Falaram de mim...quanta honra
MAS
POSSO SER FILHA
Muito se escreverá e escreveu
destes 40 anos comemorativos do 25 de Abril, a tal revolução onde os ditos
revolucionários almoçavam na mesma Messe dos outros, afinal tão revolucionários
quanto os primeiros. Também quero participar nesta efeméride através deste
conto, simples, passado precisamente 40 anos, atrevendo-me a a afirmar ser a
protagonista uma verdadeira revolucionária independente da tenra idade e
desconhecer o peso duma arma ou ter escutado a dor lancinante de alguém baleado
de morte.
O conto, verdadeiro, reporta-se
aos dias 8/9/10 de Abril e tem como principais protagonistas Ana Gomes, Adolfo
Inácio, narrado por Inácio, tendo a 1ª 20 anos e o 2º 60 – 40
anos de idade os separam tantos quanto me separam de Abril de 74.
Ana é uma lutadora, trabalha em
dois locais, para ajudar o magro salário do marido, de 23 anos. Adolfo é
divorciado, e o resto é “estória”, mas com H de história que esta que vos
conto, ao contrário das estórias da revolução, está carregada de verdade, pelo
menos da minha, e passemos aos factos….
Ana saída do serviço às 19
horas procura Adolfo no bar junto do BFC pois tinham combinado ir a pé até à
Rotunda da Boavista acabando por acontecer o desencontro – este entretinha-se
com a “net”, e quando reparou nas horas telefonou a Ana mas esta já estava a
caminho de casa dado que não o tinha visto. Combinaram contudo encontrarem-se
no dia seguinte às 11 h para irem ver a casa que Ana lhe dissera estar
disponível e podia servir aos intentos daquele, morrendo o assunto por ali
naquele dia; a noite seria dele tendo o resto do tempo para deambular pela zona
velha da cidade. Pelo caminho escutava as últimas news da política, o
estardalhaço levantado em redor do aumento do SNS, a diferença que seria para
milhares de famílias receberem mais 15 euros mês e a estupidez de condicionarem
esse aumento ao que o famigerado memorando troikeano definira…(podiam dar essa
verba pelo lado da comparticipação suplementar de alimentos ou um subsídio para
actos sexuais afim de evitar-se o cancro da expansão demográfica – tudo isto
muito mais importante que acatar ordens de quem tão pouco fora eleito e vivia à
custa de asfixiar as pessoas afim delas aceitarem trabalhar pelo valor de
salário chinoca, permitindo aos “mercados” contratarem trabalhadores a preço
dum “pacote de sal”.
Quarta feira iniciava-se com
bom tempo, calor logo pela manhã, alegria no pessoal que esperava nas paragens
de autocarro e metropolitano e a totalidade dos transportes públicos demonstrativo
que o contentamento se resumia a terem emprego mesmo recebendo o mínimo
estipulado pelos acordos salariais. Como Adolfo teria de se deslocar ao BFC
combinaria com Ana sobre 5ª feira, sendo o resto apenas mera rotina, escrever e
evitar confrontos com imbecis que entendiam entra antes de saírem os
passageiros nos transportes públicos – era hora de dormir, refazer o sistema
nervoso, enfim, relaxar.
- Olá boa tarde Ana como vai o
seu marido!
- Está bem e com o senhor
Adolfo?
- Quase perfeito e a Ana está a
fazer um testamento…
- É uma queixa à minha superior
por causa do chefe de turno que se anda a passar.
- Que idade tem o homem?
- À volta dos 50,
- E…………………
- Ele que se atreva!
- Mostre lá a carta talvez
possa dar-lhe um cunho mais… bolas isto parece um guião de telenovela.
Após terem acertado pormenores
para o dia seguinte ambos encerraram o assunto tendo ficado agendado encontro
para as 11 e picos do dia seguinte.
Quinta-feira, cerca das 11:45
Adolfo recebe uma chamada telefónica de Ana a comunicar-lhe que acabara de
chegar à rotunda. Passado breves minutos tomavam o autocarro a caminho de
Perafita, e ao passarem pela Adega Amarela Adolfo elucida Ana
- Já morei naquela rua, D .
Marcos da Cruz!
- Então é pertinho da casa que
vamos ver…mais duas paragens e depois 10 minutos a pé.
Passo a passo, conversa puxa
conversa, vasculhada a casa e todos os possíveis defeitos que pudessem existir
deram por concluída a visita e inspecção, tendo Ana sugerido uma ida ao
Marshopping, apenas 20 minutos a passo
de caracol. Esta queria aproveitar para mostrar o seu 2º local de trabalho e as
potencialidades do Centro Comercial.
- Senhor Adolfo às 13:30 temos
um bus grátis para o Boavista Futebol Clube aproveitamos e almoçamos por lá
- Tudo bem Ana mas não me dou a
esses luxos!
- Eu pago vamos ao Stop!
- Parece que a menina almoça
muitas vezes fora?
- Só quando não sobra comida do
jantar…
Pela forma e determinação com
que dissera pagar levou Adolfo a dar uma risada. Já no autocarro e de regresso
Ana recebeu uma chamada do marido e pela conversa parecia tratar-se de alguém
que estava interessado na casa que acabavam de visitar – « …mô já te disse que
essa gente não tem condições para ir para a casa e muito mais com um
bebé!» e dito de tal forma que dava a
entender será mandante do galinheiro…« sabe ele vem a conduzir sozinho liga
para mim para passar tempo mas a conversa nem tem assunto!» – de facto se
dúvidas as houvesse sobre o poleiro ficaram dissipadas e como Ana voltou à
carga com o almoço Adolfo resolveu brincar com a história do “pago eu!”
- Olhe lá Ana você acha que é
minha mãe?
Ela olhou para o companheiro de
viagem e retorquiu
- Mas passo a ser sua filha!
Às 23:32 Adolfo entrava em
casa. Sentado à escrivaninha deu conta das despesas serem maiores que as
receitas nesse dia permitindo que o pensamento voasse décadas, finais de 1973,
a sua vida, o que perdera e o pouco que Portugal lhe dera, deixando
escapar…«parece que me ressuscitaram a filha passado mais de 40 anos»
O facto em si não atenuava a
dor do passado. Abanou a cabeça, sorveu um gole de água e ao mesmo tempo que
escutava o cantar de um galo nas imediações…encolheu os ombros.
FIM
Inácio
10/4/2014
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