domingo, outubro 30, 2016

LUZIDIA


LUZIDIA 
 A 
PATROA  
Poema em formato de conto 

Sentada num dos cadeirões  da sala de espera apreciava com ar de dama séria outras por certo com igual problema; _chamava-se (vim a saber mais tarde) Luzidia Fera, e viera, tal como eu, até a clínica Jovem Santa Filomena por há muito ter visto perder-se o sorriso natural pelas ruas da fama em bailes com baila-ricos de Carnaval. Inegável que fora num outro tempo, aquele que  denominou colonial, uma menina de passa-reles, das rádios e discos, terminando requisitada artista em filmes donde a ostentação do sorriso afável valia um contracto com descontos para o estado, e a todo o custo para evitar perniciosos riscos só se deitava com quem desse segurança, indisposta a que azaradamente viesse a crescer-lha pança.

Num belo dia viu-se Luzidia perdida de amores por um sujeito muito viajado, com passaporte, por terras do sol-poente, e dada a calores apostou na roleta da cama a própria sorte saindo-lhe por taluda uma doença dita muito grave que para actriz de filmes pornográficos  era um completo entrave. Mas a medicina atarefada e de progressos avassaladores deu-lhe mais anos de vida do que supunha e alargado o ramo, ajudada por novos professores, sem abertura de pernas ou a sujeira de dar o seu em troca da cunha fez-se aos estudos na Velha Universidade e montou um bordel para meninas de tenra idade. Exigia-lhe tal oficio uma dentadura brilhante, olhos resplandecentes, aprumo no trajar, trato fino, sapatos que dessem um andar elegante, ficando para as outras fazer o pino pela  senhora recebendo no traseiro palmadas dos clientes, que da Patroa apenas veriam os dentes.

Foram-se os dias, os meses, anos sem fim, mudado os tempos mudadas as fidalguias e enterrava Luzidia seu mais que donzelo amante Fornicato Serafim, e já portadora de irritante idade para outras folias sem que se conhecessem herdeiros a quem doar em testamento, vendeu a riqueza alcançada com arte sofrimento e talento. De reforma valia-lhe-ia a Segurança Social contribuindo com uma pensão de sobrevivência levando-a a tomar por decisão vir a ser enterrada em Alcácer do Sal afim de alcançar a paz e dar repouso ao que restava da altura da imaculada inocência.

Mudaram governos ao longo de diversas legislaturas, vieram outros políticos, uns honestos outros nem tanto, trocaram-se artigos, decretos e leis, alteraram pontos fortes da constituição, trazendo para muitos muitas benesses, para outros dificuldades incontáveis, mas não mudou a sorte para Luzidia pois de confiável só restou a morte


Inácio 

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