sexta-feira, abril 02, 2010

Pedaços da minh’alma

Mal acostumado


.

Havia eleições no burgo nacional para o parlamento Europeu, e lá fui votar

.

Ia bem disposto, brinquei com as meninas que estavam na mesa de voto.

«Este papel reciclado é grosso! Com metade do custo faziam o dobro dos boletins».

Sorriram, concordaram – eram jovens, pré-emancipadas, “crentes”, de uma crença sadia. “Lá chegaria o tempo da desilusão”, pensei.


Regressei a casa, pensei nela, não liguei nem enviei nenhuma mensagem. - Queria comprar pão… «não sabia o que comeria, mas manteiga não seria certamente».

.

Estávamos na primeira semana de um mês quente, fizera dois meses que nos reencontráramos, depois dela, fazia mais de trinta anos ter pensado que “o seu amigo” morrera.

Ainda estava a conhecer-me, conforme dizia, apesar de o dizer cada vez menos – tinha saudades quando não me via, quando não me falava, e isso enternecia-me. Começava a sentir que ela podia ter encontrado finalmente a sua metade, o seu, quem sabe, amor de verdade.

Eu estrangulara as dúvidas, renascera, tornara-me definitivamente mais eu, e cantarolei ouvindo mais uma vez um clip que gravara no realplayer no dia cinco de Maio de um ano que não me recordo.

.

Que mi sangre se salva lentamente

Me sobran mil sonrisas agradables

Ser simplemente yo, definitivamente

.

Peguei novamente no livro de uma escritora amiga, reli o fim o prefácio e escrevi “en el rincón del alma” uma referência ao enxerto da contra-capa

«Há maior gozo do que ter uma relação secreta…?»

E apontei:

«Maior é o meu gozo, o de voltar a amar à luz da inveja dos homens, fazê-lo de uma forma aberta, sem “ter de limpar “basuras en el cielo”»

«Há maior gozo que conquistar a mulher do outro…?»

Assinalei:

«Muito maior é o meu, o gozo de poder amar uma mulher que muitos quiseram e não souberam amar»

Que maior gozo haveria que poder amar sem receio de ser descoberto, sem medos, sem temores de perder.

.

Finalmente adquirira a certeza que só perdemos o que é nosso, e que um homem fica perdido quando se confronta com a força do presente contida num passado tão longínquo e tão perto.

Sabia que nunca mais a perderia, mas que nunca seria minha – pertencia a si mesma, à sua identidade, às suas “lonjuras e loucuras”. Era o espelho de uma força viva, disposta a marcar o seu espaço, eu seria o seu “índio” que voltearia a sua fortaleza montado num cavalo selvagem, sem sela, sem artefactos.

Estava disposto a correr pela pradaria do seu corpo, receber o pousio da sua ex fertilidade, amar sem amarras, sem limites – entregar-me sem receitas, sem preço e sem regatear prazeres - a fazê-lo simplesmente porque a encontrara.

Encarnara, no momento que me revira no passado rindo no convés do navio «Príncipe Perfeito», de novo o papel de jovem perdido na poeira do esquecimento e perguntei-me vezes sem conta se teria “talento para conservar aquela jóia do Bengo”

.

Lembrei-me de uma história contada por McKinnon em 1981.

{Um cientista, interessado em realizar um estudo sobre o maior general à face da terra, foi avisado que este teria morrido. Foi ao céu e pediu a S. Pedro para mandar vir o tal general à sua presença. Quando a suposta pessoa chegou o investigador disse que não era aquela pessoa que ele andava à procura. Aquele, era um sapateiro da cidade onde vivia e que conhecia há muito tempo. S. Pedro respondeu que, poderia ter sido o maior de todos os generais se tivesse tido a oportunidade e condições para se desenvolver}

.

Poderia ter sido muitas coisas na vida, mas importava-me no momento ser apenas eu – estava feliz, quem sabe se de parcas razões, mas sentira que chegara ao “fim do princípio” do princípio de reconhecer os erros passados.

Não sabia se os voltaria a repetir! Também podia a qualquer momento receber a sua visita, para me dizer apenas, sem penas e com a frontalidade que lhe exigiria.

.

“Meu querido, afinal não te amo…”

.

No dia três de Maio escrevera-lhe num “mail” o que me atormentara durante anos, numa das mais dolorosas confissões; tínhamos combinado ir de férias nessa tarde...

.

Nessa mesma noite Cito passou pela minha vida, esboçou um sorriso e disse-me à laia de cumprimento...

.

- Estavas mal acostumado menino!

.

Sem comentários:

 
Web Analytics