domingo, dezembro 31, 2017

Feliz 2018



O QUE SEMPRE QUIS


Dispenso palavras de falso agradecimento
mensagens carregadas de boas intenções,
calculados sorrisos com ar "ternurento",
salpicados postes c' pinceladas d'emoções.
- Desejem-me tão só umas óptimas entradas,
e que o amanhã não m'apareça enlutado
nos desfiles com gente em poses ensaiadas
vendendo notícias, já garantido 'ordenado.

Chegado fim d'ano contem (12) badaladas 
degustando passa a passa por cada hora,
e antes que as Janeiras sejam cantadas
impeçam que a esperança saia porta fora...
...e seguro entre dedos taças de champanhe
recordem-me pelos Poemas que não fiz
pedindo que por sorte 'saúde m'acompanhe,
riqueza que vos desejo, a que sempre quis.


Cito Loio



quinta-feira, dezembro 28, 2017

SONHO INACABADO


...

SONHO INACABADO


Vou, e irei sem ti, e irei algum dia
mesmo q'estranha seja ausência
desse teu rosto carregado de inocência
que s'afastava enquanto me perdia.

Que brilhe então a luz sobre a terra
com lágrimas vertidas na escuridão
reflectindo desmesurada ilusão
de voltar 'abraçar-te depois da guerra!

Mas ido, saibas-me já sem regresso
e não te percas, que dá 'mundo voltas,
e imparável, ant'efémeras revoltas,
sigas fiel à memória, é tudo que peço.

Atendido em guarda com'um soldado,
sendo armado d'estrelas cadentes
não permitirei que dia algum enfrentes
quem promoveu este sonho inacabado


Cito Loio
(Poema sem data nem valor)

quarta-feira, dezembro 27, 2017

MAS NÃO MUGE


TUGE MAS NÃO MUGE 



Reporto-me por ora ‘esta singela falácia
escutada da boca duma tal dona Engrácia,
à entrada (ou saída) de uma velha farmácia,
trazendo pela trela um lobo da Alsácia;
_ dizia emproada a dita cuja senhora
(há muito emigrada de Telhados de Coura)
que no passado, tempo da «outra senhora»,
só era fadista quem fosse de facto cantora,
rematando (visível já a falta de dentes)
no tempo actual haver políticos repetentes
agraciando reciprocamente presentes
lixando ‘povo que já nem range os dentes.

(Ela)

Veja lá querida e amiga Gisberta Venância
nem disfarçam adquirida gula e ganância
do tempo dos bidons villes “da infância
quando fugiam ‘salto pelas rutes de Frância

(A outra)

Claro que tudo o que se passa era escusado
pusessem-lhes nas mãos um firme cajado
preso às costas e à cintura pesado arado
e se refilando um pequeno tabefe bem dado

(Ela)

Estou em crer nem preciso seria assim tanto,
ríspido raspanete e soltava-se-lhes o pranto
que eles gostam é de andar no gamanço
“tabuletes “ nas mãos já que o Zé é manso


(A outra)

Olhe prima Engrácia está cheia de razão!
_ já não há porém quem defenda esta nação,
onde se viola descaradamente ‘Constituição
e a soberania letra morta duma canção

(Ela)

Sábias palavras distinta prima Gisberta
adivinhando-se vir por aí a morte certa
nesta democracia feita para gente esperta
q’aos desventurados já nem o cinto aperta;
_ e se acaso houver novamente eleições
garanto-lhe que verá montanhas de coirões
exibindo fatos caros com doirados botões
entre um povo acotovelado aos tropeções,
e sufragado, qualquer que seja o governo,
teremos à frente da pátria um estafermo
prometendo salvar este decadente ermo
fazendo dele um apelativo país a termo…

(A outra)

Bem dito…mas por obrigação vou indo
e mais vale levarmos a vidinha rindo…

 (Ela)

- Beijos pró esposo, igual para Carolindo
o seu garotinho deve estar lindo!!!

Sabendo que ‘populaça tuge mas não muge 
por ciência, que afinal é ‘leão que ruge,
despedindo-me abalo que o tempo já urge,
e bruscamente ‘imponderável às vezes surge.



Cito Loio
19/11/2015

terça-feira, dezembro 26, 2017

Ninguém sabe

E quem  sabe de mim ou da minha vida!


domingo, dezembro 03, 2017

ALIANÇA PARA A ETERNIDADE


ALIANÇA
 PARA
 A 
ETERNIDADE




Preparava-se o sol para se esconder para além da linha do horizonte quando repara num vulto masculino, estático, calças arregaçadas evitando que se encharcassem com uma onda atrevida, descalço, mas em simultâneo permitindo que a fraca ondulação que se enrolava em confidências com a areia da praia da Restinga lhe refrescasse os pés e provocasse a reconfortante sensação de ainda estar vivo. 

Mais além o astro-rei, proprietário da vida existencial no planeta, num acto de solidariedade voluntária para com o homem, atrasou a descida em direcção à outra metade do mundo, e ordenou que os raios de luz que emanavam da sua benevolência impregnassem por mais uns minutos o oceano estendido entre o desconhecido e a orla marítima daquele território, um dos que já iniciara a caminhada para um futuro que poucos saberiam definir ou adivinhariam, dado que para crentes o provir só a Deus pertencia. 

No mar os tubarões-martelo deleitavam-se com as tépidas águas de um Atlântico Tropical perseguindo com gargalhadas salpicadas de sal os barcos que pescavam ao largo e dois navios em trânsito no Sul dirigindo-se para Norte na expectativa de receberam restos de comida lançada borda fora mas que os marujos sabiam que não conspurcava o mar dado que haveria quem com ela se entretivesse. As ondas por seu turno eram diminutas, o vento calara-se e a temperatura do ar atingira certa de vinte e oito graus. Novembro era e todos sabiam o penúltimo mês do ano, mas para aquele homem magro dir-se-ia de aspecto até franzino estava a ser o primeiro de um longo caminho em que teria de definir a própria vida. No bolso das calças trazia uma recordação que pelo significado incomodava mais do que qualquer objecto cortante, independente do tamanho que pudesse ter ou coubesse num espaço para o fim reservado, e ao lado, depositado na areia, uma mala de couro puro, guardava papéis que jamais poderia alterar; mais fácil para ele, quisesse, seria iludir o Estado manobrando valores na situação líquida da empresa.

Inadvertidamente instalara-se no rosto a apatia, uma ruga interesseira ornava-lhe a fronte, os lábios secos comprimiam-se tornando-os mais finos do que eram na realidade, os olhos de cor preta contracenavam com a cor do luto que lhe vestia o pensamento, e baixando a cabeça em direcção à “maleta” vê-se incapaz de suster o sorriso ao observar um minúsculo caranguejo a entrar no buraco feito na areia meia húmida deixando escapar entre dentes um desabafo – a natureza por vezes é perfeita – enquanto nas águas claras da rebentação pequenos peixes pareciam interpretar uma valsa de Strauss trocando sistematicamente de lugar evitando enlearem-se no plâncton ao mesmo tempo que uma Raia fêmea executava pequenos raids afim de abocanhar um cavalo-marinho ou camarão bebé que crescido um dia seria junto com os seus semelhantes regalo para muita gente em tardes de Domingo no Baleizão deitando umas girafas abaixo cheinhas de cerveja Cuca ou Nocal olvidando a semana de trabalho e preparando-se para mais cinco ou seis dias de luta, participando com o seu labor na construção duma terra que acreditavam também ser sua. Nas costas daquele ser humano uma cidade agigantava-se aos olhos de quem chegava ofertando-lhes imensas possibilidades de êxito e espaço suficiente a que os seus filhos pudessem brincar nos jardins praças ruas largos avenidas praias e até nas estepes imaginárias que uma criança sadia podia construir através de sonhos, mesmo que periodicamente fossem confrontados com o zoar dos mosquitos no momento de adormecer. 

A hora precisa balançava-se entre as seis e um quarto e as seis e vinte e sete da tarde, o calendário marcava o dia nove, há muito que terminara a 2ª Grande Guerra, as nuvens continuavam a desempenhar a sua função, os rios corriam para a foz, as leoas pariam filhotes de leão, o rinoceronte vivia feliz marrando contra o vento, veados e javalis tiravam férias nas planícies, os elefantes continuavam a ter tromba, e o resto dos seres vivos continuavam vivos. Duas gaivotas africanas, tão gaivotas quanto as europeias, cruzam os céus em desafio à lei da gravidade sem darem conta da gravidade do sofrimento daquele homem sentido, que com sentido as observava, ainda mudo, contendo um grito de raiva condenando o Criador.

Mais para o centro da cidade os automóveis circulavam ao ritmo do costume os sinaleiros controlavam os desvarios, autocarros não se atreveriam a desviarem o trajecto estabelecido, homens e mulheres seguravam como podiam os filhos endiabrados, na Capital Lusitana o dono da cadeira mantinha-se o mesmo deliberando como muito bem entendia e o ano chegaria ao fim depois do Natal, comemoração onde muitos fariam do evento uma festa enquanto outros vestiam a cor do desespero. No primeiro andar de uma vivenda situada na zona do asfalto, uma mulher casada mãe de dois filhos de dez e onze anos, ainda ausentes de casa, acabara de dobrar lençóis engomados, pertença do enxoval de casamento da cunhada falecida dias antes no hospital público da cidade onde moravam, espreitava o sobrinho recém-nascido que esbracejava no berço. Assumiria o papel de mãe pela terceira vez, tarefa facilitada pela experiência adquirida sabendo todavia que aquela missão teria prazo, mas ultrapassava no momento as dificuldades sentidas aquando tivera de cuidar dos seus próprios descendentes. Como lhe chamaria o fedelho quando crescesse? Mãe ou tia? Seriam os seus filhos irmãos ou primos, interrogara-se já. Ficaria o menino órfão toda a vida ou adormeceria um belo dia nos braços duma madrasta a quem nunca chamaria pelo nome? Sabia contudo que ele não trouxera do ventre materno nenhum panfleto com instruções, e mais tarde perceberia que as mães eram emprestadas por muito amor que lhe tivessem dispensado, mas até lá enquanto pudesse e para tal solicitada cumpriria a função que a natureza de mulher lhe conferira.

A quarenta minutos de machimbombo o homem recolhe os pertences espalhados pelo chão da praia, e lançando um último olhar às calmas águas que enfrentavam com elevação a costa mas já mostrando uma cor azul de breu dirige-se para a paragem mais próxima determinado a apanhar o primeiro transporte que o levasse o mais perto possível da residência. Pretendia deixar a mala, verificar uma outra papelada que tinha de estar corrigida e disponível para o dia seguinte, tomar um banho reconfortante e só depois se dirigir a casa da irmã afim de estar com o filho. Não era fácil encará-lo tal a parecença com a defunta mãe, até porque em desespero já acusara o bebé de ser culpado da morte da mulher que amava, se bem que por vezes cruel a natureza optara por deixar vivo o rebento talvez sabedora que a dor pela perda do filho seria muito mais atroz que a orfandade do moleque por muitos anos que vivesse.

Chegado ao destino antes de entrar em casa verifica se fechara o portão que dava acesso ao jardim fronteiriço do edifício, não que temesse assaltos mas apenas como medida preventiva à incursão de um qualquer cão vadio. Gostava de cães e contava mal a vida entrasse no círculo da normalidade ter um ou mais para que o filho tivesse com quem brincar e aprender o que de sublime a natureza podia transmitir, acima de tudo o verdadeiro instinto de sobrevivência e a lealdade para com quem o tratasse bem. No fundo do seu íntimo era um amante dos animais, homem incapaz de pegar num pau ou qualquer outro artefacto e feri-los, e decidido a tomar banho coloca no gira-discos um disco de vinil de 78 rotações com trechos clássicos na voz de Caruso; a “Furtiva Lágrima” entoa pelo salão passeando até à arrecadação debitando notas que suaves acariciam as plantas floridas dos vasos e canteiros no quintal. 

Durava pouco tempo, tempo suficiente para um duche ligeiro, e eis que já aperaltado o homem olha para a aliança de casamento colocada numa pequena caixa depositada sobre o tampo da mesinha de cabeceira sem que pudesse evitar um estremecimento ante a imagem que tal objecto sujeitava a memória. O anel, de ouro puro, era composto por duas argolas finas e entrelaçadas que se fechavam automaticamente, e dentro, gravado o nome da mulher. Ela levara um igual com o nome dele no dia que descera à tumba situada no cemitério público da cidade que ambos tinham decidido viver até que a morte os separasse.

Não muito longe, debruçada no berço a irmã desconfiava que a curta união em vida entre o irmão e a falecida se transformaria numa fusão de almas para o resto do tempo que o tempo lhe concedesse, algo que lhe custava admitir. Era mais novo cerca de quatros anos e uma vida inteira à sua frente para desfrutar, custando-lhe admitir que desperdiçasse os anos em vão tendo em conta que, e sabia-o de fonte segura, para além de haver um batalhão de mulheres desejosas de o terem como companheiro íntimo, a própria irmã da cunhada estaria disposta a sacrificar um hipotético matrimónio para entregar a vida de modo que o sobrinho não corresse solitário pelos tortuosos atalhos da orfandade. Olhou mais uma vez aquele bebé moreno de cabelos negros saudável até ver, e simulando que o embalava apreciou certa calmaria na expressão misturado com um sorriso enigmático, tomando-o docemente nos braços. O calor emanado por aquele pequeno corpo era-lhe familiar pois por duas vezes, anos antes, sentira idêntica sensação.

Noutra casa e noutra rua também o tempo no relógio não parava, e o pai daquela criança sabia serem horas de ir ter com a família. Possivelmente quando lá chegasse depararia com o sítio cheio de movimento, dois sobrinhos a guerrearem-se à causa de um brinquedo que o pai adquirira aquando da última viagem à Europa, e fechando cautelosamente as portas da vivenda dirigiu-se para o portão que dava acesso à rua. O passeio estava limpo e a caminhada até ao destino não ultrapassava os quarenta e cinco minutos se optasse ir pelas duas avenidas principais, ou menos dez se fosse por atalhos que tão bem conhecia. Já na rua pára subitamente, abana a cabeça e decidido volta ao quintal dirigindo-se para dentro de casa pela porta das traseiras, a que mais perto se situava do quarto, e já nele repousa novamente o olhar na aliança recolhendo-a com jeito evitando que não caísse ao chão ao mesmo tempo que no cimo da avenida General Carmona a irmã dá fé de um estremecer brusco no bebé, um cerrar de pálpebras dirigindo o olhar acutilante para o infinito e fazendo-a tremer, desconhecedora todavia das razões de tão brusca mudança facial pois segundos antes parecia sorrir-lhe como forma de agradecimento, e mais inquieta fica por não lhe escutar, e natural seria, qualquer choro ou lágrimas de dor acorrendo com prontidão afim de o tomar mais uma vez no colo

Entretanto na avenida Sá da Bandeira o irmão empunhara um martelo e desferindo um golpe calculado funde pela violência do impacto as duas argolas. Aquela jóia jamais se abriria e nenhuma outra tomaria o lugar dela no dedo anelar da mão esquerda, selando com o acto uma união que exército algum, leis humanas, cantos bíblicos ou doutrinas filosóficas anulariam. Agrilhoara o seu amor em memória da única mulher que haveria de amar guardando num pequeno cofre aquela que seria uma aliança para a eternidade. Na rua escuta-se o latir dum cão rafeiro ao mesmo tempo que uma lufada de ar amornado penetra na casa percorrendo-a da cozinha à sala, o que leva o homem a verificar se portas e janelas estariam devidamente fechadas. 

Na avenida os carros pareciam ter deixado de circular, algo que não incomodava as pessoas que eventualmente se preparavam para jantar, se bem que para o dono daquela casa a refeição podia esperar pois fazia-se tarde para um outro compromisso; sabia ser tempo de se pôr a caminho e dirigindo-se para a saída, ao passar pelo corredor, antes de atravessar a sala de jantar parou em frente ao calendário arrancando as folhas correspondentes aos dois últimos meses de 1953 decidindo que naquele ano e naquela vivenda não se festejaria o Natal, e já na rua à distância de dez metros do portão viu que distraidamente o deixara entreaberto, mas não voltou atrás para o fechar.



FIM
Inácio


 
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