Comemora-se neste 10
de Junho também e ainda o dia de CAMÕES, já sem a Raça que o poeta tanto quis e
enalteceu.
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Passaram-se quase 50
anos que tomei contacto com o poeta e sua Obra, desconhecendo marcar-me tão
fortemente como hoje reconheço, se bem que nesse tempo, confesso, ter sido uma
estopada dado não abordar tremunos de bumbos e anguetas, nem o roço de coxas
nas matinées dançantes do Cine Tropical.
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Lusíadas era dado no
ensino como uma espécie de bomba atómica prós cábulas, daí que para a maior parte
da malta do meu tempo nem o querem recordar. Porém a Odisseia é muito mais que
o canto dos Bravos marinheiros, Navegantes dos 7 mares, Cruzados por terras do
ímpio, a vontade duma Dinastia ou a mentira dum Reino; é no meu entender a
sublimação do sofrimento dum povo que se fazia grande a cada século, com erros
e virtudes, sem palas nos olhos, tentando buscar mais além terras e riquezas
que pudessem minorar o sofrimento das gentes e os défices da própria nação.
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Colocando o chicote de
parte, aos alunos deviam ter-lhes contado os Lusíadas no tipo Colecção 6 balas
ou filmes de Bud Spencer; quis contudo o Ministério que criássemos aversão aos
Cantos e aos mais de nove mil versos escritos, sem o corrector da Google, que
violentamente tivemos de analisar, estrofe a estrofe, dividindo orações e
descodificando a semântica de cada pensamento expresso no texto. Erro dos mandantes
dessa época; todavia do outro lado da face de Luís Vaz, do lado onde não
descortinamos a pala do zarolho, conta-nos o homem em forma de soneto muito mais
que tristezas amorosas das amantes perdidas, como se julga ao ler-se Alma minha
gentil que te partiste, ou Erros meus má fortuna amor ardente…
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Para mim coloquei de
lado essas histórias do tipo Bela Adormecida ou Alice no País das Maravilhas pois
entendi, porque escrevo e declamo, que a alma a que se refere é à própria
identidade como ser pensante ao dar-se conta que afinal os sonhos são apenas
isso, e que do sonho à realidade ia um Adamastor de enganos. “Lá no assento
etéreo onde subiste protege-me para que não volte a crer em quem me traiu”.
Erros meus, sim,
porque errou todo o discurso dos seus anos, dedicando à pátria o que tinha de
melhor; e tinha a força duma juventude antes de a ver consumida no fogo do
infortúnio, finalmente dando fé que desta pátria não “vira senão breves enganos”
implorando ao criador que o levasse enquanto não fizesse escuridão na terra.
Lamentaria Camões não ver aprovada a Eutanásia caso fosse proposta pelos
revolucionários da altura antes de se avizinhar a Abrilada
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Camões político
introspectivo mordaz e outros atributos que desconheço mas que entendo poder
enquadrarem o perfil do Homem, mais do que no poeta, fizeram-me reler cento de
vezes o soneto “Sete anos de pastor Jacob servira”, mergulhando então nas
palavras versos estrofes, e essencialmente no que, quase cegando, abanava a
minha alma de poeta revolucionário, concluindo que o soneto antes de mais representava
– a revolta contra a injustiça da força de quem manda contra a fraqueza de quem
obedece.
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Labão, o mandante,
servindo-se da falta de legislação manteve Jacob num regime de escravatura
Laboral, algo fora dos usos e costumes do século XXI. Depois a falta de
direitos levaram a aceitação de tarefas sem reclamações ou advogados do diabo
que ajudassem o contratado – e aqui o narrador sobrevaloriza a determinação dos
oprimidos na luta pelos seus ideais e o que os pode levar a servir outro tempo
igual, pois Jacob estava disposto a servir pela pessoa amada outros 7 anos, nem
que não fosse para a ver por mais um dia, sabendo que sozinho jamais alcançaria
a Liberdade.
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Quando me coloco na
pele de Labão sinto temor, pois vejo-me confrontado com a decisão de uma filha,
Lia, que não aceita por solidariedade com Raquel, e também numa demonstração de
libertação feminista, ser moeda de troca para os interesses financeiros do pai.
È o princípio da revolta do próprio poeta contra a opressão, a violência
familiar, a subjugação dos filhos dependentes aos pais tiranos, e ainda a
primeira e irrevogável afirmação que a mulher não devia ser objecto de troca
por vontade dum qualquer proprietário, mesmo que esse fosse o progenitor; que
pai é quem assim trata as suas próprias filhas?
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Estará o século 16 tão
distante do actual?
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Definitivamente Luís
Vaz não era só o chatíssimo poeta das Armas e Barões Assinalados, antes
apresentava-se aos meus olhos como a consciência dos oprimidos e daqueles que
se iam valorando a cada onda, a cada tempestade, esperando que ao leme duma
frágil Nau houvesse um Vasco da Gama capaz de voltear o cabo das Tormentas.
Mas faltava algo no
soneto, algo que não podia deixar de me surpreender ou tão pouco passar
despercebido. Afinal de contas, e sem que o frisasse, Camões coloca o dedo na
ferida sabendo que pagaria caro todo o atrevimento de quem ousara acusar um
reino que outrora tanto sublimara. A sociedade desse tempo era efectivamente
aos seus olhos, patriarcalmente desnuda de escrúpulos, e elevando os olhos ao
Olimpo, já descrente da bondade de Deus, relega Eva para uma mera procriadora
face à vontade dum deus malévolo que depositou nas mãos de Adão o cajado da
liderança, e condenou-se a si mesmo sendo no fim, como todos nós, esquecido por
aqueles a quem servimos, quando deixamos de ser fundamentais ou utilitários nos
objectivos programados pela classe reinante, onde nem a própria mãe merece
qualquer respeito, e e tal a revolta, que o Poeta não fala da mãe de Lia e
Raquel em toda a extensão do poema. Seriam órfãs, Labão viúvo, ou quem sabe se
a mulher esposa era tão desprezível que nem direito tinha a pronunciar-se sobre
o destino das filhas! Ainda não existiam barrigas de aluguer…
Hoje, não me custa
admitir que este Homem fosse mais do que um simples poeta, os Lusíadas uma obra
intemporal na condenação ao reino e à sociedade da altura a que se proibira
colocar na Odisseia, e tenha com genialidade optado por a colocar humanamente
num tratado absoluto sobre psicologia/filosofia/política/direito, em apenas 14
linhas distribuídos por 4 parágrafos. (!)
E diria hoje: Mais lutaria
se não fora, para tão longa a batalha tão parcas as munições.
Continuamos a cruzar
os oceanos, e mais uma vez… em busca do oiro e das especiarias
Adolfo Castelbranco
d’Oliveira
8/6/2016