O Pedregulho
O
PEDREGULHO
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Bamboleando,
deixava ver-se um reflexo semelhante ao de uma asa de corvo quando incidiam
raios do sol ao nascer do dia num esvoaçar imaginário excitada pela aragem que
se fazia sentir na orla marítima e que mais tarde aumentaria como um por de sol
tropical. O espectáculo que a pequena ondulação construía para além de pano de
fundo enfatizava o andar que podia considerar-se um bailado de execução
irrepreensível de uma primeira bailarina do Bolshoi. Coisa alguma parecia
perturbá-la; os meninos a levantar e atirar areia para os banhistas alapados
nas toalhas a bronzearem os corpos quando chutavam as bolas imaginando-se
CR7’s, os pares de namorados a beijarem-se enquanto untavam a pele com
protectores factor 30 elas aspirando a modelos eles a galãs de telenovela, os
pais aborrecidos com as mães por terem de aturar as sogras que intrusamente se
metiam nas férias, os avós arrepiados com os mergulhos dos ‘ai jesus’ das suas
vidas, os empresários falidos deitando contas aos prejuízos, os salvadores nadadores
por irem iniciar mais uma pasmaceira pois há 10 anos que ninguém se afogava
naquelas praias, nem sequer os donos de animais que sem os donos darem conta
faziam necessidades na mesma areia onde as pessoas se rebolavam mas que aqueles
civicamente tratavam de apanhar os dejectos.
Ninguém
poderia saber ou imaginar o que ia naquela cabeça, que sentimento nutria pelos
que lhe eram próximo, em que partido pudesse votaria, qual o clube do seu
coração, gostava ou não de corridas de touros e do show hilariante dos
toureiros a espetarem farpas no dorsos dos animais; talvez nem soubesse porque
existiam estrelas no céu ou porque o sol queimava outras vezes não; incluso,
podia estalar a 15ª guerra total, colidirem os continentes no maior desastre
geológico cresceram glaciares ao longo da zona tórrida correrem rios da foz
para levante, desde que não elegessem para os governos nacionais um animal de 4
patas a vida continuaria perfeita e o mundo em equilíbrio.
Passados
brevíssimos minutos parou junto a um “pequeno pedregulho que se banhava cada
vez que uma onda rebelde enrolava a areia e ansiava refrescar os buracos dos
caranguejos” olhando fixamente para lá donde a vista humana alcança – Teria
dotes de visão extra-sensorial que permitiam ver o bailado das toninhas nas
águas profundamente azuladas do oceano – interrogava-se um pseudo turista à
procura do que não tinha na sua terra e continuava – A mente às vezes vai para
além e quiçá seja este o caso dum cérebro extra dimensional e capacita os
sentidos irem para além do racionalismo do subterfúgio comum ou a justificação
positivista sobre mundos paralelos onde cada ser encontra correspondência numa
outra galáxia ainda desconhecida para os cientistas dos mais evoluídos
laboratórios mundiais onde se pesquisa a vida para além da existência terrestre
– desabafava cofiando a barba rala avistando para lá do paredão da esplanada
colocada no areal com pequenos candeeiros que se acenderiam mal a noite
chegasse e pertencente a um dos vários hotéis que se estendiam pela avenida
principal a velha Yafo, e no molhe de rochas, 3 pescadores amadores de cana
empunhada lançando de volta o peixe para a água sempre que este não atingia o
tamanho legal.
Kasteliev Adraan
conhecia aquelas areias, as águas, os donos das embarcações de luxo ancorados
na marina fronteiriça aos hotéis, as pessoas que usualmente passeavam os
animais de estimação que a passo de trote gozavam a liberdade de poderem
ostentar as trelas fora dos jardins particulares circundados por muros erguidos
pelos homens afim de garantirem a sua liberdade, servindo esse cuidado também
para preservarem os que se enjaulavam e depois de amestrados, faziam as delícias
do público em circos de ocasião onde os anões eram palhaços e os mestres de
cerimónia maquilhavam-se à falta de cash para operações estéticas, como alguns apresentadoras
de televisão, escondendo os saltimbancos para lá dos 50 as rugas compradas nas tendas
de pagamento do seu baixo salário sem descontos para a segurança social, em
retribuição dos espectáculos levados à cena em praças de terra batida, alguns
mesmo obrigando os contorcionistas passarem pelo coador da vida e o que de
magro esta lhes oferecia.
Kasteliev desandou
do bar onde estivera até momentos antes a degustar o seu breakfast como se
fosse Sabat dirigindo-se pausadamente para o pedregulho que antecedia o paredão
contando o número de veleiros ancorados na primeira marina. 12 era o número;
espreitou o telemóvel e coincidente a data registava 12 de Agosto 2015 e a
pouco menos de 3 metros do pedregulho que desafiava a ondulação com intrepidez
estremeceu – fizera um ano, precisamente naquele mesmo dia, que recebera uma
chamada telefónica do seu grande amigo Rochoff Kardosio Luyssin alertando-o
sobre a ocorrência da morte de Nuksädiha e ficara para morrer.
Não esperava
com uma notícia da natureza daquela e que a cadela tivesse morrido sem que Arievilova
Marianiska nada lhe dissesse, reflectindo as razões do silêncio e concluíra na
altura que escondera a situação para evitar que ele lhe consumisse a paciência
e a forçasse a mandar abatê-la. Nesse dia ligou para Arievilova a criticá-la
por não lhe ter dado conhecimento do que se estava a passar recordando que fora
incapaz de disfarçar o estado de choro com que articulava as palavras; – Os
homens não choram…deve ter sido impressão tua – comentava-lhe um amigo na
altura, mas na realidade sentira-se enlutado pela cadela mais do que pela
traição por parte da dona, algo que já para si não constava da lista das
dúvidas.
Ao recordar
o episódio percebera que tremia e um incómodo suor escorria pela face e fechou
os olhos já com os pés dentro das águas cálidas do Mediterrâneo refilando por
não se ter descalçado; trazia calçado socas de borracha usadas quando ia para a
praia surgindo um forte anelo de se atirar vestido para o mar, refrescar o
pensamento, lavar as mágoa, condenando-se ao mesmo tempo por ainda não ter em
definitivo exaurido o que sentia por Arievilova mais do que ter preterido o
convite da sua prima Bibianina Oliveisaka que por força do destino se separara,
para que fosse morar consigo e Francsoov Candevsky único filho, o que seria
benéfico para ela não tanto pelo dinheiro de renda que não precisava mas pela
companhia e um certo apoio num momento que seria complicado com o filho a
entrar no campo das desbundas universitárias tanto mais que já lá morara
durante um ano o que seria no fundo um regresso ao seio familiar, optando porém
alugar uma pequena casa na esperança de uma futura reunião.
Na linha do
horizonte dum mar onde dentro de algumas horas o sol se despediria da terra do
médio oriente a caminho das antípodas, embarcações de média tonelagem navegavam
legalmente em águas internacionais levando fugitivos provindos de países em que
estalara uma novo e horripilante cruzada contra o ímpio cristão. Kasteliev até
podia perceber as razões mas condenava a barbárie muito mais a decapitação de
pessoas frente a câmaras de TV para posterior transmissão ao público infiel, e
pensava como reagiria essa gente se os ocidentais mandassem ás malvas os
conceitos humanísticos e tomassem iguais medidas ou piores. Como pacifista
sempre vira a violência inimiga condenável desde o tempo da ascensão dos
antigos impérios, mas tratou de varrer esses pensamentos já bastando ter vindo
à memória o acontecimento do ano anterior.
Perdido
noutros, recordava-se dos torneios de malha em que participara décadas atrás, e
criticou-se por não ter escolhido por desporto preferido o JDGF «Jogos De
Gráficos Financeiros» sempre melhor em termos de reforma que seria
provavelmente equivalente ao que auferiam os políticos profissionais que
decidiam nos gabinetes intervenções nos Golans. Era contra a guerra, mas também
admitia que os palestinos não ajudavam à missa para que a paz fosse pacífica;
entre os seus amigos comentava-se, falecido Arafat, o conflito Israelo-Árabe
desabava e Israelitas e Palestinos ergueriam finalmente uma pátria comum e que
Cristo no Santo Sepulcro agradeceria pois desde que os tiros tinham começado
nunca mais pudera descansar na paz do Senhor. Infelizmente, 13 anos após a
última copofonia com os atletas do «Malha Clube» a situação por aquelas
paragens mantinha-se inalterável, ou a tendendo a piorar.
Subitamente,
como se esvaziasse a praia, Kasteliev deu conta dum silêncio absoluto a
apoderar-se do espaço em seu redor; as três pessoas que pescavam no paredão
tinham-se milagrosamente evaporado, o Mediterrâneo transformado num mar-chão
quase espelho do etéreo, as embarcações ao largo da costa hasteando bandeiras
brancas ao mesmo tempo que um silvo, um assobio calculado atravessava a
atmosfera sublinhando o silêncio. Fora um som similar ao que tantas vezes
lançara em desafio a Nuksädiha e que o obrigou a virar-se repentinamente
procurando a origem do som. Junto ao pedregulho sobranceiro ao mar uma cadela
que abanava a cauda, também asa de corvo, por puro contentamento. Perante um
segundo chamamento sibilar desatou numa correria só parando junto a um casal de
pé limpando a areia da praia com as toalhas de banho.
Tal como
Jesus caminhando pelas pedras sobre o mar não vira o quadro que o pintor pusera
em tela depois da Última Ceia, igualmente Kasteliev não descortinara qualquer
cão parado perto do ‘pequeno pedregulho que se banhava cada vez que uma onda
rebelde enrolava a areia e ansiava refrescar os buracos dos caranguejos’.
Milagres não contavam para a sua religião e a fé contendo-os há muito
deixara de constituir doutrina, valorizando até crenças e ditados na medida do
valor que se lhes devia ser atribuído, mas sentiu o rosto ligeiramente molhado
limpando de imediato com a palma da mão uma pequena e teimosa lágrima que se
atrevera a desafiar um dos mais populares ditados que o homem inventara, e ele,
sabia-se um homem de verdade.
Inácio
12/08/2015
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