quinta-feira, agosto 13, 2015

O Pedregulho





O
PEDREGULHO




Bamboleando, deixava ver-se um reflexo semelhante ao de uma asa de corvo quando incidiam raios do sol ao nascer do dia num esvoaçar imaginário excitada pela aragem que se fazia sentir na orla marítima e que mais tarde aumentaria como um por de sol tropical. O espectáculo que a pequena ondulação construía para além de pano de fundo enfatizava o andar que podia considerar-se um bailado de execução irrepreensível de uma primeira bailarina do Bolshoi. Coisa alguma parecia perturbá-la; os meninos a levantar e atirar areia para os banhistas alapados nas toalhas a bronzearem os corpos quando chutavam as bolas imaginando-se CR7’s, os pares de namorados a beijarem-se enquanto untavam a pele com protectores factor 30 elas aspirando a modelos eles a galãs de telenovela, os pais aborrecidos com as mães por terem de aturar as sogras que intrusamente se metiam nas férias, os avós arrepiados com os mergulhos dos ‘ai jesus’ das suas vidas, os empresários falidos deitando contas aos prejuízos, os salvadores nadadores por irem iniciar mais uma pasmaceira pois há 10 anos que ninguém se afogava naquelas praias, nem sequer os donos de animais que sem os donos darem conta faziam necessidades na mesma areia onde as pessoas se rebolavam mas que aqueles civicamente tratavam de apanhar os dejectos.

Ninguém poderia saber ou imaginar o que ia naquela cabeça, que sentimento nutria pelos que lhe eram próximo, em que partido pudesse votaria, qual o clube do seu coração, gostava ou não de corridas de touros e do show hilariante dos toureiros a espetarem farpas no dorsos dos animais; talvez nem soubesse porque existiam estrelas no céu ou porque o sol queimava outras vezes não; incluso, podia estalar a 15ª guerra total, colidirem os continentes no maior desastre geológico cresceram glaciares ao longo da zona tórrida correrem rios da foz para levante, desde que não elegessem para os governos nacionais um animal de 4 patas a vida continuaria perfeita e o mundo em equilíbrio.

Passados brevíssimos minutos parou junto a um “pequeno pedregulho que se banhava cada vez que uma onda rebelde enrolava a areia e ansiava refrescar os buracos dos caranguejos” olhando fixamente para lá donde a vista humana alcança – Teria dotes de visão extra-sensorial que permitiam ver o bailado das toninhas nas águas profundamente azuladas do oceano – interrogava-se um pseudo turista à procura do que não tinha na sua terra e continuava – A mente às vezes vai para além e quiçá seja este o caso dum cérebro extra dimensional e capacita os sentidos irem para além do racionalismo do subterfúgio comum ou a justificação positivista sobre mundos paralelos onde cada ser encontra correspondência numa outra galáxia ainda desconhecida para os cientistas dos mais evoluídos laboratórios mundiais onde se pesquisa a vida para além da existência terrestre – desabafava cofiando a barba rala avistando para lá do paredão da esplanada colocada no areal com pequenos candeeiros que se acenderiam mal a noite chegasse e pertencente a um dos vários hotéis que se estendiam pela avenida principal a velha Yafo, e no molhe de rochas, 3 pescadores amadores de cana empunhada lançando de volta o peixe para a água sempre que este não atingia o tamanho legal.

Kasteliev Adraan conhecia aquelas areias, as águas, os donos das embarcações de luxo ancorados na marina fronteiriça aos hotéis, as pessoas que usualmente passeavam os animais de estimação que a passo de trote gozavam a liberdade de poderem ostentar as trelas fora dos jardins particulares circundados por muros erguidos pelos homens afim de garantirem a sua liberdade, servindo esse cuidado também para preservarem os que se enjaulavam e depois de amestrados, faziam as delícias do público em circos de ocasião onde os anões eram palhaços e os mestres de cerimónia maquilhavam-se à falta de cash para operações estéticas, como alguns apresentadoras de televisão, escondendo os saltimbancos para lá dos 50 as rugas compradas nas tendas de pagamento do seu baixo salário sem descontos para a segurança social, em retribuição dos espectáculos levados à cena em praças de terra batida, alguns mesmo obrigando os contorcionistas passarem pelo coador da vida e o que de magro esta lhes oferecia.

Kasteliev desandou do bar onde estivera até momentos antes a degustar o seu breakfast como se fosse Sabat dirigindo-se pausadamente para o pedregulho que antecedia o paredão contando o número de veleiros ancorados na primeira marina. 12 era o número; espreitou o telemóvel e coincidente a data registava 12 de Agosto 2015 e a pouco menos de 3 metros do pedregulho que desafiava a ondulação com intrepidez estremeceu – fizera um ano, precisamente naquele mesmo dia, que recebera uma chamada telefónica do seu grande amigo Rochoff Kardosio Luyssin alertando-o sobre a ocorrência da morte de Nuksädiha e ficara para morrer.

Não esperava com uma notícia da natureza daquela e que a cadela tivesse morrido sem que Arievilova Marianiska nada lhe dissesse, reflectindo as razões do silêncio e concluíra na altura que escondera a situação para evitar que ele lhe consumisse a paciência e a forçasse a mandar abatê-la. Nesse dia ligou para Arievilova a criticá-la por não lhe ter dado conhecimento do que se estava a passar recordando que fora incapaz de disfarçar o estado de choro com que articulava as palavras; – Os homens não choram…deve ter sido impressão tua – comentava-lhe um amigo na altura, mas na realidade sentira-se enlutado pela cadela mais do que pela traição por parte da dona, algo que já para si não constava da lista das dúvidas.

Ao recordar o episódio percebera que tremia e um incómodo suor escorria pela face e fechou os olhos já com os pés dentro das águas cálidas do Mediterrâneo refilando por não se ter descalçado; trazia calçado socas de borracha usadas quando ia para a praia surgindo um forte anelo de se atirar vestido para o mar, refrescar o pensamento, lavar as mágoa, condenando-se ao mesmo tempo por ainda não ter em definitivo exaurido o que sentia por Arievilova mais do que ter preterido o convite da sua prima Bibianina Oliveisaka que por força do destino se separara, para que fosse morar consigo e Francsoov Candevsky único filho, o que seria benéfico para ela não tanto pelo dinheiro de renda que não precisava mas pela companhia e um certo apoio num momento que seria complicado com o filho a entrar no campo das desbundas universitárias tanto mais que já lá morara durante um ano o que seria no fundo um regresso ao seio familiar, optando porém alugar uma pequena casa na esperança de uma futura reunião.

Na linha do horizonte dum mar onde dentro de algumas horas o sol se despediria da terra do médio oriente a caminho das antípodas, embarcações de média tonelagem navegavam legalmente em águas internacionais levando fugitivos provindos de países em que estalara uma novo e horripilante cruzada contra o ímpio cristão. Kasteliev até podia perceber as razões mas condenava a barbárie muito mais a decapitação de pessoas frente a câmaras de TV para posterior transmissão ao público infiel, e pensava como reagiria essa gente se os ocidentais mandassem ás malvas os conceitos humanísticos e tomassem iguais medidas ou piores. Como pacifista sempre vira a violência inimiga condenável desde o tempo da ascensão dos antigos impérios, mas tratou de varrer esses pensamentos já bastando ter vindo à memória o acontecimento do ano anterior.

Perdido noutros, recordava-se dos torneios de malha em que participara décadas atrás, e criticou-se por não ter escolhido por desporto preferido o JDGF «Jogos De Gráficos Financeiros» sempre melhor em termos de reforma que seria provavelmente equivalente ao que auferiam os políticos profissionais que decidiam nos gabinetes intervenções nos Golans. Era contra a guerra, mas também admitia que os palestinos não ajudavam à missa para que a paz fosse pacífica; entre os seus amigos comentava-se, falecido Arafat, o conflito Israelo-Árabe desabava e Israelitas e Palestinos ergueriam finalmente uma pátria comum e que Cristo no Santo Sepulcro agradeceria pois desde que os tiros tinham começado nunca mais pudera descansar na paz do Senhor. Infelizmente, 13 anos após a última copofonia com os atletas do «Malha Clube» a situação por aquelas paragens mantinha-se inalterável, ou a tendendo a piorar.

Subitamente, como se esvaziasse a praia, Kasteliev deu conta dum silêncio absoluto a apoderar-se do espaço em seu redor; as três pessoas que pescavam no paredão tinham-se milagrosamente evaporado, o Mediterrâneo transformado num mar-chão quase espelho do etéreo, as embarcações ao largo da costa hasteando bandeiras brancas ao mesmo tempo que um silvo, um assobio calculado atravessava a atmosfera sublinhando o silêncio. Fora um som similar ao que tantas vezes lançara em desafio a Nuksädiha e que o obrigou a virar-se repentinamente procurando a origem do som. Junto ao pedregulho sobranceiro ao mar uma cadela que abanava a cauda, também asa de corvo, por puro contentamento. Perante um segundo chamamento sibilar desatou numa correria só parando junto a um casal de pé limpando a areia da praia com as toalhas de banho.

Tal como Jesus caminhando pelas pedras sobre o mar não vira o quadro que o pintor pusera em tela depois da Última Ceia, igualmente Kasteliev não descortinara qualquer cão parado perto do ‘pequeno pedregulho que se banhava cada vez que uma onda rebelde enrolava a areia e ansiava refrescar os buracos dos caranguejos’. Milagres não contavam para a sua religião e a fé contendo-os há muito deixara de constituir doutrina, valorizando até crenças e ditados na medida do valor que se lhes devia ser atribuído, mas sentiu o rosto ligeiramente molhado limpando de imediato com a palma da mão uma pequena e teimosa lágrima que se atrevera a desafiar um dos mais populares ditados que o homem inventara, e ele, sabia-se um homem de verdade.


Inácio
12/08/2015


Sem comentários:

 
Web Analytics