sexta-feira, setembro 02, 2011

Último enterro...!

1ª série dos poemas dedicados a profissões
O funeral dum fazendeiro encerra este ciclo. 
Um poema difícil, construído em 3 partes.
 a ida
 a vida
a morte

 FUNERAL
DUM 
FAZENDEIRO


Permitam que vos conte em poesia
Uma história a ler com atenção;
Talvez recordem em nostalgia
Iguais contos com actos de ingratidão.

Couberam toda'as ilusões numa sacola
Junto às cuecas peúgas lavadas
Camisas poucas uma troca de calças;
O casaco roçado, as alpargatas
Levava-as cobrindo a pele já curtida

Crescera’o sonho’à altura dum continente
Terra quente de riquezas múltiplas
Contos de macumbeiros, outros arco-íris;
Uma pequena lágrima na despedida
Que a terra mãe, nunca a esqueceria

Amarras soltas dum navio, já a bordo
Um último olhar para a sua velha pátria;
Recordou o envelhecido universo
Viu tristeza, pouca esperança e cantou
Para o país, diminuto para tanta cobiça

[Ó terra nova, ó novas terras
Aquece todo o meu desconforto
Que desbravarei vales e serras
A pé firme chegado a novo porto]

Conquistou a pulso direito à felicidade
Plantando hectares de riqueza
Levou a cruz de Cristo ao fim do mundo
Amando o pôr-do-sol como o último
Inventando nova raça, para sua perdição

Bailou com novos amigos velhas danças
Misturando o suor com forte catinga,
Comeu o pão que o próprio amassara
Ao negociar com quem o trairia;
Férias! No velho país só para recordar

Do alpendre de uma larga vivenda
Viu crescer os filhos, chegarem netos
Pintada a vida sem pincéis de política
Que ao seu negócio bastava o trabalho
E única fraqueza sabida, a família

[Ó terra nova que já envelheces
Entre acácias floridas fios de sisal
Bem hajas e vê se aqueces
Quem longe deixou sua terra natal]
(longe deixou o meu Portugal)

Sobreviveu às guerras às injustiças
Defendeu a dignidade extra credos
Enfrentou trovoadas de obuses
Morteiros, duros demais para conduto;
Dividiu pratos de sopa com o gentio

Esquecido foi o sentido de ser emigrante
Mantendo a identidade de nascença;
Nunca imaginou ter de regressar
Convidado pelos tiros da traição
De um país que outrora o vira nascer

Na penumbra duma revolta sem sentido
Longe do tempo dos canhangulos
Com ódio se gatafunhou inexacta história
Do assassinato de Evaristo “o fazendeiro”
Q’ não realizou seu derradeiro sonho!

[Desde então jamais se ouviu cantar
“Ó novas terras dum novo porto
Que a letra fora trocada pelo metralhar
Dos que sentiram igual desconforto”]

Termina aqui este sofrido fado canção
De Evaristo do Nascimento Raposo;
Disseram-me, homem de enorme coração;
Afiançaram-me q’ nascera’em Trancoso


Cito Loio

Sem comentários:

 
Web Analytics