Os olhos que nunca vi ...
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Avé do Carmo
| A vinte e oito de Outubro de mil novecentos e cinquenta e três, dia de São Judas Tadeu, às vinte e duas horas, numa casa de saúde privada da cidade de Luanda, nascia (mais) um rapaz de raça “mista”; assim lavraram no registo. | |
. Era uma quarta-feira, de noite cálida e céu estrelado. .
Ao final do segundo dia, Maria do Carmo começa a sentir contracções dos músculos mandibulares, e dificuldades em abrir a boca; não se sentia bem, sofria.
Os médicos entram em pânico; ela permanece lúcida e sem febre, os espasmos dos músculos das costas e o arqueamento do corpo dão indicações do que estava a passar.
Apareceram os primeiros espasmos dos músculos secundários. Ao terceiro dia a febre aumentou quatro graus; a rigidez era de tal forma acentuada que não conseguia ingerir alimentos. .
Dia um do mês de finados, a situação era incontrolável com espasmos constantes, a tensão arterial disparara e entrara em taquicardia.
A morte anunciava-se, vestira uma bata branca, e trazia ao seu lado o sorriso da vitória. Até àquele dia ninguém a conseguira vencer. .Maria do Carmo asfixiava a cada hora, e cada hora contava com os mesmos minutos, os mesmos três mil e seiscentos segundo de agonia.
Envenenava-se , o coração acabaria por deixar de bater, e ela estaria lúcida no exacto momento em que olhasse um Deus que não tinha a sua cor. .
Na madrugada de Novembro, depois de registar um nascimento, o mesmo médico assinava um óbito. Falecera com vinte anos de idade aquela que fora mãe ausente por sete dias, e uma recordação por toda uma vida. |