘validadores’ sem de facto validar o andante e pensou – esta está
tramada vai ser multada pela certa e no mínimo 100 € vão-lhe tentar sacar
- Por favor o seu título de viagem
Entregue a luzinha
vermelha seria a única que daria sinal de vida, e vendo que a mulher estava a
ser conduzida para junto do banco onde se sentara espetou as orelhas para
tentar escutar o diálogo o que não seria difícil até porque havia pouca gente e
o fiscal nem ao trabalho se dera de falar reservadamente.
- Os seus documentos por favor CC ou CC passaporte ou
A mulher tirou da
carteira um dos documentos que lhe pedira e o fiscal nem sequer se deu ao
trabalho de escrever o nome sem o pronunciar – Viviana Passante de 29 anos
solteira –. Ao mesmo tempo que se sujeitava ao vexame pedia ao fiscal que
permitisse validar o andante na estação seguinte pois não fizera de propósito
mas porque com a atrapalhação nem lhe passara pela cabeça que devia cumprir
esse trâmite e o pior de tudo é que não podia chegar atrasada à entrevista. Vendo
que não teria sucesso e seria penalizada, somado ao temor de ser colocada fora
do metro telefonou ao pai pedindo que ligasse a uma amiga para que ela
informasse a recepção da empresa que ia entrevistar da ocorrência.
- Pai liga à Madalena Simplia e dá-lhe o meu número pede
que me ligue
- Porque não ligas directamente e já agora porque
telefonas a pagar no destinatário estás sem saldo outra vez
- Tou bolas passo a vida a telefonar para as lojas e
escritórios por isso o saldo vai-se num instante vá faz lá esse favor o número
dela é o 900565009 é só talvez quem sabe pra semana ligue de novo
Plácido era dono de uma
empresa de atacadores de sapatos e exportava para quase todo o mundo e ficou de
orelhas arrebitadas ao perceber que a mulher era licenciada em tradução
internacional dando-se disfarçadamente ao trabalho de gravar no verso do tiket
que comprara na estação o telefone e o nome da amiga. Fervia-lhe a figadeira
perante a insensibilidade do fiscal, piorada o juízo que estava a fazer do
homem pelo razão que o segurança estava plantado atrás dele como se a mulher
fosse uma vulgar criminosa capaz de sacar uma metralhadora e assassinar o
pessoal que estava dentro da carruagem; ficou ainda atónito com o que estava a
suceder pois o normal seria, naquele caso, saírem na estação do Heroísmo, e aí
fazerem o preenchimento do auto fora dos olhares do resto dos passageiros, e
percebeu que o fiscal escrevera que a prevaricadora entrara precisamente nessa
estação o que, perante provas, o auto deixaria de ter efeito por
inconformidades no preenchimento. Depois de tudo formalizado a mulher
envergonhada tratou de sair na estação seguinte (….) deixando o fiscal e o
segurança com cara de patetas alegres detentores duma façanha inigualável.
A tudo assistira calado
Catarino Sirocos que mal a mulher saiu não aguentou julgando-a vítima de abuso
de autoridade tanto mais que ela queria validar e explicara o que todos viram
inclusive os fiscais e já de pé não as poupou
- Os senhores não acham que podiam ter-lhe facilitado a
vida à tanto mais estando desempregada ter pedido que fossem condescendentes a
mulher até ia a uma entrevista para emprego
O fiscal olhou-o, e
pressupostamente entendeu ser dono da verdade, que aquele intruso metera-se
onde não era chamado e respondeu com ar sobranceiro
- Ela que fosse a pé
Ouviu-se o som de uma
esferográfica cair no chão; o rapazola que ajudara a mulher a entrar Viviana
Pasante e que estava entretido a fazer um teste de matemática não se contivera
com a resposta do fiscal e levantara-se abruptamente aproximando-se do pseudo filósofo
e do fiscal e do segurança. Quando metera o pé à porta estava sentado e não
deixara adivinhar o seu 1,90 e possivelmente uns bons 85 quilos musculados
fazendo o segurança parecer um daqueles candidatos à tropa que eram rejeitados
por não haver fardas com o seu número e interpelou o fiscal com um olho do
segurança não fosse ter de lhe dar um pontapé nas partes e arrumá-lo de vez.
- A gaja ir a pé tas quê meu chegava toda suada julgas
q’álguém atende uma pessoa transpirada tas pirado
- ‘Eu’ não tenho culpa dela estar desempregada apenas
cumpro a minha missão
O rapazola coçou a cabeça
e Catarino apercebeu-se que a coisa podia correr para o torto e antes que
alguém se magoasse de verdade tentou por água na fervura
- Sabemos que cumpre a sua missão aliás o passado por
certo o senhor estava numa dessas filas do fundo de desemprego
- Por acaso mas
agora estou a trabalhar
- Também ela mas ficou desempregada e o para muitos terem
emprego há quem os não tenha bom dia que saio nesta estação e já agora para seu
informe sou funcionário da Segurança Social.
Quando o metro chegou à
estação do Marquês Plácido saiu ao mesmo tempo que o matulão e aproveitou para
lhe dar os parabéns pela forma decidida com que ajudara a tal Liliana e os
enfrentara.
- Sabe eu uma vez também fui multado mas bolas andava na estroinice
com o pessoal da faculdade e o papá lá teve de se chegar à frente desde esse
dia e já lá vão 3 anos nunca mais me apanharam sem o passe em dia mas a mulher
está desempregada
- Não se preocupe ela só paga aquela multa se quiser
- Não percebo
Depois de explicar as
inconformidades do auto despediram-se com um aperto de mão sem no entanto
dizerem o nome um ao outro.
Depois de sair da agência
bancária onde tivera uma reunião com o gerente de conta Placido Morandi
dirigiu-se para o escritório que possuía numa das travessas que dava para a
Praça dos Aliados; tinham de atender um cliente antes do meio-dia e combinara
com o advogado e o seu treinador de ténis almoçarem nesse dia se possível o
mais tardar por volta das 13:30. O cliente Akito Murito, era responsável por
uma empresa chinesa que pretendia negociar a importação de atacadores
portugueses para posteriormente os vender como produto manufacturado Made in
China e a meio da reunião deu a conhecer já ter aberto um escritório num dos
prédios que confinava com a Rotunda da Boavista e que estava difícil compor o
quadro de pessoal pois a maior parte dos entrevistados só um idioma e ele
necessitava alguém que dominasse escrito e falado pelo menos 5 e se uma delas
fosse mandarim era ouro sobre azul dando por terminada a reunião, ficando
pendente apenas a assinatura do contrato entre a Cordonis & Atacadoris Internationali
Ldª e o grupo AttakiKordos CHI INT.
Às 13: 19 Plácido entra
no restaurante onde já o esperavam os amigos e feitos os pedidos ao empregado
de mesa conta o que sucedera no Metro dizendo que valera a pena andar de Metro
e que os amigos deviam utilizar mais esse transporte que para além de ser mais
barato que andar às voltas com o carro à procura duma rua que não tivesse
parquímetros e evitavam acidentes que ainda era mais grave, não se inibindo
confidenciar a parte da conversa que tivera com o chinês, e Jerónimo Silvester
detentor dum escritório de advocacia no prédio contíguo ao seu pergunta o que
estava a pensar
- Vou ver se arranjo alguém para o Akito estava apensar
na mulher do metro mas se tens alguém em mente diz
- Com essas referências não me lembro de ninguém e tu coach
- Por acaso até conheço uma pessoa mas tanto quanto sei está
a trabalhar no Parlamento Europeu e cheira-me que não volta para Portugal nem
com cargo de Ministra da Língua
O empregado trás as sopas
e pelo fume que deitavam do prato estavam a ferver que para Plácido era
intragável; frias ainda comia mas a fumegar nem pensar e aproveita para pegar
no telemóvel.
- Está boa tarde parla Plácido Morandi é sengorina
Madalena Simplia sou funcionário da empresa Cordonis & Atacadoris
Internationali Ldª e desejava o contacto de Viviana Pasante para uma possível
oferta de emprego.
Depois de se inteirar das
capacitações académicas telefona a Akito
- Estou a ligar para o informar que possivelmente tenho a
pessoa indicada para o lugar fala e escreve fluentemente 5 línguas Inglês
Francês Alemão e Sueco serve
Jerónimo interronpe e diz
que só anunciou 4 idiomas; Plácido faz-lhe sinal como polegar
- Só disse quatro perdoe-me ela também fala Mandarim vou
enviar-lhe por msn nome e contacto telefónico.
Deligou o telemóvel olhou
sorridente para os companheiros de almoço e metendo a colher de sopa à boca
exclamou – Bolas esta aguadilha continua a ferver.
Inácio
16/8/2015
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