sexta-feira, agosto 30, 2013

Anastásio...

Anastásio 



Fizera em Março nove anos que Anastásio mudara de uma vivenda no centro da capital do norte para um prédio de condomínio semi-fechado nos subúrbios da dita, para uma espécie de condomínio semi-fechado cujo prédio era revestido a tijolo de burro quase vidrado, circundado por uma área ajardinada à frente e nas traseiras, prédio que tinha um bom hall de entrada e 2 elevadores. Antes da porta principal havia uma rampa para os carros acederem às garagens, por onde passavam também os moradores no prédio ao lado, e alguns animais que coabitavam no espaço. Entrara pela 1ª vez no prédio e naquela urbe em 2004. No ano seguinte – 2005 – Junho ou Julho, transladou-se para o mesmo prédio uma família de 3 pessoas, casal e uma filha já crescidota com ares de enteada de um deles, pouco comunicativos, que traziam com eles um cão cor castanho-mel rafeiro arraçado de pastor alemão, produtos do de aventuras que metem uma cadela pura com cachorros que proliferam pelas ruas, que podendo filam uma lady de coleira de brilhantes. 

O animal Perrito de nome era portador de apreciável envergadura, bons quadris, pescoço forte, e para cão parecia detentor de carácter e personalidade vincada. Nunca a vizinhança o ouvira ladrar e Anastásio sempre que se cruzasse com o animal olhava-o fixamente por breves momentos à laia de cumprimento – «tás bom pá?...tou sim pá!» – contacto que se reduzia a isso. Aos 52 anos utilizava frequentemente as escadas e numa dessas utilizações via muitas vezes Perrito no seu passeio higiénico, e nunca achara nada de estranho no comportamento do cão até que um dia entrando no prédio viu (para seu espanto) que o cão andava de costas, para trás, desde o início do hall até à porta de entrada do prédio. A cena veio a repetir-se bastas vezes até que um dia perguntou ao dono do animal se o tinham adestrado para tal, obtendo lacónica resposta que o animal andava  assim porque tinha medo de escorregar. Anastásio concluiu ser o cão inteligente – outra curiosidade foi nunca ter visto o cão com corrente e trela, transportando o dono a trela. 

Os anos passavam, o hábito mantinha-se sendo até engraçado vê-lo caminhar assim, e paulatinamente a vizinhança deixou de se admirar, mas Anastásio continuava sempre que a oportunidade se apresentasses a observar o cão e se havia alterações de comportamento no animal e até ver nada. Pelas suas contas o bicho teria 2 anos quando se mudara para aquele condomínio, nunca fora muito expansivo claramente por influência dos donos que pareciam personagens dum filme a preto e branco passado em Slow Motion, o que fez com que aquele adoptasse similar comportamento familiar e pouco a ver com chãos escorregadios. 

Em 2007 o casal tivera mais um filho, menino, engrossando a família, contando Perrito nessa altura 4 anos, dando garantias ao casal ser uma companhia para o menino e uma protecção do tipo guardião dada a pachorra e a maturidade que o animal demonstrava para além de um futuro adversário de correrias. Tal não veio a acontecer até porque o menino, crescendo, demonstrava ser tão molengão quanto aos resto da família coisa que desagradava a Perrito. 

A vida corria veloz para Anastásio, desleixando-se na observação que fazia sistematicamente ao cão, facto que os levara a ser quase cúmplices do género, «mais um passeio com este não passa da cepa torta»...«deixa lá um dia o miúdo começa a correr contigo»….«pois sim amigão o que vale é não saberes ladrar nem ganir»…«pensas tu nem imaginas o quanto tenho ganido a vida toda por falta de pilim» 

Chegado 2012 Anastásio estranhou o facto do pequenote não passear com o cão, agora que contava já 5 anos e era uma boa altura para começar a desenvolver certas capacidades e também porque o animal estava com 10 anos e com a experiência canina evitaria desastres que poderiam ser fatais para a criança. A monotonia familiar seguia numa espécie de agastamento entre os membros, mas sem se notar o envelhecimento de Perrito apesar de continuar com o seu ar de não te rales – aquela gente devia pensar que viveriam 200 anos como as tartarugas, por isso havia de ser como elas – mas faltava-lhes a couraça. 

No início de 2013, qual o espanto de Anastásio ao ver que a família “Trapos” tinha mais um cão – uma espécie de lombriga com orelhas caídas barriga a rasar o chão olhos de carneiro mal morto e um físico tudo contrário aos corredores. Esta aquisição talvez fosse uma birra do puto mas ficaria no segredo da família.  

As saídas começaram a ser a 3, o dono, “Lombrigas” e Perrito, sendo que o dono ia à frente com o cão mais novo e segurando-o pela trela coisas que antes não acontecera com o mais velho que ficava para trás naqueles passeios. 

No pátio que antecedia a entrada do prédio Perrito tentava manter hábitos mas estava a ser impedido pelos do novo animal quase demonstrando uma certa preferência por o mais recente. Notou-se um ligeiro emagrecimento por volta de Abril, Maio, na inversa proporção da gordura acumulada por Lombrigas, de olhar cada vez mais avermelhado dando uma imagem de se meter nos copos, e até o anterior percurso fora alterado para um novo que mais parecia a passerelle da moda canina, em vez da tradicional volta ao prédio pela parte de trás em que existia um paradisíaco terreno ajardinado, reino de Perrito desde que ali chegara. Percebia-se que se definhava a cada dia, e já a ossada dos quadris se mostravam, e todo o aspecto do animal era dum cão deprimido.  

Em finais de Julho ao entrar em casa Anastásio reparou que o cão atravessara o hall andando de frente e sorriu, mas o cão olhou-o quase suplicante como se visse o Doggod, deus dos cães. Já em casa repassou a cena e em breves minutos concluiu que o animal não estava lá muito católico, mas o que mais martelava na cabeça era o novo modo de andar no hall « deve ter perdido o medo vendo o mais pequeno a andar de frente» comentou para si. 

No final de Agosto, por volta das 17:45, terça-feira acalorada o condómino chegara a casa mais cedo que o costume. E mais uma vez deparou com o trio no hall – o dono e o Lombriga  à frente preso pela trela, e atrás Perrito, andando normalmente também mas encostado à parede como se esta fosse uma bengala; acentuava-se a magreza e a expressão era de resignação. Olharam-se fixamente durante 10’’ e o homem optou por alterar a ida para casa e voltou para trás apreciando o “passeio dos tristes” e se dúvidas subsistissem dissiparam-se. Dono e Lombrigas passeavam-se pela frente do prédio enquanto que Perrito desesperava hesitando em dar uma fugida ao antigo domínio. 

Anastásio percebeu um certo – tolo no meio da ponte – e deslocou-se lentamente para as traseiras do prédio desafiando o cão a segui-lo o que veio a aconteceu mal este percebera estar fora do alcance visual da dupla Dono-Lombriga. Foi então que Perrito, de pé, olhando o “amigão” durante breves segundos desviando o olhar e baixando a cabeça começou a emitir sons semelhantes a gemidos humanos. A natureza não dotara os homens de competências para entender a fala dos cães nem outros animais, suas formas de comunicação, mas pelo menos os cães percebiam alguns humanos e as palavras que lhes dirigiam. 

- Que se passa Perrito que tristeza é essa? 
- [auauauauauau] 
(A minha hora está a chegar amigão) 

- Conta lá o que sentes… 
- [auuuuuauauauauauauauauuuu] 
(Envelheci eles e eles agora têm um mais novo é tipo rei da selva) 

- Mas este ensinou-te a andar de frente no hall! 
- [auauau…auauau…au…au…au] 
(Sempre andei de frente sou normal mas gostava de fazer aquela gracinha…) auhauhauh (para chamar atenção dos meus donos) 

- Porque mudaste? 
- [auuuuauuuuauuuuauauau] 
(Quis provar que fazia igual ao ‘arrastadeira’ e ter pelo menos a mesma atenção que ele) 

- Parece que não resultou… 
_[auuuua……au…au…au…auauau…auauau….auauauauauauauauauauauuu...au...auauau – auauau] 
(Pouco importa que pronto morro e até dou graças ao DogGod «deus dos cães conhecias?» não mandarem abater-me ou abandonarem por aí…agora até tenho de fazer as minhas necessidades quando ele precisa…já não tenho direitos) [aui...aui] 

- O teu dono está a chama  
- [auauauuauaua.auuauuauu] 
(vou indo e acredita que a vida de cão só é boa enquanto somos novos...) 

Terminada a conversa em que só um falou, interpretando os aus/aus  decidiu subir até ao apartamento subindo pelas escadas. Sentado na sala pegou no livro Proezas Impossíveis e tirou alguns apontamentos. Surgiam-lhe um milhão de interrogações; concluía serem insustentáveis as teorias que só o Homem tem inteligência e que os afectos não se encontravam nos comportamentos dos animais, desprovidos de carácter e personalidade. Passou em revista todos os seus anteriores cães dos quais não possuía fotografias para além das imagens que deles gravara na memória fotográfica, mas lembrou-se que conservara duas ou três com o gato ao colo – sujeitando-as na ponta dos dedos observou-as minuciosamente. Por cansado deixou-se cair no sofá cama e exclamou: «consegui, consegui falar com o Perrito!»  

Não contaria a ninguém o momento que vivera; gostava que durasse uma eternidade, mas sabia que fazendo-o arriscava-se a que o internassem. Fechou os olhos e adormeceu. 


FIM

28/8/2013


terça-feira, agosto 27, 2013

Cadeiras do Poder


CADEIRAS DO PODER




António Oliveira Botas andava numa roda-viva com o negócio. Lia e relia detalhadamente os dados fornecidos pelos assessores e não encontrava solução para o que pretendia. Se por um lado gostasse de dar um pouco de folga aos trabalhadores, sentia que fosse qual fosse a decisão que tomasse passaria por antidemocrática e haveria sempre contestação se bem que ousassem manifestar-se publicamente. Não lhe restavam dúvidas que o seu tempo estava no fim mais pela idade que mentalmente; não tinha filhos a quem deixar o império e naquele negócio não havia subidas ao trono por isso decidira deixar tudo ao Erário e à Misericórdia – em quem mais confiava, Drano Moreia no mas achava que ser do pior o melhor por isso remédio era não entregar nada a ninguém enquanto estivesse vivo.

Pelas suas contas em Portugal vivia-se do negócio com as províncias não obstante exportar-se para outras latitudes alguma coisa mas o grosso era a circulação interna sobretudo para as áfricas daí não haver hipótese de abdicar de manter o negócio com essas partes do mundo português – por outro lado precisa de matérias-primas e havia-as em abundância por lá. Toda a sua estrutura estava montada em cima duma espécie empório lusitano e tudo se produziria a médio prazo sendo quase a pátria auto-suficiente, faltando resolver as desavenças com o resto do mundo que cobiçava o que era deles não para desenvolver a terra mas para sacar quanto pudessem. A guerra que o seu país mantinha era uma espécie de jogo de monopólio tirando a Guiné que por entendimento de alguns sábios não se poderia entregar por causa do efeito dominó, mas no entender de Botas era falácia e até convinha aos militares manterem certas comissões e desculparem-se com a Guiné para manter os privilégios noutras partes.

-Tenho de desfazer do negócio guineense ou arrisco a afectar tudo o resto mas vou com calma chegado o momento entalo os guerrilheiros e acaba-lhes a mama

Percebera por exemplo que alguns dos seus trabalhadores depois de terem feito uma comissão pediam para regressar às províncias o que nem era de estranhar. Outros ares outras oportunidades subidas sociais, mais dinheiro enfim um futuro mais risonho e ele também aproveitava o facto para desenvolver mais o negócio e tornar mais sólido o empreendimento. Não tinha problemas com chineses japoneses coreanos ou indianos se bem que eram em demasia mas enquanto não fedessem tudo bem.

Difícil, eram os americanos com a mania de serem dono de tudo e de todos. Volta e meia tinha de os por no seu sítio ou acabava o negócio com eles – ficariam a perder por isso se tivessem juizinho safavam-se. Quanto aos sovietes nem se dava ao trabalho, pois eles não chateavam muito desde que andassem a expor bandeiras vermelhas e a cantar Kalinka-Malinka; preocupante, eram os próprios portugueses e a sua dose de inveja e dor de cotovelo sempre dispostos a lixar-lhe o negócio. Quanto aos Franceses sabia que o faziam pelas costas na Guiné, mas aquilo era mosquitada e ninguém estaria disposto a comprar fosse o que fosse. Os Italianos era gente pacífica desde que cantassem umas napolitanas e os espanhóis não chateavam porque ele não ia ao baile com flamengos – o resto tranquilo, e tanto, que até nem chateavam em Timor e os chinos estavam satisfeitos com o seu negócio em Macau.

O suave bater na porta do escritório chamou-o à realidade; era a empregada doméstica, a única que se lhe conhecia, em quem confiava cegamente e pagava o ordenado do seu próprio bolso porque o dinheiro da empresa era para a empresa. O ordenado era pequeno mas ele poupava noutras coisas e por isso podia dar-se a certas mordomias tais como ter uma mulher-a-dias, e ainda por cima a mulher era uma espécie de enfermeira, farmacêutica, contabilista doméstica, recepcionista, além de uma das melhores bisbilhoteiras privadas.

-Entre boa noite
-Bom dia Dr repare que já são 6:30 trouxe o pequeno-almoço mas vejo que ainda está de fato!
- Já é manhã! Veja se tem o salão de reuniões pronto que às 9:00 tenho aí o pessoal.
-Não se preocupe está tudo pronto e também tem uma garrafa de Porto para os senhores...
-Se quiserem beber vão ao bar do João Juros assim sempre lhes dão algum a ganhar e bem precisa que a mulher está entrevada.
-Tenho ajudado a dona Felicidade sempre que posso mas sem prejuízo para o doutor!
-Faz muito bem é o princípio da solidariedade enfim do estado social...
-Dr António no outro dia aquando fui Às compras parei no bar para comprar uns bolinhos tradicionais para o filho do jardineiro o Serafim Rosa e...
-Fez muito bem e meteu na minha conta?
-Paguei do meu dinheiro doutor!
-Fez mal depois lembre-se de lhe dar o dinheiro que gastou!
-Se assim desejar mas escutei uma conversa estranha de pessoas que falavam de um acidente preparado qualquer coisa a ver com a queda da cadeira do poder o velho bater a bota e não me agradou o aspecto dos homens...cheirou a maldade
-E que mais escutou?
-Nada baixaram o tom de voz quando entraram umas pessoas que não conheço!
-Não se preocupe há muita gente por aí sedenta da cadeira do poder e de qualquer maneira grato pela preocupação e lealdade.

António Botas não dera conta das horas passarem – começara a trabalhar por volta das 22:00 no escritório particular. «Tenho de arranjar um escritório com janela para aproveitar a luz solar e também a do candeeiro da rua assim sempre poupo mais algum e posso desenvolver outras áreas de menor rentabilidade» Homem experiente sabia que uma reserva do vil metal era importante em tempos de crise e ele passara uma das mais violentas desde o início do século. A conversa com a empregada ficara no limiar do subconsciente – algo lhe dissera que havia de facto marosca no ar mas também não era coisa que não estivesse habituado mas era tempo de descer e receber os colaboradores. Quase todos estavam de acordo com fechar o negócio na Guiné e concentrar esforços noutras estruturas, fazer canalizar o pessoal para outros centros de produção, salvo um dos presentes. António escutava atentamente as posições.

-Caros amigos aquela coisa é tão pobre pantanosa miserável que ninguém a compra mas serve para distrair atenções justificar algumas despesas e poupar mais noutras locais...reparem que estamos em pleno nas outras províncias a crescer a olhos vistos ao ponto do mundo andar cheio de inveja e a conjecturar nas nossas costas...a minha opinião é de manter!

Silvito Punha intervém

-Não haverá por aí influência dos ditos da s chefias militares Drano Moreia?
- Completamente e´ uma opinião pessoal e reflectida.

Com o prolongar da reunião acabaram rendidos à opinião de Moreia, e que agradou a Oliveira Botas ver o pessoal de acordo terminando com a reunião. Correra como previra e para alguma coisa havia de servir a reunião que particularmente tivera na véspera com Drano Moreia. Pelas 14:37 a oficina de marcenaria “TudoRápido Ldª” entregava a cadeira da secretária do escritório da empresa. Botas teve a sensação de haver ali algo estranho sobretudo pela rapidez com que a entregaram e sabendo a oficina que só pagava no fim do mês e chamou a empregada.

- Marialisa viu quem trouxe a cadeira?
- Vi sim doutor…
- Fale criatura que sabe que eu não sei?
- Um dos homens era o mesmo que estava na loja do João Juros…
- Muito bem diga ao filho do Rosa que chegue cá!
- Sim senhor Sr. Doutor

Botas continuava a matutar na cadeira. Adivinhava borrasca mas como não pescava nada de marcenarias era melhor ser o filho do jardineiro a ver a coisa que o miúdo era fino e andava sempre a consertar coisas na arrecadação. Após 10 ‘ de espera o rapaz batia à porta

- Entra Gálio Manuel
- O doutor mandou chamar?
- Sim…sei que és um artista nestas coisas de pequenos arranjos vê se esta cadeira está segura e se foi mesmo arranjada

Gáudio ficou nas nuvens aos 14 anos até porque elogio patrão era “um elogio do patrão” e rematou «O senhor doutor pode ficar descansado vou vê-la da cabeça aos pés e por acaso escutei a senhora Marialisa falar com o meu pai sobre uma conversa esquisita do bar do Sr. Juros» - De imediato o rapaz pegou na cadeira e virou-a do avesso rodopiou-a pressionou-a enfim coisas que só os miúdos podem conceber acabando por confirmar que nada de estranho se passava e que a cadeira estava perfeita.

- Muito bem diz à Marialisa para te pagar o serviço.
- Não precisa…
- Quem sabe se precisa és tu quem decide se dá sou eu por isso vai ter com ela

António Botas não via mas adivinhava a cara de contente do miúdo quando recebesse 3 escudos extra já que nunca lhe dava menos por cada serviço. Os seus concorrentes achavam que era sovina mas não se importava; havia quem gostasse dele mas pelo menos Gálio Marialisa e Serafim Rosa tinham-lhe respeito e amizade. Estava contudo sem pachorra para trabalhar; não dormira, a reunião fora cansativa e a história da cadeira e da conversa no bar do João Juros mexera com ele. Decidiu subir até à sala de estar avisando a empregada que desejava não ser incomodado até à hora de jantar. Já no piso superior olhou para o calendário que marcava o mês Agosto de 1968, sentou-se numa cadeira do tempo da rainha D Amélia ligou a velha Telefunken Jubilate 1651 a válvulas, sintonizou a Emissora Nacional e fechou os olhos deixando-se embalar por Rui de Mascarenhas a cantar Encontro às Dez.

Súbito a música foi interrompida por uma voz grave, dir-se-ia chocada, que anunciava ter sido sua excelência o senhor doutor António de Oliveira Salazar vítima duma queda de uma cadeira que provocara um acidente vascular cerebral sendo Sua excelência o Senhor Presidente do Conselho de Ministros transportado de urgência para o Hospital...em estado físico e mental crítico.

António Botas ficou siderado e pregado na cadeira exclamando «Que raio de coincidência!», enquanto que no bar de João Juros, de notícia em notícia, o silêncio imperava deixando toda a clientela sem fala, à excepção de uma mesa com 4 homens que emborcavam copos de vinho carrascão à mistura com ‘à nossa’. Um desses homens fora o que levara a cadeira a casa de Botas, percebendo-se no rosto um sorriso de vitória enquanto comentava «Estava a ver que o velho não ia desta para melhor»

A notícia espalhara-se por todo o Portugal, do Minho a Timor, provocando uma onda de consternação e silêncio que entrou pelas Nações Unidas dentro – do polo norte ao sul, do sol nascente ao cair da noite, para lá das ondas hertzianas o mundo estremeceu. Era patente viver-se uma internacional paz podre e a derrocada ainda não se dera porque, sentado numa cadeira, no palácio de S. Bento, na capital dum país à beira mar implantado, existia um povo governado por um homem tenaz que contra ventos e marés mantivera o mundo em equilíbrio evitando que os facínoras tomassem definitivamente conta do planeta.

Por África o incidente e as suas possíveis consequências geraram pânico até entre os guerrilheiros denominados terroristas. Uma coisa era lutar contra o ditador – contra um exército que até tinha manos nas suas fileiras e falavam a mesma língua – outra, contra quem não conheciam e que por certo os levariam à carnificina numa luta sem tréguas e sem respeito pela condição humana até à escravatura final perpetrada pelos senhores da ditadura global. O mundo começava a mudar e Oliveira Botas incrédulo. Que se teria passado, acidente ou sabotagem. Fosse o que fosse Portugal iria mudar e ele só não sabia se para melhor.

António Botas sentia-se velho e cansado; tinha 81 anos e deixara o negócio nas mãos de Drano Catano o único em quem confiava se bem que não muito. Era verão, dia 27 de Julho de 1970, chamou a fiel empregada e pediu para preparar uma camisa branca, um fato cinzento-escuro e uma gravata preta. Preparava-se para ir a mais um funeral.

FIM

segunda-feira, agosto 26, 2013

Tapetes à entrada

Fim do conto Tapetes à entrada
(o início do conto foi publicado na facebook


Continuava dorido do pé mas foi meio a mancar até à janela da sala abrindo-a completamente – à sua frente o espaço da liberdade – descalçou-se colocou o pé sobre o parapeito a cerca de 60/70 cm de altura e viu o dedo grande do pé ensanguentado, golpe eventualmente feito quando saltara para se desviara do carro. Olhando de soslaio para o livro comentou ao pegar no corta unhas e pensou «Será que Ícaro viu sombras positivas!»

Naquela tarde Saturnino andou à beira rio, apreciou os ‘veraneantes de praias fluviais’ especialmente as crianças correndo à beira da água sem se importarem com tropeções, e sentou-se num dos bancos do passadiço apreciando as suas brincadeiras.

Levava o telemóvel novo, e tocava uma música brasileira com uma letra estranha – “O Havaí é áquí” – «Gaita assim é fácil rimar!». Sentiu-se fresco, renovado, esqueceu-se do dedo ferido e decidiu dar uma corrida de 20 minutos e devagar. À medida que ia correndo batia com os braços como se fossem asas sabendo contudo que não levantaria voo pois os homens não nascem com asas.

Sobre o meio do rio, talvez procurando peixe ou divertindo-se, uma gaivota fazia desenhos lindíssimos no seu vai e vem. Saturnino José pensou nas sombras de Platão…

- O velhote era capaz de ter razão!



Fim

Recordar outros!

sábado, agosto 24, 2013

Nuvens avermelhadas

NUVENS AVERMELHADAS


Sentado numa laje sobranceira à maior fenda da Tundavala a cerca de 1.200 metros acima das águas do mar sabia que para lá do que a vista alcançava descaído sobre a esquerda havia um deserto onde a natureza depositara uma espécie rara, única, denominada Welwitchia Mirabilis, encostado à cidade de Moçâmedes onde tantas vezes se deleitava nas praias quentes e de águas límpidas. Nas costas ficava a Huíla a Nª Sª do Monte, a piscina de água corrente o céu azul e um certo friozinho nas noites de cacimbo.

Rolou a cabeça a cabeça mais para norte e quase pressentia o barulho da capital da província, a azáfama do porto e do aeroporto, a vida asfixiante do vai e vem constante de veículos, bares nocturnos. Do outro lado do atlântico havia um país que não conhecia mas cheirava que quem lá viva não era de fiar, tudo por meras conversas escutadas entre camaradas – ao contrário gostava das gentes daquela província que adoptara para ser a sua 2ª terra. Sob o seus pés a linha de caminho de ferro, o serpentear da estrada o mato, e a selva desconhecida. Estava de facto em África.

Gervásio Sério, casado, pai de uma menina de com 2 anos, natural duma pequena aldeia do distrito da Guarda do Portugal Imperial fora incorporado em 19 66 para combater os terroristas armados até aos dentes e que se tinham revoltado contra a pátria opressora com a ajuda estrangeira, mas por graça divina tinha saído ileso de todas as saídas para zona de combate – assentara praça como soldado raso que as suas habilitações a mais não permitiam – De regresso ao continente de pois de 48 meses de serviço militar obrigatório, restava arranjar emprego pago a preço de avo, emigrar a salto, carregar baldes de fezes trabalhando numa qualquer Junta de uma qualquer cidade do interior. Não ponderara voltar a Angola mas com o decorrer do tempo e as dificuldades de obter um modo de vida que se adequasse às suas aspirações, esta opção começava a germinar.

Com a morte do ditador as coisas pareciam menos negras que no tempo em que por lá andara envergando a farda do exército, por isso já não excluía o embarque num paquete ou mesmo nos modernos Boeing da TAP – e que essa aventura terminaria por dar um futuro risonho para si e restante família – daí estabelecer-se numa povoação do interior era já uma certeza, abraçando o negócio de comercio, bar e mercearia e ir crescendo aos poucos, já que o pessoal que conhecera anteriormente e do tempo da guerra para além de serem bons pagadores aliavam o facto de serem bons compinchas nas noites de sexta e sábados e a cor nunca for barreira à amizade criada com alguns. Da decisão à concretização passara-se 2 anos. Estava-se em 1972, malas aviadas e despedia-se da mulher e restante família em Lisboa embarcando do  porto Alcântara rumo ao hemisfério sul. – ia à frente para preparar cuidadosamente e sem sobressaltos a posterior ida da mulher e filha. Apesar de humildes os pais garantiam que nada faltaria a nora e neta, e ainda o ajudaram com algumas despesas extras e isso dava-lhe tranquilidade

Gervásio era homem de trabalho e aos 27 anos nada lhe metia medo. Rapidamente, chegado à província da Huíla procurara com a ajuda de um ex-camarada de armas encontrando um sítio e instalações que agradavam de sobremaneira sabendo que o início de negócio seria facilitado por alguns conhecidos e malta que se dedicava ao comércio da transacção diamantífera pela fronteira do Namibe e outras que se desconheciam à data.

O ano fora de facto fantástico razão para escrever umas magras linhas à mulher a contar o sucesso e que se preparasse para conhecer África – considerou-se um homem de sorte, ganhara a aposta, tinha posto de parte algum dinheiro e fecharia o estabelecimento no fim de semana seguinte não sem antes deixar os clientes fornecidos do que necessitassem. Marcava o calendário 1 de Dezembro de 1973 quando se preparou para se deslocar à capital afim de esperar a família vinda da metrópole – a alegria era extensiva a todos na povoação especialmente por parte de Manhê Cavaigolo e Zumbi Caxipede, chefes de famíla que viam na vinda da senhora do amigo oportunidades para que as suas mulheres aprendessem a cozinhar uma coisas boas e outras lides importantes para a casa e útil no futuro – gostavam de Gervásio, conheceram-se na tropa e mesmo que não fosse de fiar os anos de BI eram da mesma idade.

Partiria para a capital na manhã seguinte, razão de ter tirado a tarde já depois de encerrado a loja e fora espairecer para a Tundavala. Sonhava como qualquer homem, marido e pai extremoso com o reencontro, por longa ser sempre a ausência – o0lhando o céu percebeu umas nuvens pequenas que não seriam expectável naquele dia e naquela altura do ano com apenas 2 meses e ½ de verão face à limpidez com que se apresentara o dia sobretudo ao bater das 11:00. O que mais chamou à atenção fora a tonalidade cinzenta avermelhada das nuvens, e o desenho que faziam entre si, parecendo as ferramentas das ceifeira alentejanas e dos martelos dos ferreiros, mas atribuiu tal facto à alegria e aum copito extra a que se dera ao luxo, e que algum cliente acabaria por cobrir o prejuízo.

Comprara um carro novo, em 2ª mão, num stand de um amigo recente mas que eram da mesma zona de Portugal, tendo este condescendido receber os 50 contos em prestações sem juros nem empréstimos bancário, bastando-lhe a palavra, mas nada disto dera a conhecer à família. A carta tirara-a felizmente como militar poupando uns contos extra numa escola privada e arriscando-se a pagar dobrado se chumbasse.

Rápido chegaria o Natal; _ seria uma festa. Dona Emengarda Séria depressa se adoptara aos trilhos, à terra batida, às picadas dos mosquitos e à conversa sem fim de Sizémia ‘Juta’ Cavaigolo e Périódica Caxipede, que falavam pelos cotovelos apesar da maior parte dos casos não perceber patavina do que diziam. Passagem de ano, garrafas para comemorar e ei-los em 1974. Chegou Fevereiro, Carnaval, 4ª de cinzas, festa, dança, suor, que o calor apertava e a temperatura ainda subiria mais até Março prolongando-se pelos meses de Abril e Maio. Era de aproveitar para uns mergulhos de água salgada.

Emengrada, boa esposa, incentivara o marido a mandar vir os sogros, dado que os seus pais tinham falecido, e até podia ser que montassem uma pensão. Ela apenas tinha uma irmã mais velha e solteira, e não descurava a hipótese de a ver acasalada com Antero Silva Penado, um dos melhores clientes e que levava um táxi por conta própria e que podia juntar os trapinhos com a mana.

Veio a Páscoa, as amêndoas, amigos a crescer negócio a florescer e o que pensara concretizar-se ia para a 2ª metade do ano. Metera a irmã trocando correspondência com Antero e o resultado seria casamento por procuração.
No dia 24 de Abril de 1974, jantavam em casa dos Sério a maior parte dos amigos arranjados por aquelas bandas entre eles os mais novos, a família Vissorino e a Silvano. O casdal iria anunciar a chegada dos pais de Gervásio a irmã de Emengarad futura esposa de Antero, e a grande novidade – a gravidez de Emengarda já com 2 meses – o bebé viria no bico da cegonha sem saberem se menino ou menina. Périódica Caxipede, fez de imediato uma reza, deu três voltas à mesa e exclamou sem margem para erro. «Pela curva da mama direita da prenha é minino!». Palmas para a macumbeira que não cabia de inchada dentro dos panos tal o contentamento.

Em Março de 1975, Gervásio e Emengarda carregavam uma menina de 4 anos aproximadamente pela mão, e um bebé ao colo com pouco mais de 5 meses, e pretendiam despachar alguns caixotes para Portugal contendo coisas pessoais, entre elas fraldas, bibes, e roupa de bebé de cor azul – o homem ia deixar a salvo a família, longe dos conflitos que se agudizavam, mas regressava para continuar o negócio, deixando a esposa e filhos em casa dos pais até que a situação acalmasse e desse garantias de haver paz medicamentos e alimentação para os filhos. Regressava à Huila 15 dias depois de ter embarcado.

Na 1ª terça feira do Outubro já quente, oficial de serviço ao terminal de carga do aeroporto atendia um homem com ar abatido, barba por fazer, um pouco sujo até. Queria embarcar alguns pertences para Portugal, coisitas sem valor mas que eram sua e ganhas com honestidade. Contou ao oficial à laia de descompressão meio lamento meia raiva quase a roçar o ódio sobre o que lhe acontecera, e ao vexame que passara ao sair do aeroporto da Portela onde fora acusado de de racista, explorador, e outros insultos que jamais pensara escutar, sobretudo de familiares afastados. O oficial, depois de pesar as caixas, pediu para que o acompanhasse aos serviços da alfândega e depois teria de cumprir as formalidades para o embarque. Aproveitando a conversa adiantou que não desse trela a certa malta e que o importante era a família e ele estarem juntos e bem e que por estranho que parecesse a cara dele não era de todo estranha não se recordando donde nem de que altura e sossegou-o

- Também não será por isso que muda o atendimento!
- Estive cá com a minha mulher e dois filhos e foi o senhor que nos atendeu na altura…
- Possível mas sabe são milhares de caras que passam por este aeroporto desde o início da debandada!
- É natural que não se lembre – vai ficar? – se partir para Portugal procure-nos aquilo não é assim tão grande!
- Obrigado vamos preencher a papelada e como deve saber preciso do nome de quem levanta os caixotes no destino…
- Gervásio Sério!

Já se afastava em direcção ao edifício de embarque quando ouviu o oficial chamá-lo.

- Senhor Sério… esqueceu-se da carta de porte!



Fim

quarta-feira, agosto 21, 2013

Venham mais quarenta...!

Só que desta não e o Zeca, e espero que o PM não se ofenda; quando era criança também gostava de cantar ópera mas até a pensar desafinava.



VENHAM MAIS UNS QUANTOS

Não me obriguem ‘vir para a rua gritar
a vergonha de se ter de emigrar
depois de cantada ‘morte ao ditador’
erigindo-se u’ democracia de dor

Sabido, c’ cantilenas o mal se espanta!
_ falharam acordes? Enrouqueceu a garganta
q presente nem c’ 5 branco ou tinto
seguramos as calças à falta d cinto

Acorda já o povo, “venham mais 40”
c’ a ditadura do Botas a gente aguenta
já q democracias de fome e desemprego
não alegram lares nem dão aconchego.

Receando ‘nove estado’ escuro destino
não se hesitou; _ vota o povo num Aladino!
- Saiu-lhe candidato a barítono, e é de rir,
que o «divo» desafinava até a tossir…

Cito Loio
20/8/2013


sexta-feira, agosto 16, 2013

JITO...e se for verdade?



JITO 



Era uma vez ...não começa assim este conto por certo dado não se tratar duma história para "boi dormir" mas antes, passagens da vida de um homem sofrido, casos idos faz tempo e numa latitude que muitos desconhecem, outros tentam apagar e outros, como eu, vivo pendurado nas suas liana, envolvendo um amigo de longa data , de sangue, irmão de alma - e se a memória não me engana passada em 74 versanso assim o relato:

Jito Metralhas levantara-se cedo para dar o seu passeio matinal com os cachorros antes de iniciar a sua actividade _ cães rafeiros por certo mas nem por isso deixando de nutrir por eles o maior carinho. Jogavam à bola no fundo do quintal, anunciavam a chegada de familiares e amigos, e raras vezes corriam atrás dos ardinas. Nesse dia só Dog o esperava à entrada do portão principal; era um cachorro "cor castanho-russo do tipo pastor-alemão de baixa estatura e esperto que se fartava".

Depois do passeio, tapas no focinho do bicho, uns "busca o pau", o animal não se dirigiu para a casota como costumava para receber a primeira refeição do dia, antes ficara da parte da frente da vivenda o que também não era de estranhar. Por sua vez Jito subiu ao quarto para se vestir à maneira, e como militar que era, envergar um camuflado botas cinturão quico, ou não tivesse de cumprir ordens superiores_ e havia patrulhamento aos bairros periféricos. Claro que as armas levantava-as no quartel não sendo permitido levá-las para casa talvez porque os capitães camaradas tivessem receio que as vendesse ao inimigo estragando o negócio com concorrência desleal... coisa que não se sabia e ainda bem pois tratar-se-ia de uma vergonha revolucionária.

Não tardou em descer do quarto - apanhou as chaves do carro e foi para a guerra em viatura civil (à boa maneira do Raul Solnado) - deixá-lo-ia no parque exterior do regimento, zona seguríssima em tempo de conflito. Não tardou a chegar ao destino; àquela hora não havia trânsito de monta e também a polícia não existia para caçar condutores com álcool - nem havia balões para soprar que limitavam a ingestão percentual do liquido, quer o beberolas fosse uma minhoca de 60 kg ou um touro com 110!

Fazia-se a primeira saída antes do almoço dado que mesmo em guerra certas refeições eram sagradas. Também se percebia que aquela guerra não tinha pés nem cabeça e quanto ao 'corpo militar do inimigo 'havia porque a metropolitana bondade se desejava manter o pessoal ocupado antes de entrar no mercado laboral'. «Bolas havia de me calhar o bairro Américo Tomaz! Podiam ter-se lembrado de construir um com o nome de Cerejeira!» desabafou.Também não era da sua conta mas nada de distrações que as balas matavam, e o pessoal, chegada a hora queria almoçar. Assobiava, sentado no Jeep, uma canção napolitana " O sole mio" que escutara na véspera depois de chegar a casa sobre as 23 h.

O almoço no quartel era feijão com gordura a imitar tripas à moda do MFA, mas nem por isso se deixava de comer. Gambúla Purificado Semmedo ficara encarregado de tratar de analisar o material para a saída da parte de tarde e avisar Jito logo que tudo estivesse conferido e em perfeito estado que o governo não permitia que a imagem da nação fosse negativamente comentada. Este passeava pela parada escutando a canzoada do lado de fora do muros, o que era habitual pois sabiam que escorreria algo para comerem. Enquanto Gambúla tratava do assunto Jito fumava um AC para descontrair ao mesmo tempo que deitava contas à vida

18:10 última volta antes do regresso à unidade e Jito mandou parar os Jeeps dando instruções para se apearem, e 2 a 2 fazerem uma batida por aquela zona do Catambor, apesar de não ser hora para guerrilheiro diplomado actuar. Escurecia já, 18:25, e estavam prestes a terminar o controlo da rua - havia contudo algo de estranho na atmosfera, naquele silêncio tipo paz poder, cenário bastas vezes visto nos filmes da guerra do Vietnan em que os marines derrotavam sempre os bandidos mas acabando por perder a guerra.

Algo lhe dizia que uns palermas poderiam estragar o ocaso. Escutou-se 'imprevisível' tiroteio sobre as suas cabeças com balas a estatelarem-se nos muros e paredes das casas que os ladeavam e as rajadas não eram de G3 nem sendo preciso dar ordens para o pessoal se abrigar.

Outra vez silêncio; 12 segundos nova rajada, uma bala a ferir o muro por cima da cabeça de Cito disparada de trás a um ângulo de 30º . Rolou virando-se para esse lado e iniciou os disparos escutando entre os tiros um rosnar ameaçador tiros um latido de agonia e uma grito humano anunciando a morte.

Novo silêncio, este mais pesado. Acabara o confronto! Os militares cautelosamente procuraram baixas, de ambos os lados, se as houvesse...e do lugar de onde partira os disparos contra Jito depararam com um guerrilheiro morto e ao lado, distando 3 metros, um cachorro cor castanho-russo do tipo pastor-alemão de baixa estatura e esperto que se fartava.

Passados 24 anos encontrei Jito num rua escura de Porto vendendo sonhos e dando de beber à dor. Estava divorciado, 2 filhos e nunca mais tivera cães seus...Despedimo-nos sem lamentações . Conversando com Cito relatei este encontro e pedi que fizesse um poema a Jito. Passado uma porção de anos, dei com este poema perdido entre a papelada

JITO

Sorvia cerveja adega em boteco
copos cheios sem espuma
sem amendoim ou tremoço
camarão da costa ultramarina
moelas picantes no Pic-Nic
vodka c' laranja no Flamingo

Rodopiara elegante fino boneco
dormindo cada vez só com uma
em touradas ainda moço
gizando a seu passo o destino.
- Esquecendo, ganhou um novo tique:
_ passear pela solidão ao domingo!

Deixara de falar com os cães
pshiupshiu, aos gatos vadios ;
_ aos sem-abrigo u' sorriso aberto.

Derrotada a fome com dois pães
desenhou cursos de novos rios
por eles navegando c' a morte por perto

Cito Loio


Reflecti sobre o poema, pensei nesse amigo , achei que que não devia guardar só para mim esta história, mesmo sem ter a certeza o que levara Jito a deambular pela vida; soube então que nunca mais quisera cães !


FIM

sábado, agosto 10, 2013

PASSAPORTE... LUSITANO (!)




PASSAPORTE LUSITANO


Não se trata de um conto se bem que contará para mim, e refere mais um dos bons símbolos da dignidade e do respeito por Portugal.

Ontem, precisamente 9/8 sexta feira, sobre as 12:40 já no Metro que liga a Trindade ao IPO / Hospital S.João para um dos encontros habituais com Pedro para almoçarmos no Campus (centro comercial bem situado com uma ligação directa ao próprio hospital (imagine-se!) mas que sendo um espanto estou plenamente de acordo...
(Porquê? - porque prefiro gente vestida de branco, médicos e enfermeiros que nos podem tratar da saúde a televisionar o Canal parlamento onde um conjuntos de personagens cinzentas tratam de arranjar a devida milonga para nos mandarem desta para melhor e não se gastar o que se descontou em reformas.)
...continuando (deixemos o resto de parte) ainda não soubera do falecimento de Urbano Tavares Rodrigues, e como referido, ia encontrar-me com Pedro, o meu filho mais novo (vivo), para almoçarmos (paga ele que já ganha algum) na Loja das Sopas o que de resto recomendo e afirmo que estou a fazer publicidade gratuita, quando, e já na estação dos Combatentes (curioso este nome) entrou no metro uma família negra, mãe com um carrinho de bebé e uma filhota de 9/10 anos – como boa mãe lá foi respondendo à miúda sobre um sem número de perguntas, masque cá o rapaz não percebia o diálogo estabelecido entre elas.

Levava um bloco de apontamento onde habitualmente registo o que vou ganhando (quando ganho) e os esboços daquilo que julgo serem poemas contos e outras cousas mais...e escrevinhava um poema do tipo à “conversa com Camões” traduzindo mais ou menos o sentimento dessa metade de dia dado que ficara piruças com a notícia de mais cortes aos pensionistas, e que era mais ou menos assim:



Hoje escutei, cuidadoso, Camões.
-Aconselhou-me ser prudente,
pois salvo raras excepções
não é mui de fiar...certa gente

«Amigo e poeta inda desconhecido
lede o que deste povo escrevi
algures pelos Lusíadas, em verso,
e acreditai:- fi-lo com amargura.
-Mas andei por sítios (pouco sabido),
conheci povos, e com eles comi;
_ sem cobrar escutaram o verbo
desta alma pecadora por ser pura

Hoje vivo, tivesse ele armamento
apenas q fosse u' ferrugento canhão´
enfrentaria treinado regimento
resgatando dos traidores a nação!

(-Hoje ouvi o rugido dum leão.)


Terminado o escrito em forma de rascunho, suspirei de alívio e ao fixar a criança que continuava com a tagarelice lembrei-me de Luanda, das crianças descalças a jogar à bola, das ruas alcatroadas e aquelas ainda por, subindo-me à memória a última vez que visitara a casa da minha tia Lurdes, as correrias pelo empoeirado da rua, dos macacos pendurados nas árvores e dos outros pendurados nos assentos do Parlamento de fato e gravata na Capital que mandaram decapitar o Império sem fazerem nenhum inquérito às hostes inimigas, posteriormente apelidadas de Retornados, esquecidos dos milhares que nunca tinham calçado os bootes no Terreiro do paço ou mergulhado nas praias de Carcavelos.

Embrenhado na divagação fui sacudido por uma pergunta que a menina disparara à mãe (era mãe de certeza até pelo diálogo) à qual esta respondeu um pouco insegura...

-Mãeiii o que é Guimarães?
-Éééé uma cidade...
-Cidade de Angola?

(momento de pausa)

-Não filha acho que fica aqui pra cima!



Fechei os olhos; pela pronúncia aquela mulher conhecia tanto Angola como conheço Júpiter e a memina era mais Tuga que eu nascido em África, filho de um “colono” que explorou uma negrita que só por acaso era a minha mãe casada notarialmente, e com óbito lavrado em documento da República Portuguesa.

Visionei a AR transferida para Angola, as praias do Algarve a abarrotar de mulatos negros e brancos falando a mesma língua, sem acordos ortográficos e todos portadores de um Passaporte Lusitano!

Felizmente estes momentos de loucura são de curta duração e fazem parte das pequenas alucinações que me assolam sempre que vejo, ouço ou leio gente eleita pelo voto de um povo a emanar ordens que levem à esses mesmos eleitores à escravatura – só que agora não será só branca!

Não consegui ouvir o nome da pequena nem da mãe que deveria ser filha de refugiado, se bem que o aprofundamento desta questão daria para tese de legitimação para Candidatura à Presidência da República, ao abrigo da globalização – imaginei Sengor a ser Presidente Portugalês e deixei escapar «pior não ficaríamos!».

Mais tarde, por volta das 14:00 dei fé então à morte de mestre Urbano, pela F.B. guardando 1 minuto de silêncio em respeito pela sua alma. Mas a vida não para e lá fui realizando as tarefas a que me propusera nesse dia. Chegada a noite já em casa, revivi a cena no metro e pensei no defunto, escrevendo, à mistura com um copito de tinto uma espécie de poema epitáfio


PARA TI URBANO QUE O NÃO LERÁS


Entre lutas ganhamos lutos
negro pano – fizemo-nos à luta
pagando elevados juros
chegados à “tal” idade adulta

Não foram apenas duras penas
que nos fizeram endurecidos,
mas por d'iguais vermos condenas
sem nunca delas(…)merecidos

Acaso (nha) terra não for jazigo
nas campas depositem cajus
e que das obras se faça jus...

Se nada mais (tivermos) d'abrigo
livros (teus haja com poemas
cobrindo iguais (!) dores terrenas.



Antecipando a informação de um dia escaldante, tendo menos 29 anos que Urbano, decidi não desafiar os raios ultra violetas quedando-me da parte de manhã em casa, e sem saber porquê, talvez solidão, voltei a pensar na tal família de escurinhos (sem que o marido ou pai estivesse presente), especialmente na menina, recordando outros meninos que já no dobrar da metade do ano de 1974, me perguntavam, vendo que envergava a farda do Exército de Portugal se quando “Angora fossé indépéndénte os Góverno des Portugar ia par Nova Lisboa!"

Foi então que decidi escrever estas linhas...



Fim

quinta-feira, agosto 01, 2013

E foi...bom de ver


Isto aconteceu na Aguda dia 27 de Junho com a apresentação de Mel e Gindungo e debate sobre o Corpo a Alma e o Infinito no Duna Bar Sr José



 
Web Analytics