quarta-feira, abril 23, 2014

Falaram de mim...quanta honra







MAS POSSO SER FILHA



Muito se escreverá e escreveu destes 40 anos comemorativos do 25 de Abril, a tal revolução onde os ditos revolucionários almoçavam na mesma Messe dos outros, afinal tão revolucionários quanto os primeiros. Também quero participar nesta efeméride através deste conto, simples, passado precisamente 40 anos, atrevendo-me a a afirmar ser a protagonista uma verdadeira revolucionária independente da tenra idade e desconhecer o peso duma arma ou ter escutado a dor lancinante de alguém baleado de morte.

O conto, verdadeiro, reporta-se aos dias 8/9/10 de Abril e tem como principais protagonistas Ana Gomes, Adolfo Inácio, narrado por Inácio, tendo a 1ª 20 anos e o 2º 60 – 40 anos de idade os separam tantos quanto me separam de Abril de 74.
Ana é uma lutadora, trabalha em dois locais, para ajudar o magro salário do marido, de 23 anos. Adolfo é divorciado, e o resto é “estória”, mas com H de história que esta que vos conto, ao contrário das estórias da revolução, está carregada de verdade, pelo menos da minha, e passemos aos factos….

Ana saída do serviço às 19 horas procura Adolfo no bar junto do BFC pois tinham combinado ir a pé até à Rotunda da Boavista acabando por acontecer o desencontro – este entretinha-se com a “net”, e quando reparou nas horas telefonou a Ana mas esta já estava a caminho de casa dado que não o tinha visto. Combinaram contudo encontrarem-se no dia seguinte às 11 h para irem ver a casa que Ana lhe dissera estar disponível e podia servir aos intentos daquele, morrendo o assunto por ali naquele dia; a noite seria dele tendo o resto do tempo para deambular pela zona velha da cidade. Pelo caminho escutava as últimas news da política, o estardalhaço levantado em redor do aumento do SNS, a diferença que seria para milhares de famílias receberem mais 15 euros mês e a estupidez de condicionarem esse aumento ao que o famigerado memorando troikeano definira…(podiam dar essa verba pelo lado da comparticipação suplementar de alimentos ou um subsídio para actos sexuais afim de evitar-se o cancro da expansão demográfica – tudo isto muito mais importante que acatar ordens de quem tão pouco fora eleito e vivia à custa de asfixiar as pessoas afim delas aceitarem trabalhar pelo valor de salário chinoca, permitindo aos “mercados” contratarem trabalhadores a preço dum “pacote de sal”.

Quarta feira iniciava-se com bom tempo, calor logo pela manhã, alegria no pessoal que esperava nas paragens de autocarro e metropolitano e a totalidade dos transportes públicos demonstrativo que o contentamento se resumia a terem emprego mesmo recebendo o mínimo estipulado pelos acordos salariais. Como Adolfo teria de se deslocar ao BFC combinaria com Ana sobre 5ª feira, sendo o resto apenas mera rotina, escrever e evitar confrontos com imbecis que entendiam entra antes de saírem os passageiros nos transportes públicos – era hora de dormir, refazer o sistema nervoso, enfim, relaxar.

- Olá boa tarde Ana como vai o seu marido!
- Está bem e com o senhor Adolfo?
- Quase perfeito e a Ana está a fazer um testamento…
- É uma queixa à minha superior por causa do chefe de turno que se anda a passar.
- Que idade tem o homem?
- À volta dos 50,
- E…………………
- Ele que se atreva!
- Mostre lá a carta talvez possa dar-lhe um cunho mais… bolas isto parece um guião de telenovela.

Após terem acertado pormenores para o dia seguinte ambos encerraram o assunto tendo ficado agendado encontro para as 11 e picos do dia seguinte.

Quinta-feira, cerca das 11:45 Adolfo recebe uma chamada telefónica de Ana a comunicar-lhe que acabara de chegar à rotunda. Passado breves minutos tomavam o autocarro a caminho de Perafita, e ao passarem pela Adega Amarela Adolfo elucida Ana

- Já morei naquela rua, D . Marcos da Cruz!
- Então é pertinho da casa que vamos ver…mais duas paragens e depois 10 minutos a pé.

Passo a passo, conversa puxa conversa, vasculhada a casa e todos os possíveis defeitos que pudessem existir deram por concluída a visita e inspecção, tendo Ana sugerido uma ida ao Marshopping, apenas 20  minutos a passo de caracol. Esta queria aproveitar para mostrar o seu 2º local de trabalho e as potencialidades do Centro Comercial.

- Senhor Adolfo às 13:30 temos um bus grátis para o Boavista Futebol Clube aproveitamos e almoçamos por lá
- Tudo bem Ana mas não me dou a esses luxos!
- Eu pago vamos ao Stop!
- Parece que a menina almoça muitas vezes fora?
- Só quando não sobra comida do jantar…

Pela forma e determinação com que dissera pagar levou Adolfo a dar uma risada. Já no autocarro e de regresso Ana recebeu uma chamada do marido e pela conversa parecia tratar-se de alguém que estava interessado na casa que acabavam de visitar – « …mô já te disse que essa gente não tem condições para ir para a casa e muito mais com um bebé!»  e dito de tal forma que dava a entender será mandante do galinheiro…« sabe ele vem a conduzir sozinho liga para mim para passar tempo mas a conversa nem tem assunto!» – de facto se dúvidas as houvesse sobre o poleiro ficaram dissipadas e como Ana voltou à carga com o almoço Adolfo resolveu brincar com a história do “pago eu!”

- Olhe lá Ana você acha que é minha mãe?

Ela olhou para o companheiro de viagem e retorquiu

- Mas passo a ser sua filha!

Às 23:32 Adolfo entrava em casa. Sentado à escrivaninha deu conta das despesas serem maiores que as receitas nesse dia permitindo que o pensamento voasse décadas, finais de 1973, a sua vida, o que perdera e o pouco que Portugal lhe dera, deixando escapar…«parece que me ressuscitaram a filha passado mais de 40 anos»

O facto em si não atenuava a dor do passado. Abanou a cabeça, sorveu um gole de água e ao mesmo tempo que escutava o cantar de um galo nas imediações…encolheu os ombros.



FIM
Inácio
10/4/2014




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