sexta-feira, outubro 23, 2009

Suave milagre


No dia em que será efectuada a 1ª apresentação pública do livro, VIVA A MALTA DO LICEU em Lisboa, na Fundação Cidade de Lisboa (Campo Grande, 380) - 23 de Outubro às 18h30m, quero juntar-me à efeméride oferecendo a todos os que colaboraram na feitura do mesmo, uma pequena história que tem 45 anos… metade dos anos do nosso Liceu.

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Uma história verdadeira com menos de 50 linhas

(para ler com atenção)


Intrigava-me na altura, tinha cerca de oito anos, o facto da minha mãe Albertina, depois do almoço, ter enorme pachorra para ler a Bíblia, sentada na sua “cadeira” na nossa varanda térrea virada a Nascente, e sobranceira à avenida principal. Tinha seguramente mais de sessenta anos na época, e eu não compreendia como é que gastava tanto tempo a ler aquela calhamaço. Quando acabou (pelo menos que eu visse) de ler o tal Livro Sagrado, pensei que, de seguida, começasse a desfolhar o Rim Tim Tim, ou em alternativa o Mandrake. Nada disso aconteceu; pelo contrário, voltou a ler “novamente” a tal Bíblia, desde o princípio, e página a página. Na altura fiquei convencido que andava à procura de alguma coisa que lhe tinha escapado da “primeira”. Ia fazer dez anos, e certa vez, uma das muitas que o meu pai, filho dela, me castigou, (daquela vez não me deixando ir ao cinema Restauração ver um filme da Marisol, que apesar de não gostar da voz da esganiçada sempre era loira bonitinha e um regalo para a vista de um fedelho que não podia entrar nos filmes para maiores de 12 anos) vendo que a minha mãe Albertina continuava a ler o raio da Bíblia, provavelmente pela 6ª ou 7ª vez, não resisti a perguntar:

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_ Mãe, porque é que estás a ler outra vez o mesmo Livro?

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Ela deixou cair os óculos para a ponta do nariz, olhou para mim, e disse-me com a mesma simplicidade com que Eça escrevera o Suava Milagre.


_ O Livro é mesmo, mas a história é sempre diferente...

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Olhou mais uma vez, e continuou

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_ Para além disso, ainda não consegui tirar toda a água do mar que o Menino Jesus meteu dentro do buraco que fez na areia da praia

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Ela continuou a leitura, e eu a amaldiçoar o meu pai pelo castigo que me infligira.

Por volta da 9ª ou 10ª vez que lia “de novo” a velha Bíblia, sentiu-se mal, e tivemos de chamar o médico da família – tivera uma indigestão ou congestão (não sei lá muito bem qual dos termos o “doutor” utilizou) mas que, pelo que ela costumava almoçar, não devia ter sido por isso, entendimento do senhor doutor.

Nessa mesmo dia, Nuno Viegas Vaz, como de costume, foi lá a casa e levou um cacto, que colocámos no parapeito da varanda; chovia ligeiramente quando nos deitámos, e na manhã seguinte, vimos que o cacto tinha dado uma flor, que foi crescendo, crescendo até ao por do sol, ficando enorme, branca, lindíssima.

Na manhã seguinte, quando assomámos à varanda, a flor tinha murchado; vivera apenas vinte e quatro horas. Felizmente que a minha mãe pudera ver aquela flor, e ao reparar que murchara, apenas abanou a cabeça.

Que pena o Nuno Viegas Vaz não ter tido tempo de tirar uma fotografia àquela flor…

O curioso, e que nada tem a ver com a história do cacto, a partir do dia em que a minha mãe, avó, sofrera aquele acidente de saúde, nunca mais leu a Bíblia, passando, depois de totalmente recuperada, a frequentar a igreja Adventista, que ficava por detrás da nossa casa, a pouco mais de cinco minutos de distância, e a “passo de lesma”.

O meu tio José, irmão do meu pai, e também filho da minha mãe Albertina, perguntou-lhe por brincadeira se mudara de religião…e ela, utilizando o mesmo mote, respondeu, acompanhado com um encolher de ombros:

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_ O Deus é o mesmo, e este caminho até Ele, é mais curto.

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Quase meio século depois recordei-me destes episódios, e do quanto tão perto estamos d’ Ele, o quanto ignoramos que o caminho entre a vida que nos deram e a morte que nos reservaram, é tão curto.

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Inácio Castelbranco

1 comentário:

Anabela Simão disse...

Olá Inácio!
Recebi as tuas mensagens mas não havia hipótese de responder, tal a movimentação. Aliás, não acabou ainda...Se ainad vou a tempo...obrigada!
Foi um fim de tarde fantástico! muita gente, e todos (ou quase) encantados com o nosso (dos ex-alunos) Livro!!!
Estou orgulhosa de ter podido participar na sua realização. Foi um trabalho feito com prazer e com muito carinho!
E...a tua história é muito bonita e doce!!!
Um beijinho
Anabela

 
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