segunda-feira, maio 01, 2017

SEMÁFOROS DO FUTURO

Também para as 84.569  pessoas que já me visitaram 


Resta-me apenas uma folha para escrever o que me vai no pensamento, última de uma sebenta que tinha guardado entre objectos que vos queria oferecer . Nela expresso a mais profunda gratidão pelos anos de amizade e compreensão, e nalguns casos de amor.
Registar num pequeno pedaço de papel as cores do vendaval que varreu os sonhos, desfez as estradas que palmilhei na ilusão de encontrar o meu descanso para num verso conto ou pequeno romance permitir que no vosso horizonte, ao por do sol brilhem de novo as cores da nossa juventude, e que num semáforo ao atravessarem a rua do vosso encantamento se cruzem com o futuro.






SEMÁFOROS DO FUTURO



Parou no tempo; para trás deixara dúvidas, certezas que nunca chegaria a comprovar num mar de sangue derramado em lutas pela falta da liberdade sonegada e que a natureza conferira ao nascer, legado que ultrapassara o remoto tempo em que o Homem pela primeira vez colocara em símbolos, palavras ou apenas contos transportados de boca em boca através dos ventos que determinam a existência humana. Defronte ao semáforo fixando o olhar no vermelho destinado a mandar esperar os peões reviveu ruas onde a sinalética se fazia não por aparelhos comprados num fábrica situada num país qualquer doutro hemisfério mas sim por homens vestidos com fardas brancas capacetes protectores apitos prateados feitos de latão e luvas sem vestígios de sangue, só descendo da memória ao terreno quando alguém ao seu lado, delicadamente tocou no ombro ao mesmo tempo que apontava o verde que entretanto reaparecera no poste do passeio contrário ao que se encontravam fazendo estremecer como se tivesse sido atingido por uma descarga atirada por um raio voltaico. Ao seu lado uma jovem extremamente formosa, reluzentes olhos da cor do gozo mala a tiracolo cabelos soltos ao desafio sapatos rasos sem fivelas vestido liso moldando insinuantes ancas, sem óculos escuros tatuagens ou piercings, dava mostras que o mundo ainda não perdera o encanto das pinturas de Rembrandt van Rijn mantendo as amarras ao passado, que sem delongas aligeira o passo atravessando a avenida respeitando a passadeira ao mesmo tempo que obrigava o homem que momentos antes alertara para a abertura do sinal a apreciar pela posição retardada o bambolear dum corpo a fugir do período da adolescência.
Aos 47 anos a completar messe ano Fernando Ferrão Ferro estava ciente ser um homem vulgar sem nunca ter tido a veleidade de imaginar-se no papel de um Tom Cruise, Richard Gere, Leonardo DiCaprio, mas naquele preciso momento sentiu-se um galã hollywoodesco a desempenhar um papel secundário no seu 1º filme o que lhe permitia elevar o nível da imaginação a patamares até então nunca alcançados, levando-o a pestanejar audaciosamente ante tão escultural mulher a rondar na sua opinião os 18 anos nunca para menos que pedofilia era ensopado que dispensava. Incauto por não dar a devida atenção aos carros que podiam inadvertidamente não parar no vermelho, deliciado com aquele fruto apetitoso símbolo da natureza feminina monta mentalmente um cenário nupcial a ter lugar num hotel de 100 estrelas que se construiria dali a três anos numa ilha formada a partir duma erupção vulcânica sem afectação de produtos químicos usados nas guerras do passado, utilização proibida aos países sem poderia nuclear, e onde nessa ilha as águas eram cálidas os peixes cegos para não verem e testemunharem a pouca-vergonha que se passava entre recém casados ou outro tipo de parelhas após perda da virgindade de parte a parte, sorrindo de contentamento perante tal devaneio. No íntimo para 3F’s bastava uma tenda à beira mar rio ou lago esquecida desde que lhe dessem descanso à cabeça e não adelgaçassem a carteira. O ano 2010 era normal, normal como tantos outros, mas para ele parecia o de todas as taludas mesmo não jogando na lotaria.
Se para Fernão Ferro a vida parecia ter mudado o mesmo não se passava com Sezaltina Caldeirão. Aos 19 anos importava desfrutar os prazeres da liberdade feminina há décadas conseguida abanar o capacete nos festivais de musicado seu tempo botar headphones e excitar-se com sound de Luís Miguel ou qualquer rap da moda que às portas do 2 ano da faculdade de medicina não estava para servir de colchão dum ‘cota in’ tivesse 40 50 ou idade de ser avozinho com intenções de fazer a vida negra à vóvó enfeitando-a com um par de chifres. O final do curso vinha longe, as metas propostas eram para cumprir e cumpri-las-ia quer o governo lixasse os estudantes quer os pais entrassem numa fria que em último caso abriria as penas a um milionário com fortuna feita com golpadas governamentais ou trafulhices intercontinentais comuns ao comum dos políticos bem instalados na vida, pensamento que não andava longe do que certas colegas esquerdistas pensavam. Seria médica assunto arrumado que na sua vontade mandava ela.
Chegara entretanto o mês de Julho, os dias escorriam entre os dedos pois o verão era sempre curto, o calor apertava e havia que aproveitar, as praias enchiam-se de turistas capazes de destrocar dólares euros cuanzas rublos ou diamantes que são eternos, as discotecas apinhavam-se de malta desde os caloiros aos finalistas, a facebook a fazer queimar os neurónios às velhinhas mascaradas de trintonas com os cremes da juventude e os que pretendiam atingir o estrelato encharcavam as páginas pessoais com os mais divertidos disparates alguns jamais imaginados até então incluindo também neste grupo os que se deviam remeter à contenção por questões sociais partidárias religiosas e outras que não passaria pela cabeça nem do Papa. Havia contudo quem tivesse de trabalhar a dobrar para pagar contas, impostos que sabiamente o fisco conseguia aumentar permitindo-se a não cobrar na devida altura afim de poder contabilizar mais uns cobres através de juros de mora e outras fantochadas, e 3F’s não fugia à regra e jamais seria excepção. Dizer que trabalhava que nem um moiro era gozar com a lazeira dele dado se ver forçado a bulir, e não poucas as vezes, 12 a 14 horas dia a troco dum magro salário.
No calendário da vida assinalara 16 anos a dar no duro, às vezes sem contar para a reforma porque se acaso pagasse impostos arriscava-se a ir para a formatura da sopa dos pobres, ficando-lhe nos últimos dois meses, no meio de tanta desgraça e dificuldade, a inesquecível imagem daquela “quase mulher “que o sacudira nos semáforos. Sentado no banco de jardim e fechada a lancheira permitiu-se ao delírio imaginativo de um reencontro, e interroga-se em voz alta – será que reconhecerá acaso nos cruzarmos por aí lembrar-se-á do episódio, ó pá estou a fantasiar vê se não te esbarras Ferrão. Sobrava-lhe pouco mais de 40 minutos até tocara sineta para pegar ao serviço, iniciar o período da tarde esticado até às 18:30. Entrara ao serviço às 8:00 em ponto na obra em que dirigia a empreitada e somando 3 horas de transportes chegaria a casa já noite; morava num quarto cedido por uma viúva cuja reforma não era suficiente para fazer face a todas as despesas incluindo as de saúde, e isso mexia também com Ferrão ferro sempre preocupado em não falhar com compromisso de pagar a tempo o aluguer. De obra em obra surripiando um ferro aqui verga de aço mais à frente pensava trazer-lhe o futuro condições para viver com mais dignidade, quiçá um dia construir a sua própria casa, adquirir um carro em 2ª mão e se encantado com alguma mulher constituir família com filhos, mas os anos firam passando as expectativas goradas por não passarem disso mesmo e a vida degradara-se a cada mês ano década. Da esperança até então mantida pouco restava e o ano 2011 parecia não augurar nada de bom não obstante a mudança de governantes, ao ponto do desespero comandar as noites de muita gente, alguns bastante mais jovens porém com mais tempo e maior formação, o que o levou a pensar a breve trecho as pessoas mover-se-iam num pântano de areias movediças onde cada dia que passasse mais se enterraria as oportunidades. Para ele a frase “sair da zona de conforto” não caíra em saco roto e devia ser levado a sério tanto mais vinda a afirmação da parte de quem viera e 3F’s não ia para novo 
À entrada do hospital Sezaltina Caldeirão sorria ao pensar na forma como estremecera o homem a que tempos antes dera um toque de alerta no ombro para atravessar a rua – podia tê-lo empurrado ahahah – e mesmo passado um ano sem saber razões do fórum psicológico continuava a manter viva a imagem da cara e da cena, e sempre que a revivia sentia ter inegável prazer incluso já contara à sua mais íntima amiga o que se passava provocando-lhe, além de espanto o inevitável e costumeiro interrogatório em caos deste teor e sobre o dito macho porte beleza e se não se perdera de amores por um eloquente personagem dos filmes do AXN ou Canal Hollywood.
- Kida essa não pega que raio de absurdo me contas não sabes nome idade profissão morada cartão bancário ou se tem registo criminal 
- Tens razão mas fixei-lhe o rosto e garantido que de bandidolas não tem aparência mas a verdade é que o man não me sai da cabeça
- Talvez um dia o encontres numa discoteca ou no bloco operatório e nada de desanimar veste a juba de leoa que há por aí muito gatão à solta 
- Beijo amor mas agora vou para o teatro anatómico apreciar gato esfolado alguns fedorentos
Qualquer das jovens mulheres sabia que não as esperava um tempo de estudante facilitado que o curso não era como andar em bailes carnavalescos e mesmo após a formatura possivelmente seguir-se-iam tempos difíceis que o mundo não se adivinhava risonho como se pintava em certos meios, mas Resinda, amiga do coração desejava acima de tudo alegrar a amiga e motivá-la. Apesar de ambas serem de famílias abastadas ficava-lhe a impressão que Seza vivia angustiada por não poder resolver entre outros males as crises que estalavam sucessivamente pelo mundo fora. No seu caso, já decidira fazer pelo menos 3 anos de voluntariado tipo médicos sem fronteiras não tendo dúvidas que a amiga também alinhava caso lançasse um desafio.
O que nenhuma imaginava era que no lado oposto ao lugar onde se encontravam 3F’s debatia-se com a dúvida de ficar ou partir enquanto metia na mala umas quantas peças de roupa e certos artigos que jamais os deixaria à guarda fosse de quem fosse e qual fosse o destino. Na semana anterior decidira seguir o conselho do 1º ministro, contactara uma empresa ilegal que contratava escravos para trabalhar fora do país a troco de ordenados garantidos se bem que exíguos garantindo viagem segura caso não acontecesse um imprevisto estadia num pardieiro obscuro fora do alcance das autoridades locais e no dia seguinte abalaria de camioneta para a fronteira entre França e Suiça. Mais do que emigrante a salto sentia-se uma peça descartável rolamento gripado grua escancarada num chão lamacento ou como escutara ao seu pai, militar que sem guerras para combater restava o reserva, mas a decisão fora tomada e as dúvidas esfumar-se-iam com o repouso da última noite em solo pátrio.

***

O globo dá uma volta a cada 24 horas os meses contavam-se em 30 ou 31 um dias salvo o pequenote de 28 que nascera de parto prematuro e só para chatear de 4 em 4 envaidecia-se, o ano festejava 366 dias só nos bissextos que os outros contavam 365 danando a classe empresária que detestava tanto estes como o mês de Fevereiro, e tudo voltava ao princípio menos a idade dos seres vivos que, por muito que a ciência na tentativa de descobrir vacinas para a vida eterna as rugas continuavam a atormentar quem não tinha dinheiro para plásticas, o caruncho aparecia e as dores de lumbago não era invenção dos mandriões que militavam nas manifestações da classe operária, e assim o calendário colocado numa das paredes do consultório de Sezaltina Caldeirão marcava 2025. Cumprira tudo a que se propusera fazer, montara um negócio de saúde paralelo SNS com a sua amiga Resi ainda pertença do estado, e mais 2 colegas se maneira a garantirem operacionalidade do serviço, Nunca lhes passara pela mioleira desligarem-se em definitivo do sector público Hospitalar, até porque o diabo às vezes tecia-as, não estavam dispostas para penar no purgatório e aos 34 anos não se consideravam propriamente teenagers.
 No caso de Resi a vida dividia-se entre clínica hospital casa onde 2 filhos pintavam diariamente a manta; quanto ao marido sabia-o suficientemente crescido para dispensar ajuda ao vestiras as cuecas, e que se contentasse com umas esfregadelas de costas. Interrogando-se todavia com Seza e sobre hipotéticas razões de nunca ter casado pois pretendentes nunca tinham faltado aumentada até a fila de espera e respeitante a opções sexuais punha as mão no fogo pela amiga quanto a prazeres de leito dado nunca ter tido qualquer indício que não fosse ‘hetero’ quer por presenciar actos que tal indicassem ou mesmo investidas contra si, e até inadvertidamente numa roda de colegas uma deslas a ter questionado sobre a sua tendência ouvindo o que não gostou – filha debruçada na banda de operações não tenho apetites carnais e fora meu anjo não te preocupes por causa do teu marido pois anda por aí à solta muito homem macho sem coleira – estalando a risota com a saída. Desde esse dia se alguma dúvida restasse ficara claro que Seza gostava de homens mas até ao momento e segundo a mesma só encontrara homenzinhos.
Sem contar ninguém Seza fizera um conjunto de esboços e oferecera alguns à amiga, com o rosto do homem a que designara de 008 evitando confusões com o famoso agente secreto pois segundo a sua sensibilidade o “tal” nada tinha de James Bond, quando muito de Fernão Capelo Gaivota tal as viagens que lhe proporcionara pelo universo do sonho quando escutava Bee ou Father na voz de Neil Diamond, imagens virtuais que guardara na retina e na memória acaso a vida pregasse uma rasteira das grandes e num semáforo qualquer um sujeito já curtido pelos ventos outonais hesitasse atravessar uma passadeira estando o sinal verde. Assim como Seza tinha presente a imagem de 008 Resi guardara religiosamente junto a coisas íntimas os quadros que a amiga oferecera.
Nesse dia os relógios marcavas a mesma hora consultório ou no hospital e Resi, de serviço às urgências recebe um dos utentes do SP iniciando de imediato a análise da situação clínica do paciente. Tratava-se de um homem na casa dos 62 anos idade real bem longe da que aparentava pois ninguém daria mais de 50/52; denotava um certo ar cansaço , cabelo ainda negro olhos brilhantes corpo firme, mas ela, médica competente percebera algo mais para lá do aspecto visual. Atrás da mascara facial uma infindável dor um quê de ‘estou farto’ cortinado escondendo luto do mais negro que podia observar-se e o nome de Fernando ferrão Ferro fê-la sorrir – 3F’s que giro – emigrante retornado, operário de construção civil à espera da reforma se o governo não fizesse a mesma sacanagem que fizera ao pai. Após concluído o exame as perguntas da praxe sossegou
-Está tudo bem para a idade não passou dum ataque de pânico nada que um ansiolítico não o possa ajudar mas diga-me se tem filhos consigo ou qualquer outra pessoa pela ficha vejo que é solteiro mas…
- Não tenho ninguém doutora para além de três amigos e ex colegas de profissão mas porque que pergunta isso
- Apenas para saber se teria alguém que se preocupasse consigo e o obrigasse a tomar a medicação de acordo com a prescrição
- Obrigado garanto seguir as suas indicações à risca
- Tudo bem vá com Deus senhor Ferrão Ferro
- Fora o último doente do turno e que finalizava o dia de banco e partir do momento que tirasse a bata não queria saber de Rivoltis Lorsedais ou coisas do género; tempo de tratar dos xanaxes que a esperavam em casa.
O dia chegara às 20:45 hora precisa em que 3F’s confidenciava a Matias Birgolinho, velho amigo e companheiro de infortúnio o que se passara no hospital fazendo questão de elogiar o atendimento especialmente a simpatia da médica mas que infelizmente por descuro do qual se penitenciava não fixara o nome.
- Isso é imperdoável e preocupante
- Nem tanto assim Vírgulas 
- Esquecimento dessa natureza e na tua idade cheira a pré anúncio de Alzimeia
- Alzheimer homem
- Disse Alzemeia de propósito que é o mesmo que esquecer só metade conseguiste recordar-te que era uma médica o que é fantástico
- Então no teu caso tiveste por inteiro esqueceste-te de entregar a declaração do IRS o ano passado
- Não tem nada a ver com falhas de memória apenas confundi o mês e depois lixei-me com a coima que os gangsters me aplicaram mas já agora devias ir à recepção perguntar quem foi a médica que te atendeu
- Vou lá um dia destes agora apetece-me um cozido à portuguesa alinhas
- Pagas
- Pagamos caríssimo ou então contentas-te ver-me comer principalmente beber um tintol à maneira
A vida pregara demasiados sustos, rasteiras, e depois de tantos trambolhões um ‘cozido’ não os mataria e sempre matavam o desejo; 20 minutos depois entravam no Barril para um jantar com talheres e tudo incluído toalhas e guardanapos de pano. Eram amigos de verdade, solteiros que a droga da sorte fora madrasta.
Ao mesmo tempo que Matias e Fernando jantavam, em casa de Resi a refeição decorria em harmonia matrimonial com os putos a quererem devorar a comida afim de obterem mais tempo para o Pókemón o marido a interromper a refeição a cada 10 garfadas em atendimento personalizado a clientes que sendo chatos ou de olhos em bico pagavam princepescamente os seus favores que lhe permitira adquirir uma casa de praia no sul do país e outra num dos paraísos fiscais.
- Trabalhas amanhã Resi
- Porquê amor
Esta semana ofereci 3 dias de férias a mim mesmo pensava numa viagem à serra apanhar ar puro
- Depois de amanhã estou liberta e disponho de mais dois dias para loucuras dá
- Combinado falas com os teus pais para ficarem com as pestinhas ou convenço os meus
- Deixa comigo Daniel trato deles não vás esquecer-te dos miúdos em casa
 - Piada
Incontestavelmente a noite seguia destino ao romper da aurora encontro dum novo dia de luta, tocar do despertador e o o infernal barulho do trânsito, e numa vivenda circundada por um muro que separava a privacidade dos olhares incómodos de quem se deliciava a meter o nariz em sítios onde não devia Seza aperaltava-se para após fugaz pequeno-almoço enfiar-se no Porsche e rolar até à clínica. Sentia-se desde o início da manhã bem disposta, mais dinâmica que o costume ao ponto da mãe ter questionado sobre eventual existência de moiro na costa; no fundo mesmo sendo detentora de quase tudo faltava-lhe o avental de avó sem que o tivesse alguma vez confessado à filha. Havia malhas que uma mãe sabe que não deve tecer.
Mas a azáfama que esperava o dia de trabalho viera com o próprio, os carros organizavam filas que mais pareciam romarias à Cova da Iria, a velocidade baixa e o tempo andava à velocidade do costume sem pausas nem policia a chatear semáforos ou esquinas apenas voltas dos ponteiros dos relógios que muitos diziam fabricados na Suiça nada que impedisse Sezaltina e Resinda de tomar café como habitualmente o faziam no FINTAS CAFÉ, propriedade do pai de um antigo pretendente a marido da primeira sem que alguma vez tivesse chances de se declarar, não por falta de coragem, desníveis sociais ou intelectuais mas tão só porque ela nunca abrira uma janela ou postigo que fosse para que o moço confessasse que a sua paixão não era só assolapada, mas quisesse Seza e ele tomava-a por inteiro, e às 9:27 sentavam-se na mesa do costume para os habituais cafés sabendo da desnecessidade de os pedirem dado que Zacarias Fintas sabia de cor salteado e por mesas o que os seus melhores mais antigos e habituais clientes tomavam e contar-se-iam pelos cabelos da careca as vezes que se enganara.
Servido o café, entre goles, Resinda pergunta como correra o dia anterior e estavam os pais, dando a conhecer da decisão de se ausentar por dois dias, algo que de antemão sabia não causar caos no normal funcionamento da clínica e que a amiga segurava a barra por pesada que fosse. 
- Se estás com vontade Resi podes contar comigo por isso fly to the moom
- Olha o hospital ainda é público ou o CA já o vendeu aos Venuzianos 
- Brinca minha linda não tarda aquilo em vez se hospital vira manicómio
A conversa continuou prazenteira até que de repente Sezaltina ao olhar para a rua viu um homem que a atravessava com o sinal vermelho para peões comentou o facto sorrindo e apontando para o local acto que levou a amiga a olhar na direcção indicada, e fixando o homem mesmo à distância veio-lhe à memória o último paciente que atendera nas urgência, não contando todavia ouvir da boca da amiga o que não contava nem podia imaginar um dia poder escutar coisa semelhante.
- É parecido ao homem que te falei parado na passadeira à espera do Godo até fiz uns esboços acho que guardaste uns quantos
Perante a palavra “esboços” Resi sacudiu a cabeça como se tivesse levado um jab de Roky Marciano boxeador do passado que ouvira tantas vezes o pai elogiar. Associou de imediato o que observava a uma outra cena, uma que a amiga contara e por inacreditável que parecesse já se passara década e meia e sem qualquer esforço a imagem do último paciente que atendera na véspera e a semelhança com a cara que a amiga desenhara, mesmo em esboço, veio à memória – não pode ser Resi não há milagres para além dos de Fátima – se bem que algo a picasse e aceitasse a coincidência.
- Olha lá Seza mais ou menos que idade teria o homem que desenhaste.
- Talvez rondasse os 35/37 anos baseio-me pela roupa e pela expressão mas podia ter mais francamente não estou segura mas porque perguntas 
- Por nada lembrei-me desse episódio quando apontaste o transeunte que há pouco atravessava a rua na passadeira e de facto percebi certas parecenças como indivíduo que desenhaste
- São memórias…memórias dum passado de estudante de sonhos que não passaram disso mesmo de sonhos
- Querida Seza talvez um dia ao atravessares a rua para ires buscar ao Porsche num semáforo vermelho para peões te cruzes de novo com esse homem estranho que ainda circula pelo teu consciente
- Talvez se ainda estiver vivo
- Ou se ainda estiver por cá mas não esqueças que há passadeiras em todos os países onde passaste ou passarás férias 
Era hora de pagar os cafés e pegar as doenças pelos estetoscópios, tempo de labuta, curar os vivos pois eram eles que pagavam as consultas. 
- Olha lá Seza tens desenhos desse tal homem contigo
- Por acaso guardei dois esboços na secretária mas porque perguntas isso.
- Nada só por mera curiosidade e confirmar a parecença do teu modelo com o homem que vimos ainda há pouco a arriscar a vida passando com o sinal vermelho 
Como médica possuidora duma memória privilegiada e no decurso da conversa que mantivera com Seza o nome do último paciente que atendera no hospital veio à cabeça escapando-se um ferrão Ferro.
- Que disseste Resi
- Que não quero
- Não queres o quê não queres ir de férias
- Isso mesmo adivinhaste-me o pensamento mas vou não arrisco o meu Dany ir sozinho e ao atravessar em bermudas uma passadeira junto a um hotel de 5 estrelas numa praia das Bermudas uma teenager desmiolada lhe dê um toque no ombro e não resistir.
De imediato abraçou a amiga ao mesmo tempo que riam do que dissera, porém eram horas mais que certas para pegar ao serviço; os doentes podiam esperar mas não na SEZARESI-SAÚDE que custara um balúrdio aos papás e desandaram em direcção à clínica sem que Sezaltina reparasse no sorriso matreiro da colega sócia e amiga.



Fim
Contos do Inácio
Terminado a 21 de Abril de 2017


Será que foi isto que aconteceu a Fernando Ferrão Ferro



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