terça-feira, setembro 13, 2016

ANJO DA GUARDA



ANJO DA GUARDA


Nasceu sombrio e tristonho o Domingo, carregando o horizonte de fria neblina como se tratasse de uma montra de Verão que às vezes se faz Inverno, quase pré Outono das folhas que caem em projectos efectuados na Primavera. Na ruela exterior cães ganem às fêmeas enquanto uma mulher esbelta e fina que parece vinda das travessas do Inferno onde à vil miséria só algumas escapam; no braço uma tatuagem com o nome da filha, (2008 Vera).

Distante, mas não tanto que não se visse, um carro de luxo chiando os largos pneus arranca pela estrada da boa vida, pois as prostitutas por serem sérias profissionais tinham cumprido seu nobre ofício, podendo um ano mais o chulo ir gozar as vacances para Nice e ser tratado pelas madames como emissário de Deus. De relance, apresentava-se vazia o resto da avenida que a madrugada ainda dava sinais, e levantar cedo seria um longo sacrifício. 

Hesitante, à entrada ou à saída de um prédio, Libório arruma a improvisada cama. Tornara-se um dos muitos sem abrigo que escolhera o passeio como varanda e um gato cinzento como fiel companheiro, e já farto de uma existência cheia de tédio sonhara que lhe caberia um dia em sorte a fama, terminando por realizar o seu sonho mais antigo na companhia de uma famosa banda enchendo finalmente o baú com muito e honrado dinheiro.

Ainda ensonado, que pouco fora o sossego naquela noite, o pedinte atravessa a rua fora da passadeira confiando no seu único anjo da guarda; porém, na véspera, realizara-se no céu um funeral donde resultara o empobrecimento das hostes de Nosso Senhor.

Baixavam turvas, águas do rio Mondego, que a seca teimara a época inteira. No purgatório àquele pobre, saiba-se, ninguém o aguardaria, por distraído Satanás, e só para maledicência, piamente desprezado pelo Criador.


INÁCIO
11/09/2016

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