PASSAPORTE... LUSITANO (!)
PASSAPORTE LUSITANO
Não se trata de um conto se bem que
contará para mim, e refere mais um dos bons símbolos da dignidade
e do respeito por Portugal.
Ontem, precisamente 9/8 sexta feira,
sobre as 12:40 já no Metro que liga a Trindade ao IPO / Hospital
S.João para um dos encontros habituais com Pedro para almoçarmos no
Campus (centro comercial bem situado com uma ligação directa ao
próprio hospital (imagine-se!) mas que sendo um espanto estou
plenamente de acordo...
(Porquê? - porque prefiro gente
vestida de branco, médicos e enfermeiros que nos podem tratar da
saúde a televisionar o Canal parlamento onde um conjuntos de
personagens cinzentas tratam de arranjar a devida milonga para nos
mandarem desta para melhor e não se gastar o que se descontou em
reformas.)
...continuando (deixemos o resto de
parte) ainda não soubera do falecimento de Urbano Tavares Rodrigues,
e como referido, ia encontrar-me com Pedro, o meu filho mais novo
(vivo), para almoçarmos (paga ele que já ganha algum) na Loja das
Sopas o que de resto recomendo e afirmo que estou a fazer publicidade
gratuita, quando, e já na estação dos Combatentes (curioso este
nome) entrou no metro uma família negra, mãe com um carrinho de
bebé e uma filhota de 9/10 anos – como boa mãe lá foi
respondendo à miúda sobre um sem número de perguntas, masque cá o
rapaz não percebia o diálogo estabelecido entre elas.
Levava um bloco de apontamento onde
habitualmente registo o que vou ganhando (quando ganho) e os esboços
daquilo que julgo serem poemas contos e outras cousas
mais...e escrevinhava um poema do tipo à “conversa com Camões”
traduzindo mais ou menos o sentimento dessa metade de dia dado que
ficara piruças com a notícia de mais cortes aos pensionistas, e que
era mais ou menos assim:
Hoje escutei, cuidadoso, Camões.
-Aconselhou-me ser prudente,
pois salvo raras excepções
não é mui de fiar...certa gente
«Amigo e poeta inda desconhecido
lede o que deste povo escrevi
algures pelos Lusíadas, em verso,
e acreditai:- fi-lo com amargura.
-Mas andei por sítios (pouco sabido),
conheci povos, e com eles comi;
_ sem cobrar escutaram o verbo
desta alma pecadora por ser pura
Hoje vivo, tivesse ele armamento
apenas q fosse u' ferrugento canhão´
enfrentaria treinado regimento
resgatando dos traidores a nação!
(-Hoje ouvi o rugido dum leão.)
Terminado o escrito em forma de
rascunho, suspirei de alívio e ao fixar a criança que continuava
com a tagarelice lembrei-me de Luanda, das crianças descalças a
jogar à bola, das ruas alcatroadas e aquelas ainda por, subindo-me
à memória a última vez que visitara a casa da minha tia Lurdes, as
correrias pelo empoeirado da rua, dos macacos pendurados nas árvores
e dos outros pendurados nos assentos do Parlamento de fato e gravata
na Capital que mandaram decapitar o Império sem fazerem nenhum inquérito
às hostes inimigas, posteriormente apelidadas de Retornados,
esquecidos dos milhares que nunca tinham calçado os bootes no
Terreiro do paço ou mergulhado nas praias de Carcavelos.
Embrenhado na divagação fui
sacudido por uma pergunta que a menina disparara à mãe (era mãe de certeza até pelo diálogo) à qual esta respondeu um pouco
insegura...
-Mãeiii o que é Guimarães?
-Éééé uma cidade...
-Cidade de Angola?
(momento de pausa)
-Não filha acho que fica aqui pra
cima!
Fechei os olhos; pela pronúncia
aquela mulher conhecia tanto Angola como conheço Júpiter e a memina
era mais Tuga que eu nascido em África, filho de um “colono” que
explorou uma negrita que só por acaso era a minha mãe casada
notarialmente, e com óbito lavrado em documento da República Portuguesa.
Visionei a AR transferida para
Angola, as praias do Algarve a abarrotar de mulatos negros e brancos
falando a mesma língua, sem acordos ortográficos e todos portadores
de um Passaporte Lusitano!
Felizmente estes momentos de loucura
são de curta duração e fazem parte das pequenas alucinações que
me assolam sempre que vejo, ouço ou leio gente eleita pelo voto de
um povo a emanar ordens que levem à esses mesmos eleitores à
escravatura – só que agora não será só branca!
Não consegui ouvir o nome da
pequena nem da mãe que deveria ser filha de refugiado, se bem que o
aprofundamento desta questão daria para tese de legitimação para
Candidatura à Presidência da República, ao abrigo da globalização
– imaginei Sengor a ser Presidente Portugalês e deixei escapar
«pior não ficaríamos!».
Mais tarde, por volta das 14:00 dei
fé então à morte de mestre Urbano, pela F.B. guardando 1 minuto de
silêncio em respeito pela sua alma. Mas a vida não para e lá fui
realizando as tarefas a que me propusera nesse dia. Chegada a noite já em casa, revivi
a cena no metro e pensei no defunto, escrevendo, à mistura com um
copito de tinto uma espécie de poema epitáfio
PARA TI URBANO QUE O NÃO LERÁS
Entre lutas ganhamos lutos
negro pano – fizemo-nos à luta
pagando elevados juros
chegados à “tal” idade adulta
Não foram apenas duras penas
que nos fizeram endurecidos,
mas por d'iguais vermos condenas
sem nunca delas(…)merecidos
Acaso (nha) terra não for jazigo
nas campas depositem cajus
e que das obras se faça jus...
Se nada mais (tivermos) d'abrigo
livros (teus haja com poemas
cobrindo iguais (!) dores terrenas.
Antecipando a informação de um dia
escaldante, tendo menos 29 anos que Urbano, decidi não desafiar os
raios ultra violetas quedando-me da parte de manhã em casa, e sem saber
porquê, talvez solidão, voltei a pensar na tal família de
escurinhos (sem que o marido ou pai estivesse presente),
especialmente na menina, recordando outros meninos que já no dobrar
da metade do ano de 1974, me perguntavam, vendo que envergava a farda
do Exército de Portugal se quando “Angora fossé indépéndénte os Góverno des Portugar ia par Nova Lisboa!"
Foi então que decidi escrever estas
linhas...
Fim
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