segunda-feira, agosto 17, 2015

ANDANTE SEM VALIDADE




ANDANTE

INVÁLIDO


 
Sentado junto à janela imediatamente a seguir à porta da primeira carruagem do Metro Plácido Morandi olhava distraidamente as pessoas que validavam o andante e calmamente se dirigiam para o veículo estacionado na gare de Campanhã, dispondo ainda de 2 minutos para a partida em direcção ao aeroporto. Dentro, já encontravam os fiscais e os respectivos seguranças que normalmente os acompanham todos em amena cavaqueira observando em simultâneo as pessoas que entravam.
Junto a si um homem com aspecto de filosofo lia uns apontamentos que pareciam interessantes que não fosse pelos sorrisos que arrancavam ao indivíduo, e um pouco mais distante sentados de costas um par de namorados alternando beijos com msn ou tentando bater o recorde dum qualquer jogo propositadamente construído para aquele tipo de aparelhos. Mais descaída sobre a esquerda uma idosa entretinha-se a ler a Caras e devia ser surda a ver pelo aparelho auditivo.
Os fiscais, ao mesmo tempo que conversavam iam preparando as fichas de autuações para o caso de algum engraçadinho querer dar uma de borlista aos mesmo tempo que o segurança fingia ajustar a pistola que não trazia dado que o governo ainda não permitia disparates desse tipo, pois armados, andavam os policias e afins, que no entender de Catarino Sirocos, o filosofo, nem sequer deviam andar empresas privadas a fiscalizar fosse o que fosse em espaços públicos e muito menos dentro de meios de transportes que eram pertença do erário, e se não lhe competia tomar as decisões no lugar de quem governava nada o impedia de manifestar opinião e não se fez rogado exprimindo em voz alta o seu descontentamento por ter de entregar o passe um qualquer gorila só porque tinha uma farda de cor manhosa.
O pai de Plácido era italiano e emigrara para Portugal aquando da II Grande Guerra, e o filho não só estudara em terras do lusitano como juntara os trapinhos com uma rapariga natural de Trás-os-Montes; coincidente fora estudar para Lisboa onde conhecera Placido de quem se apaixonara e, após terminado curso aceitou o pedido de amancebamento deste; no fundo não era estrangeiro mas sim filho de estrangeiros, dominava a língua na perfeição aliás como qualquer lisboeta algo que servia por vezes para baralhar os recém conhecidos que não conheçam a história da sua vida.
Súbito escutou-se o apito indicador de início de viagem e, Plácido sorri ao ver uma mulher a rondar os 35 anos entrar disparada na estação, e tal a pressa para apanhar aquele carro que, não obstante trazer o andante na mão não o validou correndo para a porta que se fechava sendo ajudada por um jovem que teria pouco mais de 19 anos e disfarçadamente colocara a biqueira da sapatinha de forma que a porta voltasse a abrir recebendo por parte da mulher um obrigado rasgado de orelha a orelha e a explicação – Credo tava a ver que perdia este tou aflita tenho uma entrevista d’emprego e não quero chegar atrasada
Mal o metro se pôs em marcha um dos fiscais dirigiu-se de imediato à mulher pedindo-lhe a senha enquanto os outros dois iniciavam pelo primeiro banco as verificações levando Plácido abanou a cabeça em reprovação dado que vira a mulher ultrapassar os postes onde estão os ‘validadores’ sem de facto validar o andante e pensou – esta está tramada vai ser multada pela certa e no mínimo 100 € vão-lhe tentar sacar
- Por favor o seu título de viagem
Entregue a luzinha vermelha seria a única que daria sinal de vida, e vendo que a mulher estava a ser conduzida para junto do banco onde se sentara espetou as orelhas para tentar escutar o diálogo o que não seria difícil até porque havia pouca gente e o fiscal nem ao trabalho se dera de falar reservadamente.
- Os seus documentos por favor CC ou CC passaporte ou
A mulher tirou da carteira um dos documentos que lhe pedira e o fiscal nem sequer se deu ao trabalho de escrever o nome sem o pronunciar – Viviana Passante de 29 anos solteira –. Ao mesmo tempo que se sujeitava ao vexame pedia ao fiscal que permitisse validar o andante na estação seguinte pois não fizera de propósito mas porque com a atrapalhação nem lhe passara pela cabeça que devia cumprir esse trâmite e o pior de tudo é que não podia chegar atrasada à entrevista. Vendo que não teria sucesso e seria penalizada, somado ao temor de ser colocada fora do metro telefonou ao pai pedindo que ligasse a uma amiga para que ela informasse a recepção da empresa que ia entrevistar da ocorrência.
- Pai liga à Madalena Simplia e dá-lhe o meu número pede que me ligue
- Porque não ligas directamente e já agora porque telefonas a pagar no destinatário estás sem saldo outra vez
- Tou bolas passo a vida a telefonar para as lojas e escritórios por isso o saldo vai-se num instante vá faz lá esse favor o número dela é o 900565009 é só talvez quem sabe pra semana ligue de novo
Plácido era dono de uma empresa de atacadores de sapatos e exportava para quase todo o mundo e ficou de orelhas arrebitadas ao perceber que a mulher era licenciada em tradução internacional dando-se disfarçadamente ao trabalho de gravar no verso do tiket que comprara na estação o telefone e o nome da amiga. Fervia-lhe a figadeira perante a insensibilidade do fiscal, piorada o juízo que estava a fazer do homem pelo razão que o segurança estava plantado atrás dele como se a mulher fosse uma vulgar criminosa capaz de sacar uma metralhadora e assassinar o pessoal que estava dentro da carruagem; ficou ainda atónito com o que estava a suceder pois o normal seria, naquele caso, saírem na estação do Heroísmo, e aí fazerem o preenchimento do auto fora dos olhares do resto dos passageiros, e percebeu que o fiscal escrevera que a prevaricadora entrara precisamente nessa estação o que, perante provas, o auto deixaria de ter efeito por inconformidades no preenchimento. Depois de tudo formalizado a mulher envergonhada tratou de sair na estação seguinte (….) deixando o fiscal e o segurança com cara de patetas alegres detentores duma façanha inigualável.
A tudo assistira calado Catarino Sirocos que mal a mulher saiu não aguentou julgando-a vítima de abuso de autoridade tanto mais que ela queria validar e explicara o que todos viram inclusive os fiscais e já de pé não as poupou
- Os senhores não acham que podiam ter-lhe facilitado a vida à tanto mais estando desempregada ter pedido que fossem condescendentes a mulher até ia a uma entrevista para emprego
O fiscal olhou-o, e pressupostamente entendeu ser dono da verdade, que aquele intruso metera-se onde não era chamado e respondeu com ar sobranceiro
- Ela que fosse a pé
Ouviu-se o som de uma esferográfica cair no chão; o rapazola que ajudara a mulher a entrar Viviana Pasante e que estava entretido a fazer um teste de matemática não se contivera com a resposta do fiscal e levantara-se abruptamente aproximando-se do pseudo filósofo e do fiscal e do segurança. Quando metera o pé à porta estava sentado e não deixara adivinhar o seu 1,90 e possivelmente uns bons 85 quilos musculados fazendo o segurança parecer um daqueles candidatos à tropa que eram rejeitados por não haver fardas com o seu número e interpelou o fiscal com um olho do segurança não fosse ter de lhe dar um pontapé nas partes e arrumá-lo de vez.
- A gaja ir a pé tas quê meu chegava toda suada julgas q’álguém atende uma pessoa transpirada tas pirado
- ‘Eu’ não tenho culpa dela estar desempregada apenas cumpro a minha missão
O rapazola coçou a cabeça e Catarino apercebeu-se que a coisa podia correr para o torto e antes que alguém se magoasse de verdade tentou por água na fervura
- Sabemos que cumpre a sua missão aliás o passado por certo o senhor estava numa dessas filas do fundo de desemprego
 - Por acaso mas agora estou a trabalhar
- Também ela mas ficou desempregada e o para muitos terem emprego há quem os não tenha bom dia que saio nesta estação e já agora para seu informe sou funcionário da Segurança Social.
Quando o metro chegou à estação do Marquês Plácido saiu ao mesmo tempo que o matulão e aproveitou para lhe dar os parabéns pela forma decidida com que ajudara a tal Liliana e os enfrentara.
- Sabe eu uma vez também fui multado mas bolas andava na estroinice com o pessoal da faculdade e o papá lá teve de se chegar à frente desde esse dia e já lá vão 3 anos nunca mais me apanharam sem o passe em dia mas a mulher está desempregada
- Não se preocupe ela só paga aquela multa se quiser
- Não percebo
Depois de explicar as inconformidades do auto despediram-se com um aperto de mão sem no entanto dizerem o nome um ao outro.
Depois de sair da agência bancária onde tivera uma reunião com o gerente de conta Placido Morandi dirigiu-se para o escritório que possuía numa das travessas que dava para a Praça dos Aliados; tinham de atender um cliente antes do meio-dia e combinara com o advogado e o seu treinador de ténis almoçarem nesse dia se possível o mais tardar por volta das 13:30. O cliente Akito Murito, era responsável por uma empresa chinesa que pretendia negociar a importação de atacadores portugueses para posteriormente os vender como produto manufacturado Made in China e a meio da reunião deu a conhecer já ter aberto um escritório num dos prédios que confinava com a Rotunda da Boavista e que estava difícil compor o quadro de pessoal pois a maior parte dos entrevistados só um idioma e ele necessitava alguém que dominasse escrito e falado pelo menos 5 e se uma delas fosse mandarim era ouro sobre azul dando por terminada a reunião, ficando pendente apenas a assinatura do contrato entre a Cordonis & Atacadoris Internationali Ldª e o grupo AttakiKordos CHI INT.
Às 13: 19 Plácido entra no restaurante onde já o esperavam os amigos e feitos os pedidos ao empregado de mesa conta o que sucedera no Metro dizendo que valera a pena andar de Metro e que os amigos deviam utilizar mais esse transporte que para além de ser mais barato que andar às voltas com o carro à procura duma rua que não tivesse parquímetros e evitavam acidentes que ainda era mais grave, não se inibindo confidenciar a parte da conversa que tivera com o chinês, e Jerónimo Silvester detentor dum escritório de advocacia no prédio contíguo ao seu pergunta o que estava a pensar
- Vou ver se arranjo alguém para o Akito estava apensar na mulher do metro mas se tens alguém em mente diz
- Com essas referências não me lembro de ninguém e tu coach
- Por acaso até conheço uma pessoa mas tanto quanto sei está a trabalhar no Parlamento Europeu e cheira-me que não volta para Portugal nem com cargo de Ministra da Língua
O empregado trás as sopas e pelo fume que deitavam do prato estavam a ferver que para Plácido era intragável; frias ainda comia mas a fumegar nem pensar e aproveita para pegar no telemóvel.
- Está boa tarde parla Plácido Morandi é sengorina Madalena Simplia sou funcionário da empresa Cordonis & Atacadoris Internationali Ldª e desejava o contacto de Viviana Pasante para uma possível oferta de emprego.
Depois de se inteirar das capacitações académicas telefona a Akito
- Estou a ligar para o informar que possivelmente tenho a pessoa indicada para o lugar fala e escreve fluentemente 5 línguas Inglês Francês Alemão e Sueco serve
Jerónimo interronpe e diz que só anunciou 4 idiomas; Plácido faz-lhe sinal como polegar
- Só disse quatro perdoe-me ela também fala Mandarim vou enviar-lhe por msn nome e contacto telefónico.
Deligou o telemóvel olhou sorridente para os companheiros de almoço e metendo a colher de sopa à boca exclamou – Bolas esta aguadilha continua a ferver.


Inácio
16/8/2015

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