terça-feira, agosto 24, 2010

Paxi Ni Ngongo


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UAMIÊ

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Rasgado no horizonte, foi o céu

Por um voo gizado e alucinado

Da ave que em plena liberdade

Desenhou o mais belo mapa

De uma terra por mim esperada

Um solo que era tão sagrado

Tão calcinado pelo quente Sol

Quente dum quente tão Tropical

Queimado estropiado, regado

Lágrima vertida incessante sofrer

Dos anos e anos de duro afazer

És a África, máquina diabólica

No crescimento, se contínuo

Derrame da esperança contínua

Perdida numa luta e no luto

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Ó mistificações de teus credos

Ai vida, ai meus amores, quero

Esvoaçar-me no teu céu matizado

Grávido de azuladas nuvens

Percorrer pontos cardeais

Brotar contigo os milheirais

Ver nascer despontando cereais

E estatizar-me no branco alvo

De sublimes algodoeiros em rama

Anichar-me e ver o que tramam

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Ó qual desenho arquitectónico

Estonteias, perdida uma alada ave

Que a pleno voo s’entrega atónita

Ao resplandecer assaz áureo

De um despontar já em vida

Do desenho mais belo, virginal

Desta marginal terra bordejada

Coberta em espuma enternecida

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E se bastar és África terra querida

Angola, chão de alma amiga

Meu povo, minha casa querida

Ou apenas, carne minha!

Cito

18 de Outubro de 1974


segunda-feira, agosto 23, 2010


AINDA NÃO SOU ATEU

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Recebeu-o no regaço e feita cama lavada

Amimou-o limpando a testa, fria e suada

Humana secou o sangue com os cabelos

Sarando chagas com a ponta dos dedos

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Estendeu braços tombou o óleo unguento

Para lavar os pés e as partes sem intento

Num vai e vem em surdina e cantarolando

Uma ode para balsamizar um triste pranto

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Depois cobriu-o com seu corpo já deitada

Blindando-lhe a vida que fora ressuscitada

Mostrando lágrimas de uma agonia prenha

Ao ver o crucifico cor de madeira castanha

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Sem saber que num céu a fria cavalgadura

Insensível à dor e dono da sua investidura

Deus via, Madalena sangrar tão puro amor

Que a Cristo se oferecera casta, sem favor

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E tal como o Caim lhe matara seu filho Abel

Permitiu omnipotente que fermentasse o fel

Que na bíblia ela fosse só uma primeira puta

E a acusassem sem dó de uma livre conduta

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Com a voragem que o tempo mata a história

Adultero as escrituras não aceitando a glória

Esvazio a palavra Deus de qualquer sentido

Em rejeição ao que por ele antes era devido.

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Cito Loio

22 Agosto 2010

domingo, agosto 22, 2010

Oui, J'aurais t'aimer

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O melhor da minha existência, lavando lágrimas da revolta, amor universal, ao sentir que a guardei toda vida no caminhar pela sua ausência em catarses da minha loucura nos mortos que não chorei e no irmão que não soube amparar.

Em ti Adolfo, com as águas do oceano pinto as cores da nossa África com fantasmas que nos venderam ainda não tínhamos idade sequer para sofrer.

E por saber que a amaste com o mesmo ímpeto que a esqueceste sublimando-a em danças loucas ao som de notas que não tinham som morrerei contigo ou por ti no momento em que a vás encontrar

Mas se acaso não a vir e a minha memória por cá perdurar dá-lhe um beijo nos lábios e diz-lhe que a amei sempre na ignorância

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QUASE LUTO

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Algures está, e não sei sequer onde habita

Sinto dentro de mim o sopro do seu pensar

Sua fala, o sussurrar um muito que me quer

E que um dia me dará, por fim, o seu amor

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E faço-me menino quase parece que medita

Simulo entre um bem-querer um mal te quer

Rio disfarçando agulhas que me dão penar

Adormeço com pavor, medo, sem seu calor

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Em cada noite escura como breu estremeço

Estendo braços carentes, mas não a sinto

Percorrer o corpo, oferecer gélidos arrepios

Em múltiplas sensações ao sentir sua mão

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E mato algumas saudades que não mereço

Desafio toda a vontade ao dizer, “eu minto”

Quando prendo insensível, com frágeis fios

A lembrança não guardada, na imaginação

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E fui crescendo entre as preces e a lástima

Calcorreei gastas memórias de tanta gente

Misturei tantos amores que não eram meus

Banindo-as porque para mim eram injustas

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No céu procurei-te, vertendo uma lágrima

Embaciada, tapando tudo à minha frente

Para evitar que deitasse culpas só a Deus

Ao saber que Suas decisões foram justas

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Corrompia-me por dentro a tamanha falha

O não saborear beijos duma mãe não tida

Doce carícia duma pele que me protegera

Da maldade barbara de cada ser impoluto

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A velhice a chegar, hoje, ou quando calha

Ensinando que a vida é, dia a dia repetida

Que não há baús para o que tanto sofrera

E no meu caminho haveria, escusado luto

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Agora, e quando a morte já se faz amiga

Esperneio-me pleno de raiva e não choro

Que não encontro dela, afago que preciso

E nem descanso a cabeça no seu regaço

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E tu em meiga carícia, qual celeste cantiga

Ofereceste-me, Maria, esse teu infértil colo

Para descansar a alma, e ter no teu abrigo

A foto e o nome dum corpo que não abraço

...

Cito Loio

18 Agosto 2010



Cor da Fé

Para os meus amigos que sentem que a LOUCURA merece um Elogio

PAPA, bom domingo, e que para a sua próxima consagração dominical se dispa de vestes de ouro que Deus não tem a cor desta Fé

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RELÍQUIA DE MENINA

by Adolfo Inácio Castelbranco Oliveira

on Sunday, April 4, 2010 at 2:14am

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O dia acordara há duas horas; eram oito da manhã, o tempo estava quente, os raios de sol entravam pela persiana de madeira que defendia a vidraça de pedras que podia saltar incautamente da mão de algum “candengue” desajeitado e...lá acontecia o rombo no orçamento.

“Ela” dá um salto da cama, enfia os chinelos corre para casa de banho e manda-se para dentro da banheira.

Tinha de se arranjar rapidinho pois era Domingo e não queria chegar tarde à Missa das onze. Tinha tempo, mas combinara com a sua amiga Carmito passar lá por casa por volta das dez.

- Sai um chuvarada rapidinha que mana Carmito espera-me!

Depois de fazer tudo o que teria de fazer, (e neste caso não tenho conhecimentos para especificar) enfia o “mata-bicho” pela goela abaixo, um “inté dona Mãe”, e sai airosa, respirando o ar puro, em passo ligeiro, cumprimentando pelo caminho tudo quanto era amizade.

As mulheres ao passar gabavam-lhe o andar de menina virgem e a beleza do vestido que se ajustava ao corpo sem no entanto o fazer sobressair, até porque as curvas ainda não se tinham definido. Levava um vestidinho ligeiro, sapatos de cabedal, uma malinha bem à menina, o cabelo, de tamanho médio encarapinhado e hesitantemente caído sobre os ombros

Como não podia deixar de ser, consigo o “rosário e a bíblia”. De tenra idade, era uma das meninas crentes da cidade, praticante assídua da missa e da catequese, lugar privilegiado para se encontrar com as coleguinhas e as amiguinhas que não moravam nas redondezas, e não escondia a sua religiosidade, o seu temor a Deus e o respeito à lei divina.

Não demorou muito a apanhar a amiga e seguiram para a Igreja – a missa não esperava por elas, e queriam sentar-se nos bancos da frente para não perderam pitada do que o senhor padre ia dizer naquela manhã.

Depois era o tempo da hóstia, da confissão, de dizer o mesmo porque na sua idade o único pecado que tinha, aos olhos dos homens era ser nova demais, e eles respeitarem de certo modo os mandamentos.

Era na despreocupação que “Ela” soltava a liberdade sem mostrar leviandade, sem mostrar sentimentos que não fossem os da caridade, do amor ao próximo do fazer o bem pelo simples prazer que isso lhe dava.

Chegadas à igreja, dirige o olhar de respeito pelo o Crucifixo, benze-se e senta-se ao lado da amicíssima amiga que a acompanhava em cada Domingo de reza.

Aos seus olhos Cristo não tinha a mesma cor, nem carapinha na cabeça. Mesmo desconhecendo que os houvesse de carapinha, “Ela”nunca deixou de acreditar que aquele era o Jesus de todos os seres vivos incluindo a “Cobra Piton a Marabunta Lixada ou mesmo a Hiena Malvada”.

Olhava e não entendia porque é que Deus era branco, mas isso não a incomodava; ela queria que Ele a protegesse, que reservasse um local para ela e para toda a sua família e animais amigos, bem no meio do céu.

Na hora da toma da hóstia fechava os olhos e permitia que o padre, sem luvas, depositasse o pedaço de pão na sua boca simbolizando o corpo de Deus – mas quanto ao vinho, e havendo homens na igreja, não percebia porque só o padre bebia o sangue de Cristo.

“Brrrrr que nojo” e arrepiava-se toda; beber sangue – lá comer o pãozinho sem paladar ainda não era mau de todo, mas agora sangue? Vampiro!

O Domingo, depois da missa, seria calmo, e ela, juntamente com as outras amigas dariam azo a mais uns minutinhos de cochicho de menina e depois tinham que dará à sola que as donas de casa não estavam para trabalhar fora de horas.

O tempo correu, a noite chegou e com ela a entrada da nova semana, em que “Ela” iria, com mais amiguinhas fazer a sua 1ª comunhão. Estava a ser uma semana complicada, os dias teimavam em não passar e ainda por cima cada um tinha 24 horas – uma maçada.

Nessa semana, apareceram uns meninos a pedir esmola; magros, maltrapilhos com cara de fome. “Ela” não tinha dinheiro, era nova, não podia ajudar – elevou os olhos na noite olhou para o céu, e não viu todas as estrelas a brilhar. Uma desaparecera, tendo-se sabido, no dia seguinte que um menino tinha morrido. Era pobre, como pobre eram imensos.

Pela primeira vez a dúvida se Deus era justo envolveu-a, mas na ânsia de fazer a primeira comunhão depressa o pensamento voou para a preparação do acontecimento.

Ei-lo chegado, o dia, o Domingo, e o bem vestir que não se faria rogado – nessa manhã dona Mãe não deu espaço à filha; ela mesma queria vestir a sua menina, queria que estivesse linda quando, ajoelhada, orasse a Deus.

Um vestido de tecido branco até aos pés, na cabeça um véu de renda bordada amarrado por baixo do queixo em laçada lassa para não ferir, e nas mãos, o Crucifixo e o livro da de Deus.

Nas imediações do “Templo” antecedendo o pátio, algumas crianças negras estendiam as mãos aos “escolhidos” para mais um banho litúrgico.

Nos seus rostos desenhava-se o perfil da tristeza, o som da fome, a cor da miséria; eram o espelho da Injustiça, mas também e apenas um número que ainda não fora especificado – não contavam para os governantes e não tinham direito a sentar-se à mesa com Cristo.

Esta era um quadro que corria em paralelo por outras partes do mundo, em versões tão originais quanto a que se podia “apreciar” ali, junto àquela igreja, situada na capital de um território que não sendo livre era de todos. Luanda continha, como outras cidades, aquela obra-prima universal, que não fora pintada por neves de Sousa, Dali ou Michelangelo.

Eram quadros pintados pela Ignorância daqueles que votavam crianças, seres humanos, à morte antecipadamente anunciada. E “Ela” sentiu um nó na garganta, o laço a asfixiá-la - eles tinham a sua cor, e Deus era um branco de longas e alvas barbas vestido de fino manto, “unhas arranjadas na cabeleireira do bairro”, e criara o homem à Sua imagem!

De tenra idade não compreendia o profundo segredo das escrituras, mas sabia, que o Deus pintado nos quadros, o filho d’Ele pregado na cruz, nada tinha de semelhante aos meninos da rua.

E sentiu que também com ela nada tinha de semelhante; nem o sorriso nem a alegria, e reparou que os deuses estavam sempre com a cara de zangados – certamente por nunca terem sido meninos.

- Não é justo!

Não era justo, Deus era injusto, pensou. Porque é que ela poderia ter um vestido lindo de comunhão e os outros nem à boca lhes chegava em cada dia o pão. Reles não podiam rezar: «Pai-nosso que estais no céu, dai-nos o pão de cada dia», porque aqueles meninos não tinham dia – só noite.

“Ela” sentiu o sabor amargo da palavra «Injustiça»; a injustiça que teria de acabar, porque ela pediria a Deus que fosse como ela, amiga dos meninos, e justa com os pobrezinhos. Eles não tinham culpa de não O conhecer, não falar a Sua, não vestir com Ele.

E “aquela menina” entrou decidida na igreja.

A confissão, a homilia – era chegado momento de se dar início à Consagração do Senhor, e mostrou a sua terna e envergonhada felicidade.

Ajoelhada rezou a prece, e mostrou que era crente, piedosa, e de uma paixão que nem o Senhor tinha.

E de terço, na mão rosário de contas e o crucifixo, murmurou:

- Perdoo-Te, Deus, por teres esquecido os meninos que ficaram lá fora.

E benzeu-se; tinha antecipado a sua Comunhão.

Naquele ano de 1946 Deus tremeu; sentiu amargura pela Sua falha, e guardou àquela menina um lugar à Sua mesa.


sábado, agosto 21, 2010

La lune de Carmito

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Durante anos não O quis odiar, e hoje, perdoo-lhe por não ter sabido ser Pai de uma das suas filhas. Explicitamente dedico este poema a Maria do Carmo, uma mulher que queria amar com beijos e carícias, mas Tu impediste-o. Ajoelha-te, pede-lhe perdão; sei que ela to concederá.

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SER DE POETA

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Ser poeta é oferecer o coração

Mesmo quando me dizes não!

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Ser poeta é coreografar sinais

Colocando em cada nobre letra

Todas as oito notas musicais

E ver azulada, uma alma preta

Visar a morte a tons celestiais

Amores que não são tangíveis

Amá-la, amar-te e aos demais

Vivendo os sonhos impossíveis

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Ser poeta é ter o contraditório

As razões de uma sã loucura

Ver em Deus anjo ou demónio

Não procurar na doença cura

É notar o que não será notório

Morar em Marte, viver na Lua

Escolher um sorriso aleatório

Dar-to ao passear pela tua rua

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Ser poeta é ter-se larga aliança

Feita com a arte dum beija-flor

Matar a fome em manta de dor

Ver na mulher a Virgem Santa

É ser louco viver eterna dança

Ressuscitar alegre da sepultura

Ser choro duma pobre criança

Abraçado universo à sua altura

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Ser poeta é ser tudo que foi dito
É ser como tu, ou ser como Cito

Cito

20 Agosto 2010

 
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