sexta-feira, maio 26, 2017

...PRÓ PARAÍSO

Neste mês que termina, Maio, em que o Papa veio a Fátima perdoar as canalhices praticadas no mundo lusitano ofereço a sua eminência este pequeno conto sem correcções dado faltar pachorra para andar nos dicionários e correctores  da Google.
Todavia gostaria, se acaso o ler, que entenda tratar-se apenas de loucuras de um homem que há 5 décadas deixou de acreditar em milagres. 


SEM PASSAGEM PRÓ PARAÍSO


O vento soprava forte mudando por vezes a direcção impedido Luciliana Iria definir a proveniência apesar de estar inclinada a julgá-lo proveniente do leste por senti-lo frio e também pela intensidade mais acentuada quando o sabia vindo desse quadrante apesar que desconhecia o que significava o leste ou quadrante, mas para ela, ainda criança, era indiferente desde que a refrescasse e não atirasse poeira para os olhos sujando também a roupa dado que já tomara banho e a que custo, não estando com apetite ir para a escola mostrando um aspecto sujo mesmo que as colegas soubessem que morava numa quinta; às vezes na brincadeira dizia às amiguinhas – sou rica tenho uma 5ª situada entre a 4ª e a 6ª feira – uma afirmação sobejamente conhecida – trabalho ao Domingo para ajudar os meus pais e descanso os outros 5 dias – mas que a brincar ia gozando com as mais afortunadas algumas que por fortuna do destino ou golpada familiar levavam uma existência de princesas. Ainda na casa dos 11 anos, olhava para os rapazes com espírito de curiosidade já que para todos os efeitos ainda não despertara para lides de prazer como algumas das outras que possuíam telefones modernos com imagens e acesso à Internet, páginas pessoais acesso directo às variadas redes sociais e ao Domingo desfilavam pelas centro comerciais ou outros espaços de diversão alguns até mediatizados não pelo interesse lúdico mas porque existiam nobres causas que a C.S entendia vantajosas para o negócio dos ratings de audiência, sobretudo para certo cosmopolitismo.

O caminho de casa para à escola pública, única que aceitava gente de parcas posses, era de terra até à entrada da rua principal, onde se podia ver estupidamente colocada uma Igreja que se tornava a cada fim-de-semana o abrigo dos sem abrigos, hospital espiritual de tratamento para mentes e corpos de pecados pecaminosos, e ao mesmo tempo uma espécie de pensão barata destinado a coitos ilegais em que os maridos se deleitavam em prazeres carnais com peregrinas do sexo a baixo preço, muito devotas aos desígnios celestiais, percebendo-se que certas aparições só aconteciam depois do dia 25 de cada mês período em que se podia apreciar os fatos engomados comprados em saldo e as carteiras estavam ainda recheadas de euros – ajudai as prostitutas que delas será o reinos dos céus – e assim os machões contribuíam para que elas ou eles comprassem as passagens para o Paraíso.

Naquele alvorecer o relógio colocado da torre da igreja ainda não avisara as 7:30, que dava tempo a Luciliana para apanhar flores e jogá-las ao ar, apreciar os pássaros que voavam descuidados pelo denso arvoredo, e mais importante, sonhar. Pela mente adejavam filmes que nunca vira mas ouvira contar às “amigas” mais chegadas e sem evitar permitia-se abusivamente investir-se da pele das personagens, às vezes Capuchinho Verde, Branca das Papoilas, ou Pipi das Meias de Lã que o Inverno era frio e a lareira não aquecia o espaço da casa como faziam certos electrodomésticos que via expostos na montra da única loja da especialidade da vila, que entretanto já fora proposta e agendada a ascensão a cidade, e sorria quando era atacada por visões interiores que a colocavam na pele duma menina a caminho do altar onde a esperaria o Rei das Harmónicas, um menino que diariamente tomava o mesmo rumo, a partir pressupostamente do adro da igreja, até à escola filho da funcionária do Centro de Saúde que, sem que o marido soubesse, andava de namoro como presidente da junta da freguesia vizinha, tanto mais que a esposa do amante da dita funcionária era amiga do peito, ambas desconhecendo que se encornavam, fazendo jus ao ditado da melhor cama sai o cornudo, sendo que tudo isto escapava à imaginação de Luci, e também de Ferdinando Bocas que ia a cada manhã olhando de soslaio para os caniços da colega enquanto se imaginava a jogar o pião no pátio do Castelo da Decência, algo concebido pelo próprio e onde um dia instalaria o seu reino isentando pagarem ingresso todos aqueles que declaradamente fossem puros, algo que o deixava feliz só de pensar que enriqueceria no intervalo dum pestanejar.

Envolta neste pensar mirabolante, Luciana vê-se subitamente surpreendida por um mini relâmpago acompanhado pela entoação lancinante dum trovão na clave do Fá, e mais surpresa se vê porque o raio do dia estava limpo o céu lindo e azulado, as libélulas bailavam ao som dos acordes do vento e as gaivotas andavam pelo oceano, mas antes que o diabo as tecesse e não fossem apenas as malhas do império da bicharada, vai de se abrigar sob um solitário carvalho que escapara à destruição da floresta mediterrânica, servindo ainda para segurar um marco de sinalização indicador do sentido para o largo principal, e também para que os mais miúdos não se enganassem nas vielas do regresso indo atracar ao Bar Zétengana, e o pároco, vendo uma delas sozinha pregasse um sermão pondo-a de castigo a limpar o altar bem como outros apetrechos que a pequenada desconhecia utilidade e sequer seria do conhecimento do Presidente do Estado do Vaticano, espécie de reino da profanaria dado de abraços com o de um outro país que alardeava aos 7 ventos viver em democracia mas só beneficiando quem andasse metido em debates que versavam a legalidade de manter o país nas mãos dos familiares e amigos mais chegados e aos poucos iam vendendo as próprias calçadas de acesso à Santa Casa da Misericórdia, vendo através das árvores de médio porte uma imagem semelhante à que desatentamente olhava de soslaio colocada sobre o altar da igreja quando ocasionalmente por lá sirigaitava, parecendo que lhe fazia com os braços um sinal da cruz ao mesmo tempo que do peito, juraria, saíam raios iguais aos do sol num domingo de primavera, e atrás um desenho alegórico do paraíso forçando-a a ajoelhar-se perante tão deslumbrante painel místico, ao mesmo tempo quase cinéfilo. Enlevada ante tal visão queda-se atónita esperando ouvir uma reprimenda sobre o que não fizera dado que no mundo dos adultos as crianças eram sempre culpadas e ela não tinha idade para passar para o lado dos acusadores, por isso e na ingenuidade de menina impura dirige a palavra à imagem

- Não me castigue que não fiz nada eu juro 

Após 15 segundos de silêncio uma voz virtual dirige-se a Luci afim de a inquirir sobre a fé.

- E tu filha de Deus responde-me o que entendes por Pecado 
- Não sei pois nunca pequei
- Nem quando tiras uma fatia de queijo sem a mãe saber
- Não sabia que isso era pecado
- Sabes o que é a Arca de Noé
- Ouvi dizer que era uma casa muito grande onde um senhor meteu todos os animais para não morrerem no dilúvio
- E tu acreditas nessa história
- Acreditar não acredito mas se o padre fala nessas coisas deve ser verdade
- Acreditas no milagre de Fátima
- Acreditar não acredito mas se a Senhora fala comigo pode ser que seja verdade
- Não achas estranho que nunca tenha aparecido noutras partes do mundo
- Não o padre também aparece muitas vezes em casas diferentes
- Diferentes como
-Umas vezes na casa da falecida Gertrudes outra na da Camila, da Jequina, Patriciana e até já bateu à minha porta
- E não abriste
- Estava sozinha e não tinha a chave da porta

Antes que a imagem virtual voltasse a inquirir Luci novo relâmpago faz-se-lhe anunciar, desta vez sem trovão. Umas pequenas pingas de chuva começaram a cair levando a menina a desatar a correr para se abrigar sob o toldo duma vendedora ambulante inteiramente desconhecida e que jamais fora vista por aquelas bandas e que ao reparar no aspecto desgrenhado a raiar o mirabolante pergunta-lhe se vira algum lobo.
- Não senhora mas vi uma Santa
- Viste o quê
- Uma santa e até falou comigo
- Olha lá deves andar a ler coisas esquisitas
- Juro estava em pé sobre uma nuvem azulada
A mulher olha para o céu e sorri. Para lá do horizonte não se via algo que pudesse indicar alteração de clima, chuva, porque para esta era necessário que houvesse nuvens e virando-se de frente para a recém chegada dirige-se-lhe com um ar de professora primária.
- Já fizeste a 1ª comunhão
- Não senhora
- E o que queres ser quando fores grande
- Freira

Era hora de ir para a escola, enfrentar os colegas, mas algo lhe dizia ser melhor não falar na aparição, já a caminho, voltando a cabeça para trás dá conta que a vendedora o carro e o toldo tinham desaparecido, e sacudiu a cabeça na tentativa de acordar de um qualquer pesadelo. Seria muito difícil calar-se sobre o que se passara restando-lhe o tempo de caminhada para decidir sobre contar ou calar-se para sempre, mas à medida que se aproximava do portão percebia que algo estranho estava para acontecer, e tremeu, fechou momentaneamente os olhos, parecendo-lhe escutar, longínquo, uma voz conhecida quase impelindo-a para partilhar o sucedido, e no seu mutismo viu o tempo passar, crescida fazer-se mulher adulta, casou, teve filhos, vieram os netos até que um dia, deitada na cama duma velha casa de aldeia e já rodeada da família, sorrindo, confessou que um dia o falecido padre se aproveitara dela e que lhe dissera se alguma vez contasse a alguém ia para o inferno.  Dirigindo-se à neta mais nova pediu que ateasse a fogueira.


Inácio

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