Quero morrer escrevendo
VALOR
DA
SOLIDÃO
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Sumido
ouviam-se notas dum fado, o trinar da guitarra desafiando acordes dum dedilhar
de viola sem fazerem esforço para abafar a voz esganiçada duma grande fadista
desconhecida com palavras dum poema sobejamente conhecido passado constantemente
nas emissoras de rádio nacionais e também nas privadas intitulado “Que Deus me
perdoe”, e bem que ela podia pedir perdão à divindade pelo assassinato vocal
embelezado por grunhidos e desafinações.
Contínuo à casa
donde surgiam os acordes agoniantes, um sexagenário sentado na sala da sua
minúscula casa teclava no computador palavras que deviam servir para construir
um tratado sobre algo que dificilmente seria matéria fácil para quem não
tivesse experiência, e que traduzia só por si um desafio que o próprio auto
impusera registando um nome para o documento de «Valor da Solidão», inequívoca
confirmação do quanto representava a proposta em termos genéricos tal estado.
(Portugal Outubro
2014
Quanto vale a Solidão?.
Antes de se iniciar
a leitura do que refere o mote e sobre uma visão sociológica se observado no
universo das pessoas que rodeiam um indivíduo propõe-se a introspecção afim de
determinar o seu enquadramento no segmento dos seres solitários, independente
de estar ou não rodeado por familiares amigos, membros de claques clubistas ou
espectadores, no cinema ou quiçá numa bicha à porta do fundo de desemprego de
uma qualquer dependência da Segurança Social. Cruelmente a solidão é ainda a audição
dum choro de bebé num cabaret para adultos durante uma sessão de streep tease, ouvir as
ondas a rebentarem na orla marítima enquanto se viaja de avião a 12 mil pés de
altitude o sussurrar do vento num mergulho com escafandro, ou até assobiar a
marcha fúnebre num desfile carnavalesco no sambódromo do Rio em 3ª feira de
Carnaval. Comummente estes estados/estágios de alteração psíquica são quase
sempre conotados com demência ou febre 'psicótica'; se assim não fosse eu próprio
estaria internado num qualquer hospital psiquiátrico em vez de escrever
romances contos ou artigos sobre patetices politicas. Evidente que a vivência
da solidão por dentro destroça corrói debilita, mas por vezes permite
encontrar-se nela uma força adicional e armas por inventar e combater patamares
superiores de ansiedade, tendências suicidas ou em última instância a propensão
para cometimento de actos que a lei considera crime.
Mas afinal quanto
vale a Solidão?...)
Súbito o homem e escritor
suspende a tarefa a que se propusera ao dar conta do Silêncio Total que imperou
na sala. A TV não funcionava, a telefonia estava sem pilhas, a cantoria na
vizinhança terminara, o computador queimara os cristais do ecrã, a luz da sala
fundira, o candeeiro da rua vandalizado, a cadela da vizinha não ladrava e a
dona também não, os carros não circulavam face ao jogo do Porto x Shakhta e o do Sporting x Chesea , transmitidos pelas Tvs, os
filhos ausentes, as ex-mulheres parte duma história vivida, as namoradas tinham
optado por outros namorados, e ele enfrentava uma vez mais a Solidão Absoluta. Com
esforço levantou-se, meteu a mão ao bolso, contou os últimos 55 cêntimos que
restavam e sorriu.
A pouco mais de 250
metros havia um bar que servia café de mesa a esse preço e ainda oferecia dois plasmas
para a velharia apreciar os seus clubes jogarem nas mais diversas competições. Escolheu
uma moeda de 0,20€e decidiu pontapear a sorte e deixar as faces da moeda
decidirem sobre cara ou coroa atirando a moeda ao ar; se saísse cara ia ver futebol
em Solidão Assistida, mas saindo coroa abraçava a Solidão Sepulcral.
Quando esta caiu no
chão definiu para o valor da Solidão Assistida 0,55€ preço que pagaria pelo
café. Saiu de casa batendo a porta sentindo nos ouvidos um zum zum atordoante
que o impediu, ao atravessar a rua, escutar o rodar dum carro a alta velocidade
e faróis apagados que o colheu. O condutor tinha definido 0,20 € o preço da
Solidão. Dois dias depois, dia um e primeira 4ª feira do mês de Outubro procedia-se
em lugares diferentes aos funerais de dois homens que podiam num estudo
científico constituir-se como exemplos vivos para definir o que era a Solidão.
Reli este documento
duas vezes e exclamei: «Bom, ainda tenho 0,80 € para tomar uma taça de vinho
maduro tinto»
A solidão por vezes
veste o hábito, eu por hábito já me acostumei à cor dum pijama chamado solidão.
Inácio
(Adolfo Castelbranco Oliveira)
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