sexta-feira, abril 16, 2010

You!!!

Sempre lutei nos trilhos da vida
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Nunca me importou que mo chamassem
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e a si, se lho chamassem?...
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quinta-feira, abril 15, 2010

Pedaços da minh'alma (fim de série)


UMA BOINA NO CAPIM”

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Último conto da série

LOIADAS

(Pedaços da minh'alma)

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A viagem de regresso das Quedas do Duque de Bragança, passando pela barragem de “Cambambe” seria uma delícia, não fora sentir-se um calor dos diabos e ter sido programada par as férias de Março, o que para um puto de 10 anos não trazia vantagens – ia ficar 2 dias sem os amigos, e ainda por cima, havendo uma cena que tinha de ser “tratada nas horas” – não dava para adiar o lavar de honra que se impunha. De resto, tirando os sacanas dos primos mais velhos a darem-lhe cotoveladas e sopapos, tinha sido um fim-de-semana para fotografar e arquivar na memória.

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Mas o raio da estrada nunca mais acabava e ele sabia, até por ser um puto de rua, que chegaria de noite não podendo encontrar-se com os amigos do bairro. Estavam de férias por isso o assunto que estava pendente com o outro bairro poderia ser adiado por mais um dia.

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Assim não pensavam os outros chefes do Exército das Espadas de Vassoura e Escudos de Tampas de Caixotes do Lixo, grandes guerreiros de fisgadas na caça aos Pardalinhos e outros “Roedores Voadores”, que decidiram, mesmo arriscando umas chinelas na bunda, esperar o companheiro.

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Leão, o cão grande do Tomás, assinalou a chegada do amigo, numa clara demonstração que a amizade não está no número de patas com que os guerreiros marchavam e ele ficava de guarda ao aquartelamento, e também defendendo as manas de ataques súbitos de “putos merdalheiros” que pensavam que podiam roçar as mãos pelas mini saias.

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Mal chegou a casa saltou o muro da casa e reuniu-se com o conselho de guerra para decidirem a estratégia de ataque ao inimigo. A decisão caberia colegialmente a todos e não houve dúvida que o melhor era um confronto a meio da tarde, assim não só almoçavam como tinham tempo para ultimar os pormenores.

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A reunião durou pouco mais de trinta minutos que a fome apertava – decidiram enviar um mensageiro na manhã seguinte para avisar que o combate teria lugar sobre as 4 da tarde, no Terreno do Capim; no fim Tomás e Cito ficaram a conversar sobre as razões daquela tomada de decisão

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- Fizemos bem Cito, não se admite que o estúpido do Periquito tenha apalpado o cu da Rosalina; tínhamos de defender a honra das nossas infantas.

- Já não é a primeira vez que o gajo tenta “amandar” as patas às meninas da nossa corte Tomás, por isso amanhã vou aprisionar o gajo.

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Não havia mais dúvidas sobre o que se passaria; o bairro estava unido e a guerra era inevitável – naquela noite todos dormiriam em paz para estarem a postos à hora de bramir as espadas da justiça.

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No dia seguinte, reuniram-se na fortaleza particular, em casa do Xicronho, mas como sempre o gajo ainda estava a aquecer o pão para o mata-bicho – colocando as sandes debaixo do rabo para as amassar e acalentar. Tinham tempo, dava para uma footebolada entre pontapés e gritos de prazer, antes de começarem a preparar os capacetes, as espadas e os escudos.

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Depois das correrias foram almoçar; a mãe de Cito estranhou o pouco apetite do neto e perguntou se tinha alguma dor de barriga que não o deixava comer “o que normalmente morfava”

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- Não tenho fome mãe e o grupo vai ter uma saída de tarde!

- Vão jogar futebol no Terreno do Capim?

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Cito ficou nas horas; como é que ela sabia do encontro! Saiu e foi ao quarto de Sebas, um criado que tinha quarto e casa de banho privativa, para além de ter direito a fazer parte da “corte dos meninos”

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- Seebasss, quem é que te mandou falar com a mãe sobre “esta tarde”.

- MininosCito hojeu inda ná fáló quá sinhóra”!

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Depois de escutar a inequívoca explicação de Sebas, mesmo continuando desconfiado, Cito lembrou-lhe que tinha de estar no largo depois de almoço, às duas e meia, porque o exército ia iniciar a marcha a essa hora.

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Almoço comido, os bravos guerreiros do “pó de talco” começaram a reunir-se no jardim do largo para a contagem dos efectivos e inspecção do armamento. “Tudo a postos”, muito mais prontos para a paulada do que para os estudos, iniciaram a caminhada depois do gaiteiro ter dado toque de marcha com a gaita de barclite.

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Faltavam cinco minutos para as 16 horas quando chegaram à arena com tempo de sobra para se posicionaram e montarem fileiras. A batalha estava somente à espera que os chefes das duas hostes dessem sinal, depois de uma reunião breve para estabelecer os limites da chacina.

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- À carga!

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O sol que até então brilhava escondeu-se atrás de uma nuvem vagabunda; não queria ver o sangue que ia brotar das monas abertas pelas temíveis espadas de pau de vassoura, “compradas mas pagas” em troca de açoites que levaram por lixar a limpeza da casa nesse dia.

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Gritos ululantes, berros de dor, lágrimas, e muito choro a chamar pela mãezinha completavam o espectáculo. Eles eram saudavelmente semi-selvagens mas respeitavam o adversário.

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Tomás, o Grande Capitão dava ordens e mais ordens, mas ninguém escutava tal era a guinchadeira. Durante meia hora o mundo podia ter captado aquelas imagens e aproveitá-las para Campanhas de luta contra a decência a honra e a coragem – não havia golpes baixos nem estocadas pelas costas; cada um escolhera o seu adversário e com ele lutaria até que a morte os separasse.

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Desde o início, Cito fixara-se no criminoso das apalpadelas; ele era o alvo a abater, o guerreiro a aprisionar; também não seria difícil porque o miúdo parecia um “coninhas”.

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As clareiras iam-se abrindo com a as crianças agarradas à cabeça às pernas, e alguns à barriga, tal era o cagaço que apanharam quando viram o Bairro da Honra saltar a terreiro qual exército comandado por D Quixote Tomás e pelo lugar tenente Sancho Cito.

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Naquele dia “Ducineia” Rosalina veria a sua honra resgatada.

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Vitória foi proclamada quando o chefe do exército malfeitor declarou e rendição sem condições no momento que Tomás lhe colocara a bota no peito.

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Não havia mortos para sepultar, e as feridas curavam-se com as lambidelas dos cães de casa – poucos se atreveriam a contar as razões daqueles golpes superficiais, pois não arriscavam uns tabefes do pai ou um castigo severo da mãe.

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Seis da tarde, com um sol ainda sorridente, os guerreiros vitoriosos reuniram-se em casa do Tomás para decidir o que fazer com o prisioneiro, o único, pois os outros eram nobres como eles e por isso mereciam honra de derrotados.

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Jósito metera o facínora dento da casota do Leão, uma prisão condigna, larga e arejada, com grades de ferro para ele poder espreitar o sol a pôr-se, e encarregou o cão de ficar de sentinela.

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Saíram para a rua; as meninas e os bebés queriam saudar os valentes, e eles concederam-lhes essa honra. O tempo corria, as meninas debandaram para a companhia das bonecas, os bravos foram para casa que a fome de lanche apertava enquanto o estado-maior se reunia no descampado ao lado da casa de Cito. Tinham de tomar uma decisão; libertar o prisioneiro ou esperar que o viessem buscar! Não era fácil e as consequências eram imprevisíveis.

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Como responsável pelo aprisionamento Cito daria o desempate se acaso houvesse – tratava-se de uma decisão do colectivo, e Tomás quis saber a opinião do lugar-tenente e amigo, antes de tomar a sua decisão e proclamar o resultado da votação.

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Cito sentara-se em cima de um pneu e brincava com o ferro de jogar ao mundo; o seu semblante estava carregado sem rugas visíveis.”Bolas era só uma criança sonhadora que gostava de brincar com os amigos e as amiguinhas do bairro” – a maldade ainda não tinha aparecido, pois a evolução dos homens, por aquelas bandas, ainda se fazia por barco e sem “média”, mas a responsabilidade de ter de decidir não seria nunca atirada para os adultos.

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Meteu a mão o bolso de trás dos calções para colocar a boina na cabeça, e deu fé que a tinha perdido; perdera-a no campo de batalha caída no meio do capim.

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Desatou a correr até ao cenário da guerra, mas já não a encontrou; alguém vira a boina e chamou-lhe um figo – sentiu-se asfixiado quando percebeu que perdera um dos símbolos da sua meninice, um objecto tão importante como eram o pão e o leite; “Aquela” boina representava a luta contra a tristeza – a sua bússola, um pedaço de memória que não apagaria, e era também a mão e o afago materno. Era a sua protecção contra a vilipendia humana.

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Não chegara o tempo de a associar a outros romantismos que esvoaçavam além fronteiras, na distância, mas onde a luta pela dignidade já era servida com boina, na cabeça de “outro homem”.

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Regressou ao local de reunião – os amigos viram uma expressão inqualificável no olhar e que até então não conheciam – tão pouco sabiam catalogar. De pé, como permaneceria até que um dia a morte o deitasse, fita um a um os seus amigos; a sua vida mudara quando na sua mente algumas palavras que até então não tinham significado começavam a formar o conceito de ser humano, de homem.

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Periquito era um “criminoso” e estes deviam estar presos; tentara abusar da Rosalina, uma menina sã, por isso teria de pagar pelo crime de tentativa de “apalpadela infantil”. Cito iniciara o armazenamento de todos os princípios que definem a nata dos Homens, mas como criança, ainda não conseguia distinguir uma brincadeira de puto parvo com a seriedade de actos condenáveis; mas tinha de decidir naquele momento, e decidiu.

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Estendeu, silencioso, a mão esquerda a Tomás, a mão do coração a mão da amizade conquanto na direita, a mão que construiria com verdade a sua infância, em punho cerrado, guardava a chave da casota do Leão.

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- Que o venham buscar, foi feito prisioneiro num campo de batalha...

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Tomás acenou com o dedo para baixo em sina de prisão decretada. Se houvesse problemas ele soltava o prisioneiro; não vira que Cito guardara a chave da justiça no bolso, onde até aquele momento, sempre guardara a boina, quando deixava esvoaçar livremente os cabelos negros soltos ao vento.

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À hora de jantar tocaram à porta, e Mariquinhas foi atender – era um senhor que acompanhava Tomás. Depois de breves palavras este último entra na sala e faz sinal a Cito, que lhe responde:

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- Está em cima da mesa do meu quarto.

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O prisioneiro tinha cumprido a pena; o pai viera resgatá-lo, depois da honra de Rosalina ser reposta.

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quarta-feira, abril 14, 2010

Modern"isses"

E porque não um 1º Ministro

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Li uma notícia fantástica: estrangeiros concorrem à Reitoria do Porto!

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Será que nas faculdades em vez de fado, agora se dança tango?

terça-feira, abril 13, 2010

Juntos

http://aladerei.e-xadrez.com/2010/04/13/entrevista-com-o-tenista-frederico-gil/


Ténis ao mais alto nível

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Frederico Gil em entrevista ao Movimento ProTénis2010

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E navigá via...

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E uma nova diáspora!

Mas vamos gastando as forças

Vamos afundando as caravelas

E já não temos os Cabrais Gamas Colombo...

O Santa Maria e o Vera Cruz

Já não temos Escudos, nem “escudos”

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Começando por agradecer a confiança demosntrada pelo Movimento ProTénis torno público o meu agradecimento a Frederico Gil pela honra concedida
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Feliz 2010

segunda-feira, abril 12, 2010

Pedaços da minh’alma




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Jóia da Fortaleza


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...Cochichavam entre amigas do liceu os seus amores e desencantos, as faltas de ar ao vê-los passar, e riam... cada uma guardava no seu seio a vontade, e no seu colo o respeito – em cada manhã, tarde, ou fim-de-semana, pintavam a alegria pelos jardins, nas festas de garagens, quando não optavam por uma discoteca bem mexida em casa de um dos amigos, ou as que estavam abertas ao desacato.

Maria, era uma rapariga livre, sensível, quase sempre carinhosa, alegre, e romanticamente idealista; por vezes triste – mas de tantas indefinições era seguramente uma apaixonada pela vida, pelos caminhos e encruzilhadas no que espreitava em cada trilho ou picada, e até pelas conversas com o seu mano quando a “ele” se referiam.

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Da sua conduta percebia-se que aquela menina prendada ia construindo um vulto de mulher plena, ao mesmo tempo que guardava dentro do peito os sentimentos, as vontades, e os desejos inconfessos.

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Naquele fim de tarde de um Abril qualquer, queria estar bela, ainda mais do que era. Proibira-se perder a oportunidade de dançar com “ele” de o sentir, respirar o seu cheiro, deixar que o calor dos seus corpos aromatizasse as ruas, as avenidas e até as praias. Não construía castelos no ar, mas erguia dentro do pensamento uma fortaleza onde queria guardar os tesouros da sua vida – e colocou um vestido ligeiro e solto que deixava as pernas apreciar as pedras e asfalto das ruas por onde desfilava – fazia sobressair uma cintura fina, acompanhando os cabelos soltos em permanente diz que sim...que não... ao malandro sopro da brisa quase doce de um fim de tarde em sábado de paixão.

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Saiu de casa – nos olhos, como se fosse ecrã de cinema, todos viram em cinemascópio, a beleza do paraíso. Não sabia que a sua alegria teria naquela noite, como companheira, a ausência “dele” – não sabia que se embrenhara numa luta sem tréguas contra a opressão, depois de ter efectuado o seu tirocinado nas lutas contra o pai e a sociedade do “tintol e enchidos”.

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Mas Maria não desesperou; na ausência “de um amor” dedicou-lhe os seus mais belos passos de valsa – dançou, rodopiou, largou o seu perfume no terraço do prédio regando cada slow com lágrimas de carinho ao compasso de sorrisos de malícia mal adquirida. E deixou que cada pretendente marcasse a data do namoro, encomendasse o melhor dos fatos, reservasse hotel de núpcias, enquanto ela escolhia, em cada nota de tango, o vestido de viúva com véu de sofrimento – nessa noite ninguém viu que as suas lágrimas eram transparentes.

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As horas bailavam no seu pulso, a madrugada fazia-se alvorada, quando mergulhou nas águas da contra-costa: secara já o corpo a roupa e o pesadelo quando subiu a escadas de pedra da fortaleza de S Miguel – e sentada com os olhos perdidos na baía dos seus sonhos que se espreguiçava da “ponte ao porto”, olhou o pequeno anel que propositadamente colocara no dedo, para que ele sentisse, a jóia rara, comprada com o que juntara em cada aniversário, representando o amor que queria para toda a vida.

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Ergueu-se na muralha de pedra que circundava a fortificação, tirou o anel do dedo, prendeu-o com os lábios, emudeceu-se, e sem qualquer grito lançou-o para o precipício, num fosso plantado de matagal. Deitava fora um pedaço de coração, parte dos seus desejos, sem um gemido, sem um queixume.

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Nunca mais perguntou por ele. As conversas com o seu irmão foram rareando – condenava-se por não lhe ter dito o quanto gostava dele, as vezes que sonhara acordar ao seu lado – a vida, oferecera-lhe o primeiro dos desgostos com que haveria de construir a sua história de mulher.

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O fim do tempo de meninice anunciava-se; sabia que o mundo a esperava, e teria de se preparar para o enfrentar, e preparou-se, correndo continentes, gravando sabedorias, amar e ser amada.

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Mas em cada beijo dobrava o prazer – beijava por incompleto; e em cada entrega fazia-a pela metade. Coloria cada orgasmo de um doce acastanhado, sorria a cada piedosa mentira, oferecia “traviatas” a cada galanteador de oportunidades.

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Aquela que em menina outrora comprara a ilusão nas escadas do liceu, numa gargalhada dele, numa passagem irreflectida pelo seu “caminho”, seria livre, e cantaria as orgias em nome de um amor que deixara escapar por timidez – não se culpabilizou, e continuou a sua construção de mulher, sentindo que, no virar de alguma esquina, na entrada de um comboio, no aeroporto de Telavive, Amesterdão Barcelona, ou quem sabe de Luanda, os seus sentidos captariam o mais imperceptível sinal da presença dele.

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E tantas foram as vezes que subiu as escadarias do Bom Jesus de Braga, tantas as vezes que as confundiu com as escadas de pedra da fortaleza de S Miguel sempre que os seus olhos posavam na imagem de um rapaz, de tez morena, e de sorriso agro-doce. Não perdera a esperança de um dia o encontrar – não queria encarnar o papel da mulher destruída de Simone de Beauvoir porque sentia que ele estava vivo, sentia-o no coração, em cada diáspora.

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E estava, e viu-o, numa foto, num mural, entre um gritinho de vitória. Ali, à sua frente – o mesmo olhar de menino triste, a mesma expressão de “quer-me”, engalanou a tristeza cobrindo-a com um manto de alegria. Ligou, e confessou o que durante quarenta anos guardara; falou do passado, das confissões mano a mano, dos arrepios, sem mostrar o presente sem alvorar futuro.

Maria não quis saber o que ele seria, passado anos, que “amores desencontrados” teria amado. Importava-lhe no preciso momento, num breve flash, que, e apenas, o reencontrara – e soltou as amarras.

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- Olá, só agora vi a tua foto no perfil, sou Maria a irmã do...

- Olá Maria, que é feito desse tipo.

- Espera aí um pouco que vou ligar a dizer que te encontrei

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Mais uns segundos de espera.

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- Tem o telemóvel desligado

- Manda-me o número que amanhã falo com ele.

- Sim, fala-lhe, ele era muito teu amigo, gostava muito de ti, e...

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Fez uma pausa, deixou correr o aroma, e confessou provavelmente sorrindo. Eram adultos, podia exteriorizar o seu sentimento sem corantes mas com conservantes porque os anos correm sempre para a frente.

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- E não sabes o quanto eu também...

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Ele calou-se; caíra-lhe o céu em cima, como era possível. Reviveu o passado, as escadarias da vida, todos os degraus onde tropeçou, onde fracturou a alma.

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Maria voltou a colocá-lo no presente.

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- Nunca to disse porque era muito tímida, mas falava muito de ti com o meu irmão

- Amanhã vou falar-lhe e vai ouvir missa cantada; vai ter de me explicar porque razão não me quis para cunhado!

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Largaram uma risada silenciosa; estavam na facebook, não havia som, mas havia muita coisa para escrever, milhares de horas na construção de um sentimento que nunca encontrara a outra muleta. Maria sabia mais dele, coisas que não se dizem, que se sentem, percebem-se em cada linha de contos que não se escrevem páginas de um diário que não se conserva, ou nas palavras mudas traduzidas no brilho baço de um olhar escondido - e mostrou-lhe.

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- Acabei de ler o teu conto “uma relíquia...”, ainda mal me recompus, e sinto ter perdido uma lagrimazinha.

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Ele estava calmo, sentia-se diferente, mais querido e respondeu-lhe.

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- Maria! Gostei muito da foto na escada da fortaleza!

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Um momento de silêncio, de reflexão, o suficiente para voar através dos “atlânticos” aterrar em fortalezas e pintar a lágrima que vertera – e respondeu.

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- Um dia havemos de subir juntos aquelas escadas!

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Maria não queria voltar a deixar que ele se perdesse na escuridão de um presente sem o seu passado, a viver um presente sem futuro; antes necessitava, para aplacar a dor de “séculos” de afastamento, que ele a ajudasse a encontrar no denso matagal da fortaleza de Luanda, logo a seguir do virar da esquina dos sonhos idos, uma jóia, que num dos raros momentos de fraqueza, deixara que fosse o “futuro”, seu fiel depositário.

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sábado, abril 10, 2010

Pedaços da minh’alma

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Deixe-se embalar...arrepie-se; ela é a sua Alma, a sua Consciência e o seu Grito de Amor,..ou simplesmente a voz daquilo que não nos consegue contar.

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São cravos senhor


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Isabel, de 17 anos, casou-se a 11 de Fevereiro de 1288, então, por procuração, com Dinis, que tinha somente 19 anos, em Barcelona, tendo celebrado a boda ao passar a fronteira da Beira, em Trancoso, 26 de Junho.

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Já casada e depois de servir na cama o amado marido, a rainha, vestida pelas aias de serviço, saiu do Castelo do Sabugal, numa manhã de Inverno para distribuir pães aos mais desfavorecidos. Era uma mulher educada e que tinha como missão fazer o bem e proteger quem necessitava, e ela perdia-se pelos pobres mais pequeninos; tinha dentro de si a fertilidade, embora ainda não estivesse embaraçada.

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Isabel sabia que o marido andava desconfiado das suas actividades caridosas e, para evitar mal-estar entre este e os reis aragoneses Afonso III e Jaime II, para além de outro monarca reinante, Frederico II da Sicília, seus irmãos, também eles filhos de Pedro III e Constança de Sicília, rezava todos os dias para que o esposo fosse para a caça evitando que viesse a surpreendê-la.

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Os ministros do reino, normalmente pessoas sem qualquer formação na área da beneficência social, e sem a capacidade de sugerirem estas ciências à Universidade de Coimbra, infernizavam os ouvidos do jovem Dinis, onde o mais acérrimo era o “primeiro-ministro”, conhecido no seio do povo por “Ministro-pró-rei”, sustentando a sua azoada conversa com o facto de Isabel, não obstante ser a “su muy amada reina”, andava a gastar o Erário Público com indigentes que eram a vergonha do reino

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- El-rei tem de parar este constante esvaziar os cofres da corte; não “vedes que os fidalgos reclamam” que os impostos cobrados ao povo não devem servir para alimentar a “gentalha”.

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D Dinis era jovem, e um talento da cultura, deixando adivinhar futuras obras poéticas e musicais, aliando também um grande amor pela caridade que sabia ser uma das razões de vida de Isabel, mas, como marido da esposa não queria que ela soubesse deste seu sentimento.

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Jesus, um menino da vila de Sabugal chegara a correr dizendo aos amigos que a “Santa” vinha a caminho, e estes juntaram-se no pelourinho à espera da benfeitora.

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Chegada ao local, sentou-se num banco de pedra deixando que os mendigos a rodeassem; sorria, ensinava-lhes algumas normas e regras para se tornarem homens e mulheres honestas, preparando-se para, no final da “palestra” distribuir o pão – sabia que a fé enchia o espírito, mas não tinha dúvidas que eles estavam ali mais para encher as minúsculas barrigas.

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D Dinis, nessa manhã presenciara a saída da esposa, não que a espiasse mas porque se esquecera de uns papeis que pretendia ver, antes de iniciar o dia de governação. Alegremente, seguiu à distância Isabel; queria ver a cara de aflita quando a surpreendesse no seu cargo de benfeitora.

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Jesus, o menino que anunciara a chegada da soberana, ficara de frente para a entrada do lugar, por onde o rei teria de entrar, fez sinal que El Rei já vinha, e rapidamente todos fizeram menção de debandar, mas Isabel mandou-os ficar.

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Chegado D Diniz, que à distância verificara que a rainha nada distribuíra, ainda de cima do seu ginete inquiriu o que levava no regaço ao qual a rainha retorquiu:

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- São cravos, Senhor!

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D. Dinis disfarçou um ar “circunspecto” e questionou.

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-Cravos, no Inverno?

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D. Isabel descobriu o regaço e o rei pode ver que se tratava realmente de flores.

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Com um sorriso de satisfação, ainda que mal disfarçado, o rei fez passar o cavalo pelo meio da meia roda, seguindo a trote o seu caminho.

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Já longe, ainda ria; amava a sua rainha, e queria mandar plantar o pinhal em Leiria, não para defender as terras dos ventos carregados de areia que vinham dos lados do Atlântico, mas para defender o povo das tempestades de miséria que pressentia, que assolariam no futuro o país. E continuava a rir, incrédulo com o que presenciara.

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Olhando de longe o seu tão amado senhor e marido, Isabel começou a levantar-se silenciosamente, olhando sorridente para os pobres que a rodeavam até parar o olhar no Jesus – agarrado a Ciser, um outro menino pobre – e do seu regaço começaram a cair, não os cravos, mas sim as pétalas que se despregavam, e, quais penas flutuantes, perante os olhos de lágrimas dos presentes já pensando que teriam a fome por aconchego, transformavam-se em pão ao tocar o chão.

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D Isabel, começou, depois de se despedir dos mendigos, a caminhada de regresso para o castelo. No seu peito levava o amor, e na alma a tristeza; sabia, do seu mais profundo ser, que como ela, o seu país, teria no futuro muitos espinhos, tantos quantos os cravos têm antes de serem podados – sabia, que muitas mulheres como ela teriam que continuar a fazer milagres, não transformando o pão em cravos escondendo dos homens o seu materno amor, mas, pegando em flores e amassá-las para fazer o pão que os filhos haveriam de comer.

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Nessa noite, Dinis, o homem, deitou-se ao lado de Isabel, deixou tombar docemente a cabeça no peito da mulher amada, e adormeceu feliz, não vendo, como soberano do seu povo, que os seus súbditos, Ciser Jesus e Antino, ainda brincavam descalços na rua.

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