terça-feira, setembro 01, 2015

Luto que o império teceu

 




O

FILHO

DA QUITANDEIRA


Alguidar fartado de encardida roupa
lavada à noite, abraçada à dúvida.
- Galhofava na rua a multidão louca
que ia colorindo a concórdia pública
com fumo de cigarros de liamba,
desde a entrada do Grafanil à Mutamba

Raiava-lhe o dia e quitanda à cabeça
apregoava, tem Carapau e chicharro
…passa amanhã não se esqueça,
chiça pró raio do velhote com catarro,
encontramo-nos mais logo na matiné
que agora estou no ir irmão…inté!

E a rapaziada na esplanada da preguiça
curtia a juventude sem olhar a raças,
jeans quedes e uma singular premissa;
_ vestir camisa engomada, sem traças,
longe dos ventos soprados de leste
transportando pouco mais que a peste.

Mas chegara a obrigatória incorporação.
- João Sábado alinha numa de desertor
e pra q’a quitandeira Domingas Purificação
não viesse a usar as missangas da dor
vai para a mata plantar árvores socialistas,
saudar Lenine e outros sabidos pacifistas

Enganara-se a história, já finda a guerra
antecipando-se à revolução dos cravos,
feita por gentalha que vivia noutra esfera,
governando-se à custa de muitos parvos
reaccionários perversos e colonialistas…
…alguns (quiçá) de ideais anarquistas

E à causa da luta pelo corrosivo poder
viraram-se irmãos contra irmãos, primos
tios pais cachorros tarecos, sem tremer
alvejando até os mais íntimos amigos
querendo ficar na foto duma independência,
dada, com as visíveis assinaturas da indecência

Ferido de morte, ano de 75, a 23 de Outubro
tombava o único filho de uma quitandeira
mascarrando poeirenta terra de sangue rubro,
ignorando quem era o pai, nascido na Ribeira
ignoto militar. - Afinal quem não conheceu
o negro luto nas malhas que o Império teceu!


Cito Loio
28-29/8/2015
(De Agosto de 1975 a Agosto de 2015)

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