segunda-feira, outubro 31, 2016

SEM CAPUCHINHO

ASSIM COMEÇA A HISTÓRIA DE UM POEMA ESCRITO HÁ 5 ANOS:


Possivelmente, até ao presente nenhum poeta explicou os passos na execução dum poema. Decidi por isso dar a conhecer publicamente como foi escrito este poema que partilho, tendo em nota de título, ASSIM COMEÇA A HISTÓRIA DE UM POEMA:


Entrei no metro, e encostei-me à porta. Na do lado contrário entrou uma rapariga, talvez entre os 20/23 anos e sentou-se virada para mim de costas ao sentido da marcha do módulo. Ao sentar olhou-me fixamente, como se me conhecesse, mas do seu olhar ficou-me algo como ''um senhor bonito'' e ja pelo meu lado pensei, ''esta enjoa''. Acomodada tirou uns auscultadores de telemóvel e  colocou-os,  olhando  de  seguida  novamente para  mim.  Senti-me incomodado, peguei no bloco  de  apontamentos  e  escrevi qual a sensação com que ficara da rapariga  nos primeiros momentos.

Pintou-lhe um trejeito malicioso
Vi-lhe um sorriso traquina,
Imaginou como seria gostoso 
Encontrar-me na próxima esquina 

Ela,  de  facto  deixava  perceber  um  certo  sorriso  de  troça, olhou  mais  uma  vez  para  mim, depois para a vidraça do metro que faz de espelho quando nos interessa, e já escrevendo os primeiros veros, reparei que olhava disfarçadamente, quase como se esperasse que me dirigisse a ela e lhe perguntasse, donde vens para onde vais e onde é que se pode encontrar uma expressão tão bonita como a tua!. O cabelo  da  miúda,  porque  de tal não  passava, fazia-me  lembrar a  Mia  Farrow  e entre sorrisos brincalhões escrevi a segunda quadra.


E dois olhos azuis, quase pecadora,
Qual aguas límpidas, virgens seguras 
Engalanara minh’alma pescadora 
Proprietária d'inimagináveis aventuras. 


O metro parou, tinha de sair pois combinara encontrar-me com o meu filho; percebi então que a rapariga falara qualquer coisa com um senhor, possivelmente da minha idade, sobre uma estação qualquer, mas não me apercebi do teor da conversa em si, dando no entanto para perceber que uma vez mais olhava para mim e desta, através da vidraça. Atrevi-me a pensar algo mais do que, ''bom motivo  para  acabar  estes  versos  e  dar-lhe  depois  um  retoque  final' e tendo em conta que a  menina  era  de  facto bonita e combinava bem com o que me vinha à cabeça atirei para o papel ao sair. 


Disfarçadamente disse-me tchau 
Finos lábios comprimidos com prazer
Rodar d'ombros quase descuidado


E pensei: Se o meu filho fosse 'filha' a encontrar-se 'comigo' como reagiria eu sabendo que um camelo se fizera ao piso e sentado no banco da estação aguardando a sua chegada terminei o poema 


Menina linda, moça tenha cuidado 
É tarde, já começa a escurecer 
E passeia por aí muito lobo mau! 


Quando tive tempo para dar uma volta ao texto reparei não ter colocado título, e como no tempo de criança não gostava da história do Lobo Mau e do Capuchinho Vermelho coloquei em titulo: SEM CAPUCHINHO


Cito Loio
 21/02/2011

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domingo, outubro 30, 2016

LUZIDIA


LUZIDIA 
 A 
PATROA  
Poema em formato de conto 

Sentada num dos cadeirões  da sala de espera apreciava com ar de dama séria outras por certo com igual problema; _chamava-se (vim a saber mais tarde) Luzidia Fera, e viera, tal como eu, até a clínica Jovem Santa Filomena por há muito ter visto perder-se o sorriso natural pelas ruas da fama em bailes com baila-ricos de Carnaval. Inegável que fora num outro tempo, aquele que  denominou colonial, uma menina de passa-reles, das rádios e discos, terminando requisitada artista em filmes donde a ostentação do sorriso afável valia um contracto com descontos para o estado, e a todo o custo para evitar perniciosos riscos só se deitava com quem desse segurança, indisposta a que azaradamente viesse a crescer-lha pança.

Num belo dia viu-se Luzidia perdida de amores por um sujeito muito viajado, com passaporte, por terras do sol-poente, e dada a calores apostou na roleta da cama a própria sorte saindo-lhe por taluda uma doença dita muito grave que para actriz de filmes pornográficos  era um completo entrave. Mas a medicina atarefada e de progressos avassaladores deu-lhe mais anos de vida do que supunha e alargado o ramo, ajudada por novos professores, sem abertura de pernas ou a sujeira de dar o seu em troca da cunha fez-se aos estudos na Velha Universidade e montou um bordel para meninas de tenra idade. Exigia-lhe tal oficio uma dentadura brilhante, olhos resplandecentes, aprumo no trajar, trato fino, sapatos que dessem um andar elegante, ficando para as outras fazer o pino pela  senhora recebendo no traseiro palmadas dos clientes, que da Patroa apenas veriam os dentes.

Foram-se os dias, os meses, anos sem fim, mudado os tempos mudadas as fidalguias e enterrava Luzidia seu mais que donzelo amante Fornicato Serafim, e já portadora de irritante idade para outras folias sem que se conhecessem herdeiros a quem doar em testamento, vendeu a riqueza alcançada com arte sofrimento e talento. De reforma valia-lhe-ia a Segurança Social contribuindo com uma pensão de sobrevivência levando-a a tomar por decisão vir a ser enterrada em Alcácer do Sal afim de alcançar a paz e dar repouso ao que restava da altura da imaculada inocência.

Mudaram governos ao longo de diversas legislaturas, vieram outros políticos, uns honestos outros nem tanto, trocaram-se artigos, decretos e leis, alteraram pontos fortes da constituição, trazendo para muitos muitas benesses, para outros dificuldades incontáveis, mas não mudou a sorte para Luzidia pois de confiável só restou a morte


Inácio 

sexta-feira, outubro 28, 2016

Que Povo este?

Para todos os amigos Feliz dia do meu aniversário 
...mas hoje a 28 de Outubro, quem diria, dedico um poema ao homem que soube escrever o que de muito jovem me iria na alma. 

Para (em memória) Vasco Lima Couto, este tributo, exactamente no dia que festejo o meu 63 aniversario.

Inácio 



(Que Povo, que vende os rios que tem, que compra a terra pequena e não sabe donde vem)







 A QUEM NÃO NOS PERDOOU


Perdoe-s'então a quem não nos perdoou
em míseras palavras (negociada 'liberdade)
viajando por pátrias pejadas d'impostores
vendeu sonhos que nunca foram os seus
a preço do ouro negro e do diamante,
e ganha a fortuna não pararam u' instante
servidos de subservientes camafeus
que lhes atribuíram títulos de doutores,
dotações com passaportes d'impunidade
pr'aterrarem em terras que nenhum amou.

Desconhece-se dado sem recibo alvissaras
aos caçadores d'Elefantes e Rinocerontes
Javalis, Pacaças (às vezes Gorilas prenhas,
turistas descalças em avenidas já asfaltadas
desaparecido da mente 'traço das picadas)
julgando q'embondeiros enfeitavam azenhas,
correrem os rios da savana prós montes,
serem os antílopes ave-chuchas ''mamíferas''.

E acusaram-nos sim, somente por inveja
ou talvez por pundonorosos termos vencido
um mar ciclópeo por eles desconhecido.

Mas não nos importe, que 'perdão sobeja,
por vezes a fome termina em fartura
e a memória do tempo sempre perdura.


Cito Loio
(Poemas sem data nem valor)




Afinal durei mais do que esperavam aqueles que venderam a alma a troco de pechisbeque.


quinta-feira, outubro 27, 2016

NAS VIELAS DA ASNEIRA


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Por vezes as lágrimas de tão cristalinas não as vemos, apenas as saboreamos 

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NAS VIELAS DA ASNEIRA


Veio-se desassossegada em silêncio,
no rosto mero esgar dum prazer dorido
reflexo da perda d’evidente  virgindade;
_ de fora, silenciava-se toda uma cidade, 
ele, que lera o amor num compêndio
sem dar valor ao tão lacónico gemido
mergulhado no sonho, de tudo capaz
julgou deixar a memória para trás.

Frederico, nome c’ que fora baptizado
ufano do feito numa roda de amigos
gabarolando-se da arte da virilidade,
(ignorância tal, própria da imaturidade)
- Teresa, das lágrimas q’ tinha chorado,
confessava-se sem receio de castigos
à mãe, culpa sua pecaminoso desprazer,
acto que jura não voltar a acontecer.

Década e meia volvida, hábito de freira,
curvada aos pobres num país distante
palmilhava uma mulher ao Deus dará.

Aprendi desse dia em vielas da asneira
jamais se desperta, fechado semblante,
ao lado duma Santa Madre de Calcutá!


Cito Loio
(Poemas sem data nem valor)


quarta-feira, outubro 26, 2016

Desfolhada




Quase a embarcar, olhando para trás, lembrei-me da última garraiada em que participei e ganhei 500$00 ao tirar a "notinha" dos cornos dum touro.
Felizmente o amável quadrúpede não me prostrou ensanguentado pelo chão duro da arena, e sobrevivi mas com pena (minha) não ter tirado outra coisa a muito coirão que andou a desfolhar as minhas patrícias e depois foi dar marradas para outras praças, mas como tristezas não pagam dívidas, Ó "ganda" Simone, nem imagina o que vi nesta terra do Minho a Angra depois de excluir do mapa Timor.






ÚLTIMA FAENA



Por caminhos tão iguais aos de Santiago
liberto de crucifixos já arejado o peito
vi errante um homem jovem, rotas vestes,
sulcando c’um varapau a terra bravia
apreciar outros puxando firme arado
substituindo bem merecida junta de bois.

Ilustrada tal imagem e que não apago,
printei para memória sadia e a meu jeito
intemporal quadro c’ paisagens agrestes,
lembrança que nunca se perderia,
exclamando ‘romeiro ao ver-m’extasiado:
– Há muito mais como estes dois!

Soltas amarras de décadas decorridas
soube ao vivo shows em praças de touros
onde raras vezes o bicho sai vitorioso
oferecendo cornadas, colhendo ‘toureiro
(abandonada a arena ainda sangrando)
demais ovacionado pela velha tradição.

Na terra, perdida chance à cura de feridas,
despojada ‘glória sem coroa de louros
pergunta o “peregrino“ a um Deus glorioso:
- Porque me tirais ‘vida a golpe rasteiro.
- Do céu a mudez, sem rezas ou pranto,
sucumbia n’arena de peleja qual Sebastião.

Por caminhos desta vez de Fátima a Leiria
arrasta-se vagarosa mulher ainda crente;
_ podia mais a fé que o luto de morte!!!

Sabedora q’espectáculos reais jamais veria
ostentava no pescoço doirado pendente
com foto de quem se julgara com a sorte.


Cito Loio
(Poemas sem data nem valor)

domingo, outubro 23, 2016

LENTES FUMADAS

DETRÁS DAS LENTES FUMADAS 
(poema transformado em conto)


Por detrás das lentes fumadas e grossas percebeu-lhe um olhar carregado de angústia, franzido e arcado sobrolho e na boca traços de amargura recente. 
Rodada paulatinamente a cabeça solta encabeladura espraiada ao vento espreitavam fios brancos e naturais, código de idade e inquestionável marca sofrida de uma pérfida existência. Cruzado os olhares sem recriminações resguardou-se decente e cautelosa dado o tempo tê-la ensinado que os verões, mesmo alegres, não raras vezes deixam nos anos irremovível mossa. Liberta a mente sorveu um trago de café e num ingénuo passar de língua aos lábios observou-lhe, pelo canto do olho, um sorriso de gozo. Saindo da esplanada com soberba altivez penetrou-o com um último aceno e incapaz de suster, percorrido por uma erótica horripilação, instalou-se o desejo de a possuir talvez sentindo que nunca mais a voltaria a ver.
Chegado por aquecer fresco Setembro afagavam-lhe o rosto brisas com destino trazendo recados doutras longitudes ventos duma desgraça anunciada entregue em mensagens carregadas de avivado luto sem remetente mas com destinatário colectivo. Evitados reparos ou dedos em riste aplacou, apreciando passageiras nuvens, dores de sulcos traçados no velho alcatrão que sugeriam rodados de Jeeps nas picadas e quase confundido com o passado perdia de vista a mulher pela distância, ao compasso de uma sinfonia moderna; suspirando deixou tombar a cabeça imaginando-se de novo soerguido. Deleitava-se a caneta pelo papel deliciando-se com meiga e suavizada aparência, quando sentiu, diria num toque de libélula, um sopro sensual e meigo contendo inesperado convite. Esbelta, sorriso carregado de mel com um não sei quê de gindungo, toma-o pela mão e sem comentários desnecessários conduze-lo pelas alamedas do sonho. Pelas arestas da janela do quarto do hotel corria uma sonata sem notas ou pauta alando ao puro ulo do querer concretizado. Volvidas horas, sem nomes ou apelidos, entre beijos a roçar os lábios, entrelaçados os dedos apreciou fotogénica beleza num corpo que se fazia adulto na exacta medida que os orgasmos mostravam ingresso na arena da fantasia, e cerrados os olhos, comprimida as pálpebras deixou-se acorrentar pela malícia duma virgem de signo.

No relógio do salão que antecedia o bar os ponteiros dançavam sem acordes a valsa da meia-noite; não distante esperava-me a solidão. Altivamente, solto ao alto cordas da garganta, num canto em voz rouca e arrastada, não raras vezes sentindo chegada a velhice com feridas saradas num corpo quase exangue e já cansado da vida, servido pela má sorte e de amigos falsos com um sorrir enganador escrevi estas linhas pensando que me fazia escritor para toda a eternidade.


Adolfo Castelbranco Oliveira
(Cito Loio)
24-25/09/2016

quarta-feira, outubro 05, 2016

O QUE VOS DOU




GANHO DE PRÉMIO O QUE VOS DOU

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Joguei parte da minha vida, displicente,
no caudal de um rio com ágas turvas
pagando pela viagem bilhete sem recibo
sabedor da minha origem qual destino,
e correndo resvalei por muitas curvas.
-Prémio ganho?_ o que a idade consente.
- Montando porém 'baloiços da puberdade
saboreei sem memória perdido o sentido
beijos com paladar a mel e gindungo;
_ sem desperdiçar sequer um segundo
galanteava um'outra de amores perdido
ignorando 'termo de voto de castidade.

.
Permito-m'ora vaguear num novo mundo
ao ver imparável 'fim que já s'aproxima;
_ por tal ergo uma taça de espumante,
rodopio danças elogiado garboso amante
como outrora fizera, aquecido o clima
vestida a farpela dum mero vagabundo.
-  E revivendo-me capitão n'adolescência
navegando mares mais encarpados
odorizados por combinações rodadas
sem seguro de vida em ondas encorpadas
contando abraços c' beijos inegociados
escrevi histórias d'inigualável decência.

.
Cito Loio

Poemas sem data nem valor

domingo, outubro 02, 2016

Avenidas do aeroporto


Fecharei o mês de Outubro antes de entrar Novembro. Sobre uma história de parto sem dor, dava uma mulher à luz um rapaz de cor mista transportando dentro de si a génese do Poeta crescendo envolto por brumas gigantescas que espelhavam imagens dum futuro de luta sangue e fome, correndo atrás duma liberdade, que vinda não lhe daria a independência total antes  levá-lo-ia por vielas com trilhos perigosos onde a traição se escondia do nascer do dia ao morrer da aurora.

Enfrentando pesadelos descarregou palavras contra inimigos evitando feri-los no corpo mas apenas tentando enegrecer-lhes a alma; viu porém que remorsos eram sentimentos que se tinham perdido no útero materno, e só a morte o libertar de campanhas que sozinho jamais sairia vitorioso.

Aberto o livro da epopeia sonhou um dia abraçar o Poeta, jurando que escreveria uma nova epopeia, não em versos, mas vertendo em choro lágrimas tantas que desaguadas nos oceanos impediriam que a maldade humana secasse rios ou deixasse os mares sem sal.

Incrédulo pelas ruas de uma cidade que se esvaía calcorreando artérias sob tiros de metralha consentida, pasmava-se vendo no mesmo país quatro exércitos e sabendo-se armado com o único canhão que sobrara disparou palavras com pólvora nos versos desconhecendo se no dia seguinte desceria pelas avenidas do aeroporto.

***

DAS  AVENIDAS DO AEROPORTO

*

Retive de memória breves olhares,
apagado aceno à despedida
abanos de cauda distantes ladrares
que me esperava nova vida,
e sem bater de portas, aberto ‘portão
dei costas à casa e ao conforto.
- Por ruas da cidade inumava ‘ilusão
subindo 'avenida do aeroporto.

*

Rolava monta-cargas, paletes na placa;
_ nos aviões asas da desgraça
desfeito ‘sonho, mágoa que não aplaca 
a ira de ver vendida de graça
a terra que amara sem preconceito,
quipucos feitos com ardor
saboreados entre bateduras no peito
e penetrações c’ siglas d’amor.

*

Fechado, passava meia-noite, último voo.
- Atrás, c’ lágrimas de sangue
tombava dum coqueiro um último coco,
rolando pelo alcatrão exangue,
enquanto o ensordecer de quatro turbinas 
marcava ritmada paciência
deixando para trás em tão duras sinas,
parte duma breve existência.


Cito Loio

 
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