terça-feira, janeiro 01, 2013

Chegou...2013


NEM TUDO O VENTO LEVOU



O barulho que se escutava na sala indicava a arrumação de materiais de ténis, bolas cones e raquetes fora do normal, lançadas para um canto quase como ‘jogadas’ tipo winner. Durante os últimos dias o stress aumentara o mutismo nalguns treinos e não deixava margem para dúvidas que algo de estranho se passava entre treinador e atleta. Normalmente parco em palavras o main coach nunca deixara de intervir perante erros inaceitáveis ou enviar palavras de motivação aos atletas especialmente a Danilova Kostaleva.

Tudo parecia indicar uma cumplicidade extra profissional, até pelos comportamentos fora do court, mesmo que nunca ninguém pudesse afirmar fosse o que fosse sobre atitudes condenáveis, e frontalmente não se atreveriam a tecer comentários que motivassem a ira de atleta – quanto ao treinador Feliciano Findo nem era bom imaginar como seria a sua reacção perante afrontamentos de carácter intimo e que colocassem em causa a dignidade e o bom nome da jogadora; rumores havia-os, mas palavras levava-as o vento, desde que não soprasse na sua direcção.

Importava no entanto perceber caso existisse tal relação esta não seria motivo para escândalo já que ambos tinham idade e maturidade para assumir as suas vidas por inteiro, e a diferença de idades até nem ser por aí além; ela com 20 anos e ele com 34. No entanto se fosse num país onde qualquer bastardo se julgasse nobre e num seio duma sociedade toda nove horas onde se condenava uma acto deste tipo e se enaltecia uma relação homossexual a coberto da TV haveria lugar a linchamento social em pleno estádio nacional duma capital de país onde o ditado “não há fumo sem fogo” era mais importante que “In vino verita”.

Mas naquela tarde as coisas pareciam correr às avessas e azedado para o lado de Feliciano, provavelmente por algo que a sua atleta dissera e não tanto pelos resultados do último torneio que terminara dois dias antes, acordado entre ambos ser o último, e como tal mais ou menos derrota fora de somenos importância. De qualquer forma ninguém no clube percebera as razões de tal comportamento - na parte final do treino só estavam nas instalações um menino que esperava a chegada dos pais e o empregado que encerraria o espaço.

Nos balneários, sozinho, Feliciano apressou-se a tomar banho – gastaria num máximo de 5 minutos para não fazer esperar a atleta e como habitualmente vestiria de novo o fato de treino e as sapatilhas de passeio; talvez a água quente refreasse os ânimos. De saída fez um sinal com o polegar ao empregado e desejou-lhe felicidades; este também sairia mais cedo dado que por norma o clube fechava às 22h mas naquele dia estaria tudo em silêncio às 19:00 – era um dia diferente apesar de ser mais um. Já fora dirigiu-se para o carro onde o esperava Danilova que questionou: «Conduzes tu? – Sim deixo-te em casa e se precisares de algo telefonas, tenho o telemóvel ligado pelo menos até à meia-noite!»

Vinte minutos bastaram para chegarem ao prédio onde ela tinha o seu apartamento, e a despedida foi tipo Ace, dado não estarem com disposição para justificações absurdas, até porque a viagem tinha sido acompanhada por um alheamento total entre os dois – parecia choufer de táxi e cliente e tal como num jogo, onde os sinais valiam ouro, quanto menos paleio melhor; um olhar dizia tudo ou quase tudo.

- Amanhã ligas-me?
- Sim amanhã, amanhã…

Esperou que entrasse no hall do prédio e retomou a marcha, sem chiar de pneus ou roncos de motor. O trajecto até casa duraria entre 12 a 15 minutos, dependente do trânsito. Ia desconfortado vagueando na indecisão sobre o que fazer naquela noite; ou daria um salto até uma festança discoteira, ou remeteria para mais tarde a decisão final. Como não tinha apetite escusou-se de parar no restaurante onde habitualmente jantava.

Em casa, ligada a televisão, descalçou-se e estirou-se no cadeirão, donde podia apreciar o pátio, arrumos, mesa e cadeiras de jardim abanando a cabeça – quanto desperdício aquela mansão para um homem que vivia só; 2 quartos, sótão, cave com garrafeira, jardim, tudo para ser utilizado em família duas a três vezes por ano e exclamou - «Não há abundância que não traga desperdício»

O relógio da cozinha marcava 22:00, no exterior o tráfego aumentava circunstancialmente, no rádio tocava algo parecido com “amar-te perdidamente” cantado por um português e um espanhol – percebia com facilidade os idiomas. Fechou os olhos e deixou que as recordações o inundassem, especialmente as que se reportavam ao amor. Sentiu-se um homem afortunado se bem que a sua ‘cubana’ regressaria à “ilha” que abandonara 7 anos atrás. Não o magoara a decisão porque gostava dela com todas as forças e ao afastar-se, não fazendo nada para evitar a separação para que pudesse ser feliz e concretizasse os sonhos era a melhor forma de lhe demonstrar o amor sincero que sentia.

Subiu ao quarto, abriu o guarda-fatos, retirou um fato cinza escuro, camisa seda azul celeste, gravata em tons azulados, um cachecol escuro a tender para o preto e um lenço com as suas iniciais. Decidira dar um giro perla cidade, ver as luzes e os foguetes a rasgarem o céu, escutar o riso das crianças e ver o abraço dos namorados e casais; depois tomar um whisky puro. Calçado, viu que o relógio de pulso marcava 22:57 faltando pouco mais de 1 hora para romper o ano novo; estava-se no dia 31 de Dezembro - «Bien venido el nuevo año»

23: 20, vestido a preceito, distraidamente dirigiu-se para a viatura estacionada em frente do portão e surpreso, ao regular o retrovisor viu um Skoda fazendo sinais de luzes. Danilova não quisera esperar pelo telefonema “do dia seguinte”, que podia até nem vir conhecendo bem a peça, e por outro lado era importante entrar no ano novo sem pedras no sapato, não oferecer ao velho amuos, decidindo que passaria o ano com Feliciano nem que fosse a última vez.

Pendurado na escrivaninha um relógio de bolso antigo que ainda funcionava mostrava as horas – 00:03, e o calendário na agenda que se encontrava aberta assinalava o da 1 de Janeiro de 2013. Tinham passado sete anos desde que Danilova e Feliciano tinham assistido “Sem Jogo de Artifício” à chegada de mais um ano. Nesse momento reparei que ainda não abrira as cartas depositadas sobre o móvel, à entrada da sala, por motivos da azáfama que aquele dia sempre provava, e fixou-se numa em particular até pelo envelope e dentro um postal...

(Feliz Navidad y Próspero Año Nuevo)

....e uma fotografia de bebé com o nome no verso – Gerome Kostaleva Findo.

Na rádio tocava, por mera coincidência, umas das mais emblemáticas músicas dos Queens – Fred Mercury e Monserrat Caballiero em….“BARCELONA”










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