terça-feira, setembro 23, 2014

Homenagem a Amália



AMÁLIA, há muitas!

O início da primavera de 1976 não diferia doutras já passadas, só que no ano transacto Nácio não estava em Lisboa nem em Portugal, mas isso eram águas idas. Verdadeiramente queria pôr uma coberta nos anos anteriores e andar para a frente, precisava de resolver a sua vida, encontrar emprego pois o dinheiro que dispunha estava a acabar e não podia recorrer ao pai ainda em terras do velho ultramar, num país que se fizera de novo se bem com muita coisa velha.
Na semana anterior, ficara com o Mercedes 200 D a diesel pertença do pai da namorada e por preguiça saíra do hotel onde estava instalado levando-o, antes de ir ter com a namorada e parara-o em cima do cruzamento a pouco mais de 500 metros do local de partida para tomar café e mesmo tendo deixado a chave na ignição não se livrou de repentinamente e olhando pela montra da pastelaria ver uma carrinha a bloquear as rodas e começarem os preparativos para o reboque. Não lhe serviu de nada pagar o café e sair a correr para informar que estacionara há 3 minutos, e lá teve de ir levantar o carro ao local que lhe indicaram e desembolsar o que lhe fazia falta para outras coisas.
Estando ainda fresco na cabeça o episódio e mais leve a carteira, naquele dia e por razões similares deixou o carro no parque do hotel, pois combinara com a namorada que só estava despachada por volta das 17h encontrarem-se no hall do hotel o que lhe dava tempo para café e regressar ao hotel fazendo o percurso a pé, poupando no combustível e na chatice. Não gostava do café do bar do hotel e por isso optara por tomá-lo sempre fora e estranhamente naquele início de tarde, talvez por birra talvez porque ainda andava encabulado com o que lhe acontecera na semana anterior, decidiu não ir à pastelaria do costume (Pastelaria da Esquina). Antes de chegar à esquina onde se situava a referida loja, do passeio do lado contrário existia um café muito pequenino onde nunca entrar mesmo passando em frente da porta todas as vezes que ia ao outro. Já decidira a mudança quando saíra do hotel sem definir o local e por conseguinte aquele espaço até podia servir desde que servissem café e pressupostamente os cafés servem para servir café, mas adiante, dado interessar isso sim a escolha que o personagem fizera, e este decidira tomar café no tal café de reduzida dimensão.
Parou à entrada da porta do (Bar Pequeno) ficando com a impressão de estar cheio, o que não seria difícil dado só ter 4 mesas, 2 para 3 pessoas e 2 com apenas duas cadeiras, e tudo porque o espaço dentro era de tal modo diminuto que obrigou o proprietário a prescindir de 6 cadeiras. Hesitou breves segundos acabando por entrar, e já na sala confirmou o que suspeitava; estava a abarrotar ou seja, 9 pessoas sem contar com a empregada que possuía ar de dona, e que o era de facto.
No canto do lado esquerdo duas mesas de 2 lugares cada e completas, ficando um pequeno espaço entre estas e o balcão o que permitia no máximo 2 pessoas tomarem algo ao balcão e mesmo assim incomodando um pouco quem estava sentado. Do lado direito a primeira mesa estava cheia e a mais afastada em relação a si deixava ver duas senhoras e uma cadeira vazia.
Estático percorreu o espaço com o olhar dando a entender a quem lá estava que vinha disposto a ser atendido mas que não lhe agradava ficar de pé, se bem que só tomaria café e o porquê prendia-se não só com o tempo livre que dispunha mas também aproveitar para alinhavar alguns escritos e fazer contas à vida, colocar no papel possibilidades de emprego ou na pior das hipóteses retornar a Luanda apesar que não tinha autorização do pai e do seu antigo chefe para o fazer, dado que o perigo para ele ainda estava latente e dificilmente passaria, e sabia bem o porquê.
Encolhendo quase imperceptivelmente os ombros fez tensões de se retira, e já meio de costas a dona do bar chamou-o indicando que olhasse para a mesa onde estava as duas mulheres e a cadeira vaga, e ao fazê-lo percebeu que a pessoa que estava de frente para a entrada lhe fazia sinal indicando-lhe a cadeira vazia. Ambas eram mulheres entradas em comparação com ele, uma mais loura que a outra a outra mais nova que a primeira, ambas rodando a casa dos 55 anos para cima dando-se a ares de manas mas não podia assegurar tal.
Ainda de pé e já junto à mesa reparou melhor na mulher que lhe fizera sinal e percebeu estar muito bem vestida, se bem que singelamente, sem artefactos que denotassem ostentação de riqueza, dona de cabelos ondulados onde o loiro disfarçava alguma brancas, um olhar que mostrava alguma amargura, busto forte, e mãos expressivamente normais. A outra aparentava o mesmo ar apesar que o loiro era menos loiro, dir-se-ia mais castanho, um pouco mais liso falando do cabelo. A voz da primeira fazia lembra os poemas de Camões, soprano meio adocicado levando o jovem a pensar que aquele timbre era perfeito para cantar fado. Já a companheira era o que se podia considerar uma voz banal.
Nácio cumprimentou as mulheres primeiramente com um ligeiro aceno de cabeça e depois com o trivial boa tarde sem se sentar por não saber se o tinham chamado para que partilhasse a mesa com elas ou para lhe fazerem uma daquelas já cansativas perguntas que se prendiam com a tez morena com o seu aspecto de português de 5ª categoria, já que não tinha ar de cigano, e só a ignorância o poderia confundir.
- Sente-se por favor
Aceitou o convite. Não viria mal ao mundo conversar com duas estranhas, nada perderia nem ganharia a lotaria, até seria interessante falar com desconhecidas num café algures numa cidade que ainda há 2 anos atrás era capital dum Império e que se enchera de retornados por obra e graça de políticos nacionais e internacionais. A mais loira tinha ar de quem era chefe da banda, pelo menos pelo à vontade com que tomara a decisão do convite, não se fazendo rogada e perguntando o nome ao mesmo tempo que diz o seu sem que este se percebesse com nitidez e o da companheira dito quase em surdina
- Chamo-me Nácio
- Não és português ou vieste de fora?
- Sou cheguei há pouco sou retornado como vocês dizem
- Dava para perceber queres tomar alguma coisa…
- Vim só tomar café e é a primeira vez que entro aqui por norma vou ali mais à frente
A mesma mulher perguntou-lhe o que o fizera mudar de poiso e lá contou a história do carro provocando-lhes um sorriso, dando origem a que a outra comentasse que o sucedido fora inadmissível.
O tempo corria, a conversa podia considerar-se aceitável tendo em conta a diferença de mais de ¼ de século entre eles, mas o que era de mais cansava e também não sentia ter muito para partilhar com duas perfeitas desconhecidas ainda por cima temas que em nada lhe diziam respeito, e deu entender que teria de se ausentar recebendo anuência para tal.
Despediu-se da mesma forma como as cumprimentara À chegada e dirigiu-se ao balcão para pagar a despesa, que era de 3 cafés, pois elas nada mais tinham consumido, sendo informado que estava tudo pago. Virou-se para a mesa e ofereceu um sorriso aberto, sem saber o que pensariam dele. Provavelmente nunca mais as encontraria, possivelmente não voltaria àquele café ou elas mudariam de sítio, que para o caso pouco importava.
Ao chegar ao hotel o relógio da recepção marcava 16:20. Sentou-se na sala de estar, e reviu mentalmente o que ocorrera, pensando que no fundo tinham sido simpáticas, não lhe tinham feito perguntas despropositadas, e também não o chatearam com dramas do tipo o homem deixara-as, era um desavergonhado, e outras coisas de menor importância.
Três semanas depois começaria a trabalhar para as bandas do Barreiro, num estaleiro em Alhos Vedros deixando de ter possibilidade de tomar café nas proximidades do hotel até porque tinha de apanhar o metro das 6 da manhã depois o barco só regressando por volta das 21 horas certamente extenuado.
O tempo passou, e um belo dia, sem saber bem porquê, estando em Queluz, talvez porque o bar era muito pequeno recordou-se das duas mulheres com quem tinha tomado café a convite duma delas para se sentar na mesa e ia caindo da cadeira baixo, quando um nome estranho lhe bateu na cabeça; a mulher quando se apresentara dissera um nome que na altura lhe parecera indecifrável até porque não era nome muito comum na sua terra de origem e Amálias por Portugal havia muitas, mas só uma tinha a voz de quem o fazia lembrar Camões.

FIM
Inácio
(memorias)
(21/9/2014)


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