sexta-feira, junho 10, 2016

DIA DA MINHA RAÇA



Comemora-se neste 10 de Junho também e ainda o dia de CAMÕES, já sem a Raça que o poeta tanto quis e enalteceu.
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Passaram-se quase 50 anos que tomei contacto com o poeta e sua Obra, desconhecendo marcar-me tão fortemente como hoje reconheço, se bem que nesse tempo, confesso, ter sido uma estopada dado não abordar tremunos de bumbos e anguetas, nem o roço de coxas nas matinées dançantes do Cine Tropical.
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Lusíadas era dado no ensino como uma espécie de bomba atómica prós cábulas, daí que para a maior parte da malta do meu tempo nem o querem recordar. Porém a Odisseia é muito mais que o canto dos Bravos marinheiros, Navegantes dos 7 mares, Cruzados por terras do ímpio, a vontade duma Dinastia ou a mentira dum Reino; é no meu entender a sublimação do sofrimento dum povo que se fazia grande a cada século, com erros e virtudes, sem palas nos olhos, tentando buscar mais além terras e riquezas que pudessem minorar o sofrimento das gentes e os défices da própria nação.
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Colocando o chicote de parte, aos alunos deviam ter-lhes contado os Lusíadas no tipo Colecção 6 balas ou filmes de Bud Spencer; quis contudo o Ministério que criássemos aversão aos Cantos e aos mais de nove mil versos escritos, sem o corrector da Google, que violentamente tivemos de analisar, estrofe a estrofe, dividindo orações e descodificando a semântica de cada pensamento expresso no texto. Erro dos mandantes dessa época; todavia do outro lado da face de Luís Vaz, do lado onde não descortinamos a pala do zarolho, conta-nos o homem em forma de soneto muito mais que tristezas amorosas das amantes perdidas, como se julga ao ler-se Alma minha gentil que te partiste, ou Erros meus má fortuna amor ardente…
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Para mim coloquei de lado essas histórias do tipo Bela Adormecida ou Alice no País das Maravilhas pois entendi, porque escrevo e declamo, que a alma a que se refere é à própria identidade como ser pensante ao dar-se conta que afinal os sonhos são apenas isso, e que do sonho à realidade ia um Adamastor de enganos. “Lá no assento etéreo onde subiste protege-me para que não volte a crer em quem me traiu”.
Erros meus, sim, porque errou todo o discurso dos seus anos, dedicando à pátria o que tinha de melhor; e tinha a força duma juventude antes de a ver consumida no fogo do infortúnio, finalmente dando fé que desta pátria não “vira senão breves enganos” implorando ao criador que o levasse enquanto não fizesse escuridão na terra. Lamentaria Camões não ver aprovada a Eutanásia caso fosse proposta pelos revolucionários da altura antes de se avizinhar a Abrilada
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Camões político introspectivo mordaz e outros atributos que desconheço mas que entendo poder enquadrarem o perfil do Homem, mais do que no poeta, fizeram-me reler cento de vezes o soneto “Sete anos de pastor Jacob servira”, mergulhando então nas palavras versos estrofes, e essencialmente no que, quase cegando, abanava a minha alma de poeta revolucionário, concluindo que o soneto antes de mais representava – a revolta contra a injustiça da força de quem manda contra a fraqueza de quem obedece.
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Labão, o mandante, servindo-se da falta de legislação manteve Jacob num regime de escravatura Laboral, algo fora dos usos e costumes do século XXI. Depois a falta de direitos levaram a aceitação de tarefas sem reclamações ou advogados do diabo que ajudassem o contratado – e aqui o narrador sobrevaloriza a determinação dos oprimidos na luta pelos seus ideais e o que os pode levar a servir outro tempo igual, pois Jacob estava disposto a servir pela pessoa amada outros 7 anos, nem que não fosse para a ver por mais um dia, sabendo que sozinho jamais alcançaria a Liberdade.
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Quando me coloco na pele de Labão sinto temor, pois vejo-me confrontado com a decisão de uma filha, Lia, que não aceita por solidariedade com Raquel, e também numa demonstração de libertação feminista, ser moeda de troca para os interesses financeiros do pai. È o princípio da revolta do próprio poeta contra a opressão, a violência familiar, a subjugação dos filhos dependentes aos pais tiranos, e ainda a primeira e irrevogável afirmação que a mulher não devia ser objecto de troca por vontade dum qualquer proprietário, mesmo que esse fosse o progenitor; que pai é quem assim trata as suas próprias filhas?
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Estará o século 16 tão distante do actual?
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Definitivamente Luís Vaz não era só o chatíssimo poeta das Armas e Barões Assinalados, antes apresentava-se aos meus olhos como a consciência dos oprimidos e daqueles que se iam valorando a cada onda, a cada tempestade, esperando que ao leme duma frágil Nau houvesse um Vasco da Gama capaz de voltear o cabo das Tormentas.

Mas faltava algo no soneto, algo que não podia deixar de me surpreender ou tão pouco passar despercebido. Afinal de contas, e sem que o frisasse, Camões coloca o dedo na ferida sabendo que pagaria caro todo o atrevimento de quem ousara acusar um reino que outrora tanto sublimara. A sociedade desse tempo era efectivamente aos seus olhos, patriarcalmente desnuda de escrúpulos, e elevando os olhos ao Olimpo, já descrente da bondade de Deus, relega Eva para uma mera procriadora face à vontade dum deus malévolo que depositou nas mãos de Adão o cajado da liderança, e condenou-se a si mesmo sendo no fim, como todos nós, esquecido por aqueles a quem servimos, quando deixamos de ser fundamentais ou utilitários nos objectivos programados pela classe reinante, onde nem a própria mãe merece qualquer respeito, e e tal a revolta, que o Poeta não fala da mãe de Lia e Raquel em toda a extensão do poema. Seriam órfãs, Labão viúvo, ou quem sabe se a mulher esposa era tão desprezível que nem direito tinha a pronunciar-se sobre o destino das filhas! Ainda não existiam barrigas de aluguer…

Hoje, não me custa admitir que este Homem fosse mais do que um simples poeta, os Lusíadas uma obra intemporal na condenação ao reino e à sociedade da altura a que se proibira colocar na Odisseia, e tenha com genialidade optado por a colocar humanamente num tratado absoluto sobre psicologia/filosofia/política/direito, em apenas 14 linhas distribuídos por 4 parágrafos. (!)

E diria hoje: Mais lutaria se não fora, para tão longa a batalha tão parcas as munições.

Continuamos a cruzar os oceanos, e mais uma vez… em busca do oiro e das especiarias



Adolfo Castelbranco d’Oliveira
8/6/2016

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