sábado, fevereiro 05, 2011

O encontro

Brilhava o sol nas minhas costas ao dirigir-me para a estação do Metro de superfície daquelas que um gajo apanha um briol do “carago” no inverno para além dumas rajadas salpicadas de pingos de chuva fria e desagradável, para além de ter de escutar um “foda-se caralho puta que pariu o frio” da boca de uma velhinha cuja reforma oscila entre a miséria e a falta de granel para comer carne uma vez por mês,

mas cujo gestor! desta “companhia” que anda em cima de carris ganha a módica quantia de 96 ML euros de mensalão numa empresa que tem um prejuízo anual de 138,400 ML - ões/ano, isto tudo sem qualquer pudor ou cobertor.

Ao chegar aparelho de passar o passe e dar green, reparei na pouca afluência de gente. Instintivamente olhei para o telemóvel para ver as horas e verifiquei serem 13:20 h, o que me levou a concluir estar-se na hora do almoço, ou, por se tratar de sábado os miúdos das escolas circundantes ao local estavam a dar cabo da paciência aos avós.

Esperei pouco mais de um minuto, penso que não chegou aos dois, quando se escutou o apito do comboio a chamar à atenção para não se descuidarem ou esperam pelo próximo.


.Entrei calmamente, direi espaçadamente e tive o privilégio de escolher a carruagem; fiquei como quase sempre em pé, olhando as pessoas que viajavam e surpreendeu-me verificar que havia muita gente a ler livros, na esmagadora maioria, direi até 99%, eram mulheres – os homens liam as páginas de futebol dos jornais de desporto. Portas fechadas e o metro lá segue a sua rota, até à estação seguinte; estava tão distraído que nem reparei se era a da Rotunda, mas certamente não ia em direcção a Matosinhos disso tinha a certeza.

Dois minutos tardou a máquina em parar; distraidamente mas com curiosidade reparei nas pessoas que entravam, até que uma rapariga vestindo um facto de treino, calaças cor de cinza rato velho, e o resto tapado pelos sacos, falando ao telemóvel, fez sinal na minha direcção, com o ar mais natural deste mundo, como se me conhecesse seguramente há 10 anos.

Retribui o mimo com outro sinal, do tipo eu!!! e ela nem dando tempo a recompor-me do espanto, começou a dirigir-se até ao local onde me encontrava sempre com o “telelé no orelha”, até se postar em frente, olhando-me com ar de gozo, mas sem desligar o aparelho. Claro que me senti a fazer figura de tolo, com todo o macacal a pensar ‘mas que grande engate’, até ao momento que ela termina a conversa e se dirige a mim.

- Olá estava a falar com a minha colega...

Retorqui com um oláááá; até aí percebera que falava com alguém que estava do outro lado da chamada, mas não imaginava quem era aquela rapariga atrevida se bem que a cara não fosse totalmente estranha, não o rosto em si, mas um certo trejeito de boca no falar.

(Não meus amigos e amigas nada disso; a vida prega-nos imensas surpresas e elas vêm de onde menos esperamos)

- Não te lembras de mim?

E veio mais um momento de silêncio, de mistério, quase uma cena empolgante do Titanic – ela olhando e gozando e eu...feito cabra pela falha de memória.

Aproximou-se um pouco mais, quase roçando-se, e reparei que tinha uns olhos bonitos, matizados de verde e castanho, um brilho enfático por detrás do sorriso quase lágrima de alegria – e continuava a mirar-me docemente.

É nestes momentos, em público, que sentimos que somos de facto frágeis – pelo que auto-aconselhei a não dizer nenhum disparate; silêncios que valem por oiro.

- Sou a XXX do YYYY do “Parque Nascente”, como estás! Já passaram tantos anos...

Porra para as carruagens que não têm um buraco para um gajo se esconder. A memória viajou para a década anterior, e visualizei o rosto, o balcão a loja e recordei-me dela, menina, talvez com 18 anos, simpática e sempre pronta para conversar comigo – e lembrei-me de um almoço que fizemos em conjunto com uma amiga dela, numa tarde sem registo, mas agradável.

- Já me lembro, bem olhava mas não chegava lá – como estás por ondes paras !!!

- Trabalho numa empresa de telelés e estudo desporto, sabes, já estou com 30, diziam-me que não tinha idade mas sinto-me bem e tomara muitas mais novas serem como eu, e só estou arrependida de não ter seguido o teu conselho; devia ter retomado os estudos naquela altura, mas...

- Deixa lá, ainda és muito nova e fizeste bem, oxalá ‘outros’ te seguissem o exemplo.

- Estava a falar com uma colega que é professora,

- Deu ara perceber, mas fico contente saber que estás bem.

Naquele tempo confidenciava-me os seus problemas – penso que encontrava em mim o suporte que certamente não tinha familiarmente – e foram as vezes sem conta que lhe dissera que voltasse a estudar que balconista não era futuro para alguém com capacidade e nível intelectual que ela apresentava. Claro que outras confidências guardara-as tão fundo que já não as recordava.

Lá fomos conversando, dialogando, rindo, brincando, o Metro andando e a dívida aumentando a cada metro, quilómetro, a cada funcionário ou segurança de empresas Privadas a fazer o que devia ser feito por menor custo por fiscais internos, mas que se assim fosse a dívida não crescia e alguns que vegetam à custa da vilipendiarem o nobre erário público, não se governavam com as luvas que ainda não têm cotação de mercado.

Estação da Trindade, blá blá blá...

Perguntei-lhe se saía ali, ao que respondeu com simplicidade, saio só na próxima, sem fazer tensões de se despedir antecipadamente.

E lá fomos contando a nossa vida; eu contando as tristezas que crescem na estrada para a velhice e ela cantando a alegria a caminho dum curso superior e ambos satisfeitos pelo encontro.

Aproximava-me a estação da despedida, e com ela o silêncio da despedida – vemo-nos por aí – deixámos escapar quase em coro.

O metro parou. Aproximou-se ainda mais de mim, abraçou-me passando um dos braços por cima dos meus ombros, deu-me dois beijos e disse-me ao ouvido – obrigado, foi tão bom ver-te.

Saiu como entrara – não me perguntou onde me encontrar nem eu lhe pedi o paradeiro. Aquele encontro estava marcado, e selado com uma estranha amizade. Ela nunca esquecera o meu rosto, e eu, os conselhos que lhe dera. Não sei que direcção tomou, não olhei para o lado de fora da carruagem mas estou seguro que ela não se voltou para ver o Metro arrancar.

Pensei nela quase menina, agora uma mulher verdadeira, segura; trabalhava para ganhar o que lhe pagavam de vencimento e estudava para ser uma doutora. E pensei na minha gente, no povo de Amália, na fé com que certa juventude ainda acreditava no futuro e no país, e dei comigo a interrogar-me se este Governo, se estes Partidos, mereciam ter esta gente para fazerem deles bonecos de matraquilhos.

Estação de Campanha; apeei-me e segui em direcção ao autocarro. A viagem de regresso a casa ainda não terminara, a tarde mal começara e a fome começava a apertar.

Já em casa, abri uma garrafa de maduro tinto, coloquei 1 dedo de vinho num copo, depois juntei dois de leite meio gordo fresquinho e preparei o Adolfo’Baileys

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