sábado, abril 17, 2010

Depois do adeus...

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O silencio da timidez.

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[O nervosismo dormira deitado ao lado de Cito; iniciava-se o primeiro dia de aulas do 2º período e a oportunidade de voltar a vê-la fervilhava-lhe na mona.

A irritação era tão contagiosa que levou a mãe a enviar um aviso sem dó nem remetente.

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- Ou te acalmas ou só começas o dia de aulas amanhã, e hoje vais de plantão para o escritório do teu pai.

- E marcam-me faltas!

-Justifico com um atestado de “parvoíce matinal”

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Acalmou-se, ou disfarçou como pode. Não perderia a oportunidade de a ver – andava perdidinho de amores por uma menina de 10 anos, loira, naturalmente loira, e, como ele suspirava e dizia que era “linda como anjos”; sabendo lá um puto de onze anos de que cor paladar ou formato eram os anjos!

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Mas ele perdia-se, era o contraponto dela; moreno que nem um tição, expansivo nas brincadeiras, sonhador, e de famílias menos “tias” e coisa que o valha, ou daquelas que têm dois nomes e três apelidos – e na verdade nem a “conhecia”...

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A pressa a apertar, o mata-bicho a deslizar, as sapatilhas a deslizar, e os estudos a deslizar entre negativas, mas lá que ela o perdia, não havia dúvidas; até já nem os jogos de futebol o entusiasmavam]

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Pedro interrompe pressentindo uma seca a caminho...

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- Deixa-te de filosofias que sou de informática, , sabes como é cota, por isso conta lá a história “rapidinho” que tenho espectáculo de rua na Tuna

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Expliquei-lhe que tempos atrás encontrara-me com os amigos para derrotar uma “almoçarada” com baile à mistura, tipo reencontro de jarretas pançudos e pencudos – pessoas que carregavam o passado, não como um fardo, mas como parte das suas vidas, nos últimos quarenta anos.

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Curiosamente o “pré-engenheiro” quis saber o resto da história.

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[- Nesse almoço, num grupinho que se formara à frente da nossa mesa, vi uma loira, que nada me dizia e nada dizia – estava em companhia de outras pessoas, que eu conhecia e perguntei a Maofy quem era.

Respondeu-me tratar-se de “Mg’á”.

Não reconheceria mesmo sabendo dos contos de “príncipes e princesas” que Cito me contava, e em que ela era sempre a princesinha e as outras borralheiras mesmo as que eram gatas.

Cruzámos casualmente o olhar e não senti nada, nenhum sinal dos tempos remotos se me apresentou, e nem a beleza era coisa que já não tivesse visto; não a associara à tal “Mg’á” dos tempos de amores solapados do meu amigo Cito.

Como nunca a chegara a “conhecer” não passava de uma estranha]

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Mais uma interrupção e mais um “adiante pá”; como já não tinha pachorra para o ouvir mais, dei-lhe a entender que ele é que tinha perguntado e por isso “fermé la bouche” até ao fim... e lá continuei.

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[- Estávamos de saída, o ambiente esfriara, a vontade de continuar a sacrificar os olhos era pouca. Maofy e eu iniciámos a subida da escadaria que levava ao primeiro patamar; tentámos daí descortinar o resto dos amigos que estavam connosco, e ao mesmo tempo saborear uma música que entretanto se deixava abraçar. Rodei a cabeça sobre a direita, procurava a Dorné, e, o meu olhar encontrou o da tal “Mg’á”. Não era casual – estava virada para a escadaria, e a sua postura indicava que me observava há alguns segundos e não fez menção de disfarçar. Fiz um imperceptível aceno de cabeça, ela correspondeu de igual modo. Rodei depois para o lado contrário, segredei à minha companheira “vou subindo”, e já de costas para a sala, permiti que aflorasse no rosto um trejeito de satisfação. Não sei como era em criança, mas Cito e eu éramos nos tempos de meninice muito parecidos; tomara-me por ele, 45 anos depois. Ao grupo, nada disse sobre este episódio – também desde esse dia não a tornei a ver...]

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Terminara o relambório, olhei distraidamente para uma loira que passava, e silenciei-me, até Pedro rematar, numa expressão típica dos “men” pós emancipação...

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- Já está? Muito bom, sim senhor! Um beijo, tchau” quetánahora”...

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Saiu deixando-me entregue aos pensamentos e resmungando por causa de uma feiosa que entrara no autocarro na minha vez, enxotando a velhice.

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Evidente que segui viagem sem a molestar, pensando que não devia desculpar o meu amigo Cito por nunca ter cumprimentado “o anjinho”, nem com num aceno, e ter vivido um amor pateta, oferendo-lhe silêncios de despedida em cada fim de aulas, sem saber se ela alguma vez desejou conhecê-lo – não o desculparei, e também nada lhe direi.

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Se vir por aí este gajo não lhe diga nada... não merece...


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