Há 42
anos, antes de ter optado por envergar a farda do exército português em
detrimento da deserção, tinha a convicção que nunca chagaria ao século 21.
Às portas
dos 62 anos (aos políticos em particular e ao povo português em geral) peço
desculpa por ter vivido tanto tempo
O que vos apresento destina-se a todos os políticos que militam nos
partidos políticos, da extrema-esquerda à direita radical para que possam na
medida da inteligência colectivo/partidária assacar o que no fundo está no
conto que sustenta UMA DAS MAIORES CRITICAS que até à presente data dirigi à
política, pretendendo também ser homenagem a todas e todos que de alguma forma
dedicaram a sua vida às crianças.
JÁ CHINCO
***
Assobiava e
cantarolava ao mesmo tempo um êxito do passado; a música que vencera o festival
do concurso de canções portuguesas para a Eurovisão, interpretada por Eduardo
Nascimento “O vento mudou” – Ela quis
viver e o mundo correu-a…prometeu voltar se o vento mudar – a verdade é que
não voltara, mas Joaquim Simulação apresentava-se contentíssimo naquela segunda
feira que obstante nada ter de santa seria um dos primeiros 5 dias da semana
que viveria com a graça do Senhor e as diabruras da neta.
Viúvo da sua
amadíssima Berenda Merecida do Céu, ia para 11 anos, reformado da empresa DAE-Ldª
(Depuração de Águas e Esgotos) e, como costumava brincar, de almas, usufruindo
uma reforma acumulada ao logo de décadas de servidão bem superior ao que a
maioria dos activos auferia, dando para apoiar a sua única filha, casada com um
contador de contadores de água, numa recente empresa criada para o efeito, ela
trabalhadora num escritório de angariação de profissionais no desemprego
inscritos na SS e que não se importassem de se esquecerem passar recibos da cor
da esperança, até por ser contraditório a cor ao que esperava quem se visse
nestas andanças de ‘por conta de outrem que por sua vez fugiam aos impostos
como o diabo foge da cruz, se bem que a de Cristo era muito mais pesada, e que
no fundo recebiam abaixo do salário mínimo, também ela no mesmo regime, ou seja
abaixo do limiar do acordado perlo governo, servindo a reforma também e entre
diversos passatempos poupar ao casal um bom dinheiro para infantários apesar
que no ano seguinte a menina entrava no ensino a valer para aprender o que era
ministrado nas escolas públicas já que o dinheiro não dava para folias no
privado, o que certamente no futuro custaria uma nota final de curso mais baixa
que os demais alunos de excelência saídos do privado. Porém isso seria um caso
a ver-se lá mais para a frente, já que pelos tempos mais próximos ele, Joaquim,
continuava a levar a neta à escola, salvo nos fins-de-semana já que não ia em
futebois e colocara à filha e genro serem os sábados e os domingos para
descanso e recuperação das capacidades físicas e mentais do cargo de Avôsitter
Ainda muito
jovem trabalhara na agricultura, antes mesmo de ter idade de laborar, mas os
pais eram caseiros e teve de fazer das tripas coração abdicar da sorna na
taberna de Patrício Sacatudo, e fazer-se à vida contribuindo para as despesas
do lar. Sabia o que custara a vida mudando várias vezes de entidade patronal,
só nunca ter tido oportunidade de trabalhar para o Estado, mas de tal nunca o
ouviram queixar-se nem deixara marcas. Surpreendente fora até bafejado pela
sorte; casara com uma mulher fantástica e que herdara uma casa com dignidade e
a saúde fora-lhe sempre fiel, agora às portas dos 66 anos.
Chegara
todavia a hora de atravessar a rua, pegar na neta e, como decidira, fazerem uma
visita ao zoo, constituindo sempre uma festa para Alzinhadeliciada
com os chimpanzés e os outros animais que brincavam junto às gaiolas dos outros
que a natureza fizera livre e os humanos os livraram de levarem um tiro dos
caçadores furtivos e ilegais de espécies em vias de extinção que as
cavalgaduras depois compravam para exporem como os troféus de uma raça que se
julgava superior; mas este tipo de argumentação dificilmente o avô conseguiria
explicitar à neta, daí que 7 minutos depois já preparava a carteira para a 1ª
despesa da tarde com a sua menina, seguramente comprar um ‘corneto de morango’.
A tarde
corria veloz, solarenga, sem amuos e gritos dos diabretes que por ali
cirandavam e que deixavam o velho com os cabelos em pé, mas a danadinha da neta
era esperta o suficiente para perceber, querendo gelados ou gomas, devia ser
prendada; após duas horas de vadiagem Zoológica deu conta que o avô aparentava
um ar cansado e nada melhor que o desafiar para parar e tomar um café, e
aproveitando a debilidade dele pediu para pararem.
- Tou canshada quero shentar…
- Está bem paramos na esplanada aproveito e
tomo um café
- Eu não quero nada ‘vuvu’!
- Nem um Sumol…
-Hummm pode sher!
Enquanto se
deliciava com a xícara de café pensou que a neta talvez gostasse de escutar uma
história do seu tempo de menino e moço em que trabalhava na agricultura e sem
delongas puxa da memória e despeja um daqueles contos que não lembraria nem ao
diabo; por certo não encontrara em nenhuma livraria um Guia para Avós daí as
histórias da carochinha estarem no seu entender na moda e com o ar mais
seráfico do mundo deu início à narrativa, dissertando sobre a história de um
menino de 16 anos que se levantava às 4 da manhã para amanhar a terra e regar
os campos de plantações de tomate antes que o sol nascesse, assim evitando que
água evaporasse não chegando a embeber a terra incumprindo a sua missão, que no
fundo correspondia à sua própria história de vida, há 50 anos ganhando uns
cobres extra ao atravessar a fronteira a salto para trabalhar nas herdades da
Estremadura espanhola.
À medida que
desenrolara a história não dera conta do sobrolho franzido da neta que entre
golos de refrigerante e figas por debaixo da mesa, na expectativa que a droga
do conto terminasse antes que o rapazito se afogasse num dos veios de água que
alagava o tomatal; estava a achar aquela droga uma história muito infantil, em
que não havia TV onde o regador pudesse ver os concursos de passagem de modelos
das meninas de 4 e 5 anos perante um Júri que falava uma língua que não
entendia mas pouco interessava dado extasiar-se perante as pinturas e os
vestidos que usavam nos desfiles, aplaudidas pelas mães e algumas também pelos
pais e perante a cara de desilusão e arrelia dos pais das outras concorrentes.
Possivelmente o conto ainda ia a meio; Joaquim, visivelmente encantado com a
narrativa interpela a neta para constatar se estava a gostar – …blá blá e
depois Faustino regressava a casa para mudar de roupa e ir para o liceu blá
blá…
- Estás a
gostar Alzinha!
- Tou mas
que país foi isso?
- Portugal
onde é que achavas que era!
Esbugalhando
os olhos Alzinha coçou a cabeça com ar de quem não fora na conversa e respondeu.