quinta-feira, junho 22, 2017

NA GARE DA ESTAÇÃO

NA GARE DA ESTAÇÃO 


Esperava o comboio pacientemente; na cabeça um chapéu com uma fita azul, calças esfarrapadas nos joelhos, blusa de marca adquirida no chinês e sapatilhas com o símbolo da Nike. Mais à frente, muito bem-posto, um tipo vestido à anos cinquenta aprecia um gajo com ar de charlatão desapercebido do andar provocante duma mulher de cabelo ondulado mala preta, sandália castanha nos olhos um quase brilho mas baço sorriso forçado, é visível tristeza, e do lado oposto um esguio rapazote abana a mona ao ritmo kizomba parecendo surfar uma onda. No chão abandonado um pacote, algo dentro sem que alguém tenha a certeza ser lixo, mas provocando tal cagaço que nenhum dos presentes o apanha. Não havia greve mas vem atrasado, um homem verifica se traz o passe, uma velha de bengala leva um safanão mas opta por calar-se e lá se aguenta pois mais vale engolir a ter um desgosto enquanto de costas o neto faz um like no telemóvel, ostentando ar burguês igual a tantos outros fedelhos que andam na vadiagem nas praias do sul vezes sem conta com a família ausente.
Sem chamar à atenção, sorrateiro, um tipo de capuz com a cabeça coberta abandona o local. Ninguém impede e apenas um agente da bófia à civil franze a testa, dir-se-ia que estranha por estranho parecer o comportamento “Entrar na estação ficar junto à linha sair sem esperar pelo transporte que raio perpetrou o encapuçado”, e pela cabeça imagens dum bombista levantaram dúvidas ao policial decidindo partir em sua peugada como tratar-se dum confesso malfeitor disfarçado de punk múltiplas tatuagens piercings brincos e várias pulseiras. Porém a jovenzita de jeans sem peneiras desata a correr nas tintas pró pudor gritando como noive abandonada ao pé do altar já de vestido nupcial. - Só um ancião desfolhava uma revista, e já perito sabia-se velho para ser caçado, mas sem estar às portas da morte, nas tintas para a velha e sua ladainha. Súbito ouve-se um rebentamento e uma nuvem, coloração acastanhada, envolve a gare – parecia estar-se num covil sentindo-se um cheiro agoirento fede apelando sensivelmente à morte certa só faltando, fosse cortejo fúnebre, o coveiro.
Tranquilo, Josué Curtido Pinto Avestruz que assistia a toda aquela movimentação abana a cabeça em sinal de condena como se para ele episódios de terrorismo fossem seu sustento em cada dia,

- «Que raio deu nesta triste gentalha para entrar repentinamente em alvoroço» e sem demonstrar qualquer incómodo dirigir-se ao trem que finalmente chegava e amarrotando o maço de cigarros vazio e exclama com convicção, “nunca mais fumo”. 
Baixada a noite saboreando um sumo sentado numa esplanada à beira-rio Zeferino Amadeus Lapelas divagava.

- Sabes amigo Curtido de qualquer modo amanhã contamos contigo ao almoço a Lévia faz bacalhau com batata palha mas se preferes, vamos no ensopado de enguia deixa-te de tanto e grátis pessimismo pois há muito que já cumprimos a nossa pena.

Cobria a TV incêndio de brutal dimensão e não fora na gare da estação de Queluz.


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Cito Loio
16/Junho 2017

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