Chegou...2013
NEM
TUDO O VENTO LEVOU
O barulho que
se escutava na sala indicava a arrumação de materiais de ténis, bolas cones e
raquetes fora do normal, lançadas para um canto quase como ‘jogadas’ tipo
winner. Durante os últimos dias o stress aumentara o mutismo nalguns treinos e
não deixava margem para dúvidas que algo de estranho se passava entre treinador
e atleta. Normalmente parco em palavras o main coach nunca deixara de intervir
perante erros inaceitáveis ou enviar palavras de motivação aos atletas
especialmente a Danilova Kostaleva.
Tudo parecia
indicar uma cumplicidade extra profissional, até pelos comportamentos fora do
court, mesmo que nunca ninguém pudesse afirmar fosse o que fosse sobre atitudes
condenáveis, e frontalmente não se atreveriam a tecer comentários que
motivassem a ira de atleta – quanto ao treinador Feliciano Findo nem era bom
imaginar como seria a sua reacção perante afrontamentos de carácter intimo e
que colocassem em causa a dignidade e o bom nome da jogadora; rumores havia-os,
mas palavras levava-as o vento, desde que não soprasse na sua direcção.
Importava no
entanto perceber caso existisse tal relação esta não seria motivo para
escândalo já que ambos tinham idade e maturidade para assumir as suas vidas por
inteiro, e a diferença de idades até nem ser por aí além; ela com 20 anos e ele
com 34. No entanto se fosse num país onde qualquer bastardo se julgasse nobre e
num seio duma sociedade toda nove horas onde se condenava uma acto deste tipo e
se enaltecia uma relação homossexual a coberto da TV haveria lugar a
linchamento social em pleno estádio nacional duma capital de país onde o ditado
“não há fumo sem fogo” era mais importante que “In vino verita”.
Mas naquela
tarde as coisas pareciam correr às avessas e azedado para o lado de Feliciano,
provavelmente por algo que a sua atleta dissera e não tanto pelos resultados do
último torneio que terminara dois dias antes, acordado entre ambos ser o
último, e como tal mais ou menos derrota fora de somenos importância. De
qualquer forma ninguém no clube percebera as razões de tal comportamento - na
parte final do treino só estavam nas instalações um menino que esperava a
chegada dos pais e o empregado que encerraria o espaço.
Nos
balneários, sozinho, Feliciano apressou-se a tomar banho – gastaria num máximo
de 5 minutos para não fazer esperar a atleta e como habitualmente vestiria de
novo o fato de treino e as sapatilhas de passeio; talvez a água quente
refreasse os ânimos. De saída fez um sinal com o polegar ao empregado e
desejou-lhe felicidades; este também sairia mais cedo dado que por norma o
clube fechava às 22h mas naquele dia estaria tudo em silêncio às 19:00 – era um
dia diferente apesar de ser mais um. Já fora dirigiu-se para o carro onde o
esperava Danilova que questionou: «Conduzes tu? – Sim deixo-te em casa e se
precisares de algo telefonas, tenho o telemóvel ligado pelo menos até à
meia-noite!»
Vinte minutos
bastaram para chegarem ao prédio onde ela tinha o seu apartamento, e a
despedida foi tipo Ace, dado não estarem com disposição para justificações
absurdas, até porque a viagem tinha sido acompanhada por um alheamento total
entre os dois – parecia choufer de táxi e cliente e tal como num jogo, onde os
sinais valiam ouro, quanto menos paleio melhor; um olhar dizia tudo ou quase
tudo.
- Amanhã
ligas-me?
- Sim amanhã,
amanhã…
Esperou que
entrasse no hall do prédio e retomou a marcha, sem chiar de pneus ou roncos de
motor. O trajecto até casa duraria entre 12 a 15 minutos, dependente do
trânsito. Ia desconfortado vagueando na indecisão sobre o que fazer naquela
noite; ou daria um salto até uma festança discoteira, ou remeteria para mais
tarde a decisão final. Como não tinha apetite escusou-se de parar no restaurante
onde habitualmente jantava.
Em casa,
ligada a televisão, descalçou-se e estirou-se no cadeirão, donde podia apreciar
o pátio, arrumos, mesa e cadeiras de jardim abanando a cabeça – quanto
desperdício aquela mansão para um homem que vivia só; 2 quartos, sótão, cave
com garrafeira, jardim, tudo para ser utilizado em família duas a três vezes
por ano e exclamou - «Não há abundância que não traga desperdício»
O relógio da
cozinha marcava 22:00, no exterior o tráfego aumentava circunstancialmente, no
rádio tocava algo parecido com “amar-te perdidamente” cantado por um português
e um espanhol – percebia com facilidade os idiomas. Fechou os olhos e deixou
que as recordações o inundassem, especialmente as que se reportavam ao amor.
Sentiu-se um homem afortunado se bem que a sua ‘cubana’ regressaria à “ilha”
que abandonara 7 anos atrás. Não o magoara a decisão porque gostava dela com todas
as forças e ao afastar-se, não fazendo nada para evitar a separação para que
pudesse ser feliz e concretizasse os sonhos era a melhor forma de lhe
demonstrar o amor sincero que sentia.
Subiu ao
quarto, abriu o guarda-fatos, retirou um fato cinza escuro, camisa seda azul
celeste, gravata em tons azulados, um cachecol escuro a tender para o preto e
um lenço com as suas iniciais. Decidira dar um giro perla cidade, ver as luzes
e os foguetes a rasgarem o céu, escutar o riso das crianças e ver o abraço dos
namorados e casais; depois tomar um whisky puro. Calçado, viu que o relógio de
pulso marcava 22:57 faltando pouco mais de 1 hora para romper o ano novo;
estava-se no dia 31 de Dezembro - «Bien venido el nuevo año»
23: 20,
vestido a preceito, distraidamente dirigiu-se para a viatura estacionada em
frente do portão e surpreso, ao regular o retrovisor viu um Skoda fazendo
sinais de luzes. Danilova não quisera esperar pelo telefonema “do dia seguinte”,
que podia até nem vir conhecendo bem a peça, e por outro lado era importante
entrar no ano novo sem pedras no sapato, não oferecer ao velho amuos, decidindo
que passaria o ano com Feliciano nem que fosse a última vez.
Pendurado na
escrivaninha um relógio de bolso antigo que ainda funcionava mostrava as horas
– 00:03, e o calendário na agenda que se encontrava aberta assinalava o da 1 de
Janeiro de 2013. Tinham passado sete anos desde que Danilova e Feliciano tinham
assistido “Sem Jogo de Artifício” à chegada de mais um ano. Nesse momento
reparei que ainda não abrira as cartas depositadas sobre o móvel, à entrada da
sala, por motivos da azáfama que aquele dia sempre provava, e fixou-se numa em
particular até pelo envelope e dentro um postal...
(Feliz Navidad y Próspero Año Nuevo)
....e uma fotografia de bebé
com o nome no verso – Gerome Kostaleva Findo.
Na rádio tocava, por mera coincidência, umas das mais emblemáticas
músicas dos Queens – Fred Mercury e Monserrat Caballiero em….“BARCELONA”
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