terça-feira, junho 28, 2011

Chacota até dizer basta...!

APENAS O 12

Mil novecentos e sessenta e quatro, era nesse tempo, como muitos, dos melhores e mais brilhantes cérebros do Liceu Nacional Salvador Correia, cujo nome ainda aportava de Sá e Benevides, um aluno repetente, não porque a matéria fosse dificílima os professores incompetentes, apenas porque naquela parte do mundo de uma África portuguesa a despertar em direcção a uma independência, estudar, para muitos, era um sacrilégio, ditadura paternal perda inquestionável de tempo.

Passados quarenta e seis anos, olhando o universo dos jovens licenciados sem emprego e sem futuro aqueles pontos de vista encontram na sociedade moderna, pouco é certo, sustentabilidade

Retomando a A1, estava uma bela tarde de verão, talvez Fevereiro ou Março, nós em aulas, que as férias por determinação metropolitana eram no cacimbo, frio e húmido, mais húmido que as quentes mulheres saídas do duche a pleno verão, e como tinha bichos carpinteiros lá dei motivos para ser chamado ao quadro para satisfazer a vontade da reinante professora – tratava-se de uma aula de matemática em que a única coisa que me agradava era a professora, que naquele tempo se apresentava aos meus olhos como uma deusa, ainda tenho de memória tal esbelta figura, da mesma forma que nunca esqueci o nome, conhecida e reconhecido como xôtôra Estefânia.

_ Diz-me os casos de igualdade dos triângulos

Diz-me! Fantástico, maravilhoso e maravilhosa época em que as professoras tratavam os candengues por tu, e nós, no máximo respeito, sempre as premiando com o cognome de senhora professora – xôpssra ^na escola primária, a tal que acabou onde se ensinava a escrever em bom português e sem acordo ‘ortografico’, e o famoso xôtôra no ensino secundário, onde os alunos jamais se atreviam a agredir alguém do corpo docente.

Não faço ideia do superior, porque em 1999 quando leccionei no FCDEF, a convite, os alunos tratavam-me por Adolfo, e só alguns por Mestre, estes sendo sem dúvida os mais chegados.

Lá comecei a desenvolver os meus pré doutos conhecimentos em ‘Mat’ diminutivo de matemática, um cadeirão que abraçava aritmética e álgebra para além de muitos chumbos no exame de final de ano, aqueles que chegavam lá por escaparem a sair ante do final de temporada por faltas, algumas disciplinares, porque naquele tempo os pais não tiravam satisfações aos professores por causa de faltas ou notas negativas, preferindo ajustar contas com o elo mais fraco ou seja com os fedelhos, e por isso elas eram marcadas nem que fosse para justificar a sua existência.

Terminado o 3º caso de igualdade, dei início a uma tentativa para dizer mais um, eis que, sacrilégio, fui interrompido pela xôtôra.

Inácio se me disseres o 4º dou-te o doze/doce

Fiquei na dúvida se era 12 ou marmelada que me calhava em sorte, mas se fosse aquele pastel plantado à minha frente, portadora de uma beleza que contrastava com o negrito do quadro de lousa, já riscado pelo giz branco até aos quatro cantos onde luzia um em cada canto os parafusos que o fixavam à amarelecida parede – sim porque as paredes do liceu eram amarelo desmaiado – também não era de desprezar ou rejeitar.

Na sala, risota em surdina deixavam perceber que o bom do artista teria missa cantada de gozo palermoide.

Fez-se silêncio até nos corredores e claustros, ao ponto do crocodilo ‘esbocejar’, porque o desafio fora aceite; o Génio dos Quadros, soberba petulância de puto safado, olhando as pernas da Estefaninha desde o tornozelo ao joelho, que o resto teria de ser imaginado, começou a desenvolver um conjunto de termos e referências ao mesmo tempo em que se percebia que o espanto se amantizara com a professora, e os colegas engoliam ‘xuingames’, famosas pastilhas elásticas vindas dos States, e pronunciadas já naquele tempo debaixo do novo e actual acordo ‘ortografico’.

E do silêncio sepulcral, a divina professora atirou

_ Parabéns, ganhaste o prémio

Não caiu o Carmo e a Trindade porque a malta nem sabia do que se tratava, porque só conhecíamos a sagrada Família por fora, e alguns só em quadro no dia de consoada

Ainda soava o elogio da professora, já tocavam os primeiros acordes da campainha alertando para o intervalo, período sagrado para alunos e professores, porque cinquenta minutos de aula a sério, cansava.

Começava ali o meu suplício para não dizer martírio, rodeado de colegas a dizerem-me que tinha safo o 3º período a Mat com aquele 12, e eu a referir inchado que ia comer aquele docinho!

Durante uma semana fui o desgraço da turma, chacota atrás de chacota, com as piadas, sobre o ter pensado que ia comer o bombom da professora, ao ponto dos mais kotas, gozando que nem cabindas quando me apanhavam na cantina, diziam ao Camões que se eu quisesse uma nata não havia problemas que a comissão de finalistas pagava.

Como desforra, deixava suspenso no ar que uma certa noite o rapaz adormecera nos braços da Vénus com Braços – nunca convenci ninguém nem a mim mesmo!

_ Professor já está na hora!

_ Faltam ainda 10 minutos Pedro

_ Podemos terminar mais cedo, quero ver o debate entre o Portas e o Sócrates?

_ Ok, deixa-me na Casa da Música!

_ E o Adolfo vai ver o debate!

Era impossível pois só chegaria a casa por volta das onze da noite, isto se apanhasse a camioneta das dez e meia; materiais arrumados e Pedro Moutinho deixava-me na estação do Metro; despedimo-nos com o tradicional shake hands e um bom debate.

Já dentro da estação inadvertidamente o meu pensamento voou para o ano longínquo do segundo ano dos liceus, sorrindo ao recordar o caso da igualdade dos triângulos pensando que aquela droga de matéria nunca me servira de nada, a não ser para escrever sobre o caso em si e manter viva a recordação que a belíssima professora Estefânia produzia – e o sorriso alargou-se, até ao momento em que os poucos utentes do metro foram acordados da sua nostalgia, ao transformá-lo numa gargalhada comentando

_ Aos doze anos temos uma boca tão grande que pensamos poder comer qualquer doce!

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