sábado, abril 10, 2010

Pedaços da minh’alma

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Deixe-se embalar...arrepie-se; ela é a sua Alma, a sua Consciência e o seu Grito de Amor,..ou simplesmente a voz daquilo que não nos consegue contar.

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São cravos senhor


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Isabel, de 17 anos, casou-se a 11 de Fevereiro de 1288, então, por procuração, com Dinis, que tinha somente 19 anos, em Barcelona, tendo celebrado a boda ao passar a fronteira da Beira, em Trancoso, 26 de Junho.

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Já casada e depois de servir na cama o amado marido, a rainha, vestida pelas aias de serviço, saiu do Castelo do Sabugal, numa manhã de Inverno para distribuir pães aos mais desfavorecidos. Era uma mulher educada e que tinha como missão fazer o bem e proteger quem necessitava, e ela perdia-se pelos pobres mais pequeninos; tinha dentro de si a fertilidade, embora ainda não estivesse embaraçada.

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Isabel sabia que o marido andava desconfiado das suas actividades caridosas e, para evitar mal-estar entre este e os reis aragoneses Afonso III e Jaime II, para além de outro monarca reinante, Frederico II da Sicília, seus irmãos, também eles filhos de Pedro III e Constança de Sicília, rezava todos os dias para que o esposo fosse para a caça evitando que viesse a surpreendê-la.

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Os ministros do reino, normalmente pessoas sem qualquer formação na área da beneficência social, e sem a capacidade de sugerirem estas ciências à Universidade de Coimbra, infernizavam os ouvidos do jovem Dinis, onde o mais acérrimo era o “primeiro-ministro”, conhecido no seio do povo por “Ministro-pró-rei”, sustentando a sua azoada conversa com o facto de Isabel, não obstante ser a “su muy amada reina”, andava a gastar o Erário Público com indigentes que eram a vergonha do reino

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- El-rei tem de parar este constante esvaziar os cofres da corte; não “vedes que os fidalgos reclamam” que os impostos cobrados ao povo não devem servir para alimentar a “gentalha”.

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D Dinis era jovem, e um talento da cultura, deixando adivinhar futuras obras poéticas e musicais, aliando também um grande amor pela caridade que sabia ser uma das razões de vida de Isabel, mas, como marido da esposa não queria que ela soubesse deste seu sentimento.

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Jesus, um menino da vila de Sabugal chegara a correr dizendo aos amigos que a “Santa” vinha a caminho, e estes juntaram-se no pelourinho à espera da benfeitora.

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Chegada ao local, sentou-se num banco de pedra deixando que os mendigos a rodeassem; sorria, ensinava-lhes algumas normas e regras para se tornarem homens e mulheres honestas, preparando-se para, no final da “palestra” distribuir o pão – sabia que a fé enchia o espírito, mas não tinha dúvidas que eles estavam ali mais para encher as minúsculas barrigas.

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D Dinis, nessa manhã presenciara a saída da esposa, não que a espiasse mas porque se esquecera de uns papeis que pretendia ver, antes de iniciar o dia de governação. Alegremente, seguiu à distância Isabel; queria ver a cara de aflita quando a surpreendesse no seu cargo de benfeitora.

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Jesus, o menino que anunciara a chegada da soberana, ficara de frente para a entrada do lugar, por onde o rei teria de entrar, fez sinal que El Rei já vinha, e rapidamente todos fizeram menção de debandar, mas Isabel mandou-os ficar.

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Chegado D Diniz, que à distância verificara que a rainha nada distribuíra, ainda de cima do seu ginete inquiriu o que levava no regaço ao qual a rainha retorquiu:

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- São cravos, Senhor!

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D. Dinis disfarçou um ar “circunspecto” e questionou.

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-Cravos, no Inverno?

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D. Isabel descobriu o regaço e o rei pode ver que se tratava realmente de flores.

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Com um sorriso de satisfação, ainda que mal disfarçado, o rei fez passar o cavalo pelo meio da meia roda, seguindo a trote o seu caminho.

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Já longe, ainda ria; amava a sua rainha, e queria mandar plantar o pinhal em Leiria, não para defender as terras dos ventos carregados de areia que vinham dos lados do Atlântico, mas para defender o povo das tempestades de miséria que pressentia, que assolariam no futuro o país. E continuava a rir, incrédulo com o que presenciara.

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Olhando de longe o seu tão amado senhor e marido, Isabel começou a levantar-se silenciosamente, olhando sorridente para os pobres que a rodeavam até parar o olhar no Jesus – agarrado a Ciser, um outro menino pobre – e do seu regaço começaram a cair, não os cravos, mas sim as pétalas que se despregavam, e, quais penas flutuantes, perante os olhos de lágrimas dos presentes já pensando que teriam a fome por aconchego, transformavam-se em pão ao tocar o chão.

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D Isabel, começou, depois de se despedir dos mendigos, a caminhada de regresso para o castelo. No seu peito levava o amor, e na alma a tristeza; sabia, do seu mais profundo ser, que como ela, o seu país, teria no futuro muitos espinhos, tantos quantos os cravos têm antes de serem podados – sabia, que muitas mulheres como ela teriam que continuar a fazer milagres, não transformando o pão em cravos escondendo dos homens o seu materno amor, mas, pegando em flores e amassá-las para fazer o pão que os filhos haveriam de comer.

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Nessa noite, Dinis, o homem, deitou-se ao lado de Isabel, deixou tombar docemente a cabeça no peito da mulher amada, e adormeceu feliz, não vendo, como soberano do seu povo, que os seus súbditos, Ciser Jesus e Antino, ainda brincavam descalços na rua.

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