domingo, outubro 02, 2016

Avenidas do aeroporto


Fecharei o mês de Outubro antes de entrar Novembro. Sobre uma história de parto sem dor, dava uma mulher à luz um rapaz de cor mista transportando dentro de si a génese do Poeta crescendo envolto por brumas gigantescas que espelhavam imagens dum futuro de luta sangue e fome, correndo atrás duma liberdade, que vinda não lhe daria a independência total antes  levá-lo-ia por vielas com trilhos perigosos onde a traição se escondia do nascer do dia ao morrer da aurora.

Enfrentando pesadelos descarregou palavras contra inimigos evitando feri-los no corpo mas apenas tentando enegrecer-lhes a alma; viu porém que remorsos eram sentimentos que se tinham perdido no útero materno, e só a morte o libertar de campanhas que sozinho jamais sairia vitorioso.

Aberto o livro da epopeia sonhou um dia abraçar o Poeta, jurando que escreveria uma nova epopeia, não em versos, mas vertendo em choro lágrimas tantas que desaguadas nos oceanos impediriam que a maldade humana secasse rios ou deixasse os mares sem sal.

Incrédulo pelas ruas de uma cidade que se esvaía calcorreando artérias sob tiros de metralha consentida, pasmava-se vendo no mesmo país quatro exércitos e sabendo-se armado com o único canhão que sobrara disparou palavras com pólvora nos versos desconhecendo se no dia seguinte desceria pelas avenidas do aeroporto.

***

DAS  AVENIDAS DO AEROPORTO

*

Retive de memória breves olhares,
apagado aceno à despedida
abanos de cauda distantes ladrares
que me esperava nova vida,
e sem bater de portas, aberto ‘portão
dei costas à casa e ao conforto.
- Por ruas da cidade inumava ‘ilusão
subindo 'avenida do aeroporto.

*

Rolava monta-cargas, paletes na placa;
_ nos aviões asas da desgraça
desfeito ‘sonho, mágoa que não aplaca 
a ira de ver vendida de graça
a terra que amara sem preconceito,
quipucos feitos com ardor
saboreados entre bateduras no peito
e penetrações c’ siglas d’amor.

*

Fechado, passava meia-noite, último voo.
- Atrás, c’ lágrimas de sangue
tombava dum coqueiro um último coco,
rolando pelo alcatrão exangue,
enquanto o ensordecer de quatro turbinas 
marcava ritmada paciência
deixando para trás em tão duras sinas,
parte duma breve existência.


Cito Loio

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