quarta-feira, junho 29, 2016

Já não sobram lágrimas




Rui Caçola, amigo do tempo da primária no colégio Sant’Ana em Luanda desafiou-me para escrever uma espécie de poema que falasse do velho Liceu Nacional Salvador Correia que pretendia ler no almoço dos antigos alunos da instituição.
Ousado, teria de escolher entre uma Odisseia ou um simples relato em verso sem entrar em polémicas e suficiente curto para não ser maçador. Usando a memória do último ano em que frequentei o liceu, até Junho/Julho de 1973 coloquei em papel palavras que simbolizassem o Edifício e as gentes que construíram uma história incomparável e que abarcou gerações que afinal já eram evoluídas para o tempo.
Quantas vezes se escutaram baladas que viajaram sobre um mar proibido ultrapassando as ondas gigantescas da censura chocando com a revolta duma juventude que lutava sem disfarce para se libertar. Uns choraram de alegria outros vestiram o luto da desilusão e eu vi-me obrigado a aceitar que “Errara todo o discurso de meus anos”.

Recomposto ofereço agora escrito, publicado o poema que o Rui leu. Obrigado meu amigo
Viva a Malta do Liceu
(Inácio)

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CLAUSTROS DA NOSSA PERDIÇÃO
(Pela história do Liceu Nacional Salvador Correia, transformo esta singela homenagem num Hino de todos os que por lá passaram)

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Por muros e portões q’ainda sabemos erguidos
elevemos histórias incríveis de tanta gente sã,
estudantes investidos de uma cultura épica
assinalando-se arcaico respeito aos professores
que honrados, subiam a escadaria de um Liceu
intemporal, e sóbrio se mantém vosso, meu e teu,
por onde do alto da torre, em tempos c’ sentido
avistava-se u’ imensidão de alunos pela manhã,
que à tarde e pela noite outros de igual ética
passeavam (anseios calados) pelos corredores
balneários, ginásio, cantina, até pelo salão nobre!
- Em nossa honra, tarde o dia que o sino dobre.

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De laboratórios, passarinhando p’la sala do piano
havia distintas alas, profes em quem me reconheço
iam a um certo bar, dispensado consentimento,
brindar com pratos de tremoço e cerveja a copo,
o valor duma diligente reitoria. Admitam ‘aparte,
às vezes pedia: Bendito álcool e que nunca ‘farte!
- Mas ao toque da estridente sineta, aberto pano
eis o plinto! – Dispense-me desta aula, eu mereço
e preciso falar com ‘padrecas, não dá o sacramento
só por anteontem lhe ter dito – nem a Deus topo…
mas não marque falta de presença senão chumbo
e o meu kota certifica-me – “és bué matumbo”!

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Aliciantes foram aqueles tempos de efémera fartura
ora despertando ‘dúvida, mas por juízo de razão,
far-nos-ia retroceder, mesmo saboreando ‘ditadura.

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E se ‘devaneio ordenasse, dávamos, por curta a vida,
as mesmos cabeçadas nos claustros da perdição,
sem mudar destino a esta vida, só por nós escolhida.

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Amando, neste remoto Liceu, despedaçámos corações
arrostando tempestades numa epopeia de emoções.


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Cito Loio

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