quarta-feira, abril 05, 2017

NUNCA ME MORDEU

Num dos dias que cheguei a casa...




A 4 de Abril de 1992, falecia o senhor capitão Salgueiro Maia um herói que pegou nos tanques pagos com o dinheiro dos colonos, gasolina oriunda de cabinda, bem alimentado na messe de oficiais, vencimento três vezes mais elevado que o dum qualquer técnico superior de saúde na época, camuflado  sem manchas da mata ultramarina, e, rumou heroicamente em direcção a Lisboa para derrubar o Marcelo Caetano, homem que as únicas armas que dispunha era caneta e a inteligência, numa Revolução Abrilista sem comparação na ancestral história lusitana.

Pois hoje se a memória não me engana vão 42 anos que separam o momento actual e a primeira vez que carreguei um Boeing 747 na pista do aeroporto de Luanda, fotografando ao vivo a cores com som e lágrimas os portugueses fascistas que retornavam à terra que os vira nascer, na sua maioria antigos militares que depois de cumprido o dever para com a pátria procuravam noutras terras do Império condição para viverem com dignidade dado que a metrópole era muito boa para passar férias no verão ou para os gajos que metiam o "Chico" andarem a pavonearem-se pelas ruas da baixa Pombalina mandando piropos às universitárias que com sacrifício dos pais, lá iam tendo money para estudar e para abanarem a bunda nas disco da capital, já que pelas "Caves" em Coimbra os estudantes eram todos Chés em que alguns também usavam  barbas revolucionárias, outros tinham carapinha preta sem missangas já que esses artefactos era para o pé descalço dos bairros indígenas.

Sim, 42 anos me separa desse primeiro voo da maravilhosa Ponte Aérea duma Descolonização Exemplar, onde até muitos naturais escarumbas  deram à sola para não serem fuzilados por crime de cumprimento de ordens de quem lhes proporcionava meios para darem sustento aos próprios filhos. Tempo suficiente para varrer toda a mágoa, esquecer a vilipendiada miséria vestida de fraldas, os lençóis esticados no chão da sala de embarque lavados em mijo, as canções chorosas entoadas pelas crianças tão apavoradas quanto os seus próprios progenitores, e o riso dos madiés guerrilheiros de calções que recebias as G3 benemeritamente abandonadas nos depósitos de armamento nos ignóbeis quartéis do exército opressor.

Mas a verdade, é que certas verdades não se conseguem transformar em mentiras, e mesmo estas são perpetuadas pela força do interesse financeiro, pecado original, quase tanto como Incesto da Criação; Caim matara Abel talvez por ciúmes, talvez porque queria a mãe só para ele, ou talvez porque, tal como o 25 de Abril, havia pecados que não poderiam acontecer. Resulta desde esse princípio do principio do mundo tal como nos impingiram, que a memória é traiçoeira e, quando julgamos apagada dela cenas horrendas, uma miserável notícia faz com que se avive e em ez de se apagar volte ao consciente, dando razão à "psicologia" e à filosofia. O Homem é um ser eminentemente social, e a sociedade a razão das guerras e dos crimes, não olhando à incapacidade de defesa dos idosos nem à inocência das crianças, razão pela qual súbito veio-me à memória o trajecto que fazia desde o aeroporto e o largo Diogo Cão junto ao porto de Luanda, o prédio da Cuca, a Apolo XI e o velho Liceu símbolo duma época gloriosa onde até o presidente da república popular de Angola estudou antes de vir, pobre, tirar o curso numa qualquer faculdade do país que ele combatia acerrimamente. 

Mas nestas recordações não podia deixar de parte a imagem do Pitadas, um cão rafeiro, porte pequeno, pelo preto com um losango branco no peito e 3 pés da mesma cor (está na moda chamar menino aos perros), e a suas diabruras com as cadelas vadias, tão vadias como outras que circulavam pelo bairro das putas ou nas avenidas concorridas das cidades coloniais usando colares de rasca lata e mini-saias para mostrar convenientemente o presunto. E desse cão guardo no álbum da recordação fantásticas incursões por quintais  perseguindo gatos, na caça aos pardais, ou simplesmente um relaxar de músculos para vencer a pasmaceira dos dias de férias passadas no  cacimbo, que os desgraçados dos pobres no "puto" a única riqueza que tinham era férias grandes, 3 meses, passadas em pleno verão europeu. Claro que os nativos africanos nessa altura aproveitavam para dar uma escapadela para os países nórdicos que as loirinhas, segundo constava, gostavam de levar com o troço colorido grosso e teso.

De entre tantos disparates que escrevi, existe algo que para além de ser verdade é digno de um homem nunca se esquecer;_ nunca o Pitadas me mordeu...


NUNCA ME MORDEU


Descendo Av. Camões ao Largo dos Lusíadas
apontando para mim a velha Maria da Fonte,
ao repousar o olhar, mostras de testa franzida
à varanda, apartamento no Prédio da Cuca,
contava as ondas miudinhas da baía de Luanda;
_ de noite deixada para trás a Brito Godins
preterindo 'casa rumava decidido pelo Eixo Viário
estacionando a viatura no Largo Diogo Cão.

Esquecia Homero Platão - q' é isso de Tríadas,
Madame Curie, um Confúcio que andou a monte,
e sem toques de buzina na noite perdida
interrogava-me se um Macaco Velho se educa
estaria 'batuque na origem do fado e do samba
pelas lezírias alentejanas corriam saguins 
se os frangos com camuflado eram de aviário...
...e o porquê de nunca me ter mordido o meu cão?



Cito Loio
5/4/2017
Iniciado precisamente no dia que se comemorava 25 anos da morte de Salgueiro Maia, e terminado no dia em que talvez o Pitadas tenha ladrado de alegria ao ver-me chegar são e salvo a casa.


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