Para todos as pessoas de boa vontade especialmente para o Papa Francisco
FRANCISCO
REVOLTAS
(Conto de Natal)
2013
Quase podia ser uma das histórias da
minha juventude ou infância, carregada de surpresas, em que fui
tantas vezes ave de arribação, pássaro sem galho fixo, mas é tão
só um pequeno conto de natal versando um episódio quase mitológico
sobre um amigo de tempos idos que tive o privilégio de conhecer
noutras latitudes e se a memória não me atraiçoa esse jovem teria
por essa altura cerca de 17 anos dando pelo nome de Francisco,
Revoltas de apelido e não só...conhecido na cidade e arredores como
um gajo enxertado em corno de cabra, o mesmo que dizer “com o diabo
no corpo” aliás tendo exactamente o perfil dum tal Jesus quando
entrou no Templo para correr à chibatada os vendilhões, só que
2000 anos depois o nosso bom Francisco a fazê-lo seria à mocada nos
costados da corja de racistas que passavam o tempo a dizer mal dos
negrinhos que, para além de não terem a cor do tal Cristo o pessoal
nem sequer sabia que o cota andara por cima das águas ou que tivesse
feito o milagre dos pães que para a maioria do pessoal bem podia
regressar à terra a ver se repetia a cena e matava a fome a muitos
desgraçados.
Já se entrara no mês de Dezembro do
longínquo ano de 1970, morto o Salazar por culpa Divina, subido ao
poder o Marcelo, também por culpa do mesmo, e o Natal aproximava-se
quente com as temperaturas a rondar os 26º, e naturalmente húmido,
convidando às Cucas e Nocais, Finos Girafas Canhangulos e Elefantes
(tudo cerveja a copo) e porque não a uma boa vinhaça Lagosta verde branco ou Mateus Rosé acabado de sair da geleira também conhecida
por frigorífico.
A época em si era enfadonha para o meu
amigo, e a família sabendo do pecado de boca dele arranjavam-lhe
sarna para se coçar esquecidos que o “meu” estava a crescer
todos os dias e desde que nascera – Féfé detestava aquele tipo de
festas, onde se reuniam para encher o bandulho, conversar de coisas
que não tinham interesse para a revolução – de bom eram as
férias estudantis à pala do Cristo, e mesmo que a rapaziada fosse
ateu gozava-as religiosamente.
A Consoada na casa de Francisco
reuniria nesse ano os 20 habituais adultos, a matilha mais nova, e
teria os tradicionais pratos copos e talheres reservados
preferencialmente para estas épocas, uma árvore de Natal carregada
de prendas que os mais velhos sabiam de cor e salteado as prendas que
continha e o que lhes custara em escudos ou angolares, continuando
contudo a indrominar a garotada com a patranha que o Pai-natal ia
descer pela chaminé a meio da noite (mas só depois de estarem todos
a dormir). Claro que os mais velhinhos riam-se com tamanha anedota
até porque na sala onde estava a árvore não havia Chaminé nem
lareira e as fogueiras ateavam-se no quintal e só para a
brincadeira. Por outro lado quem acreditava que o Pai-natal já
nascera velho e de barbas brancas, que não morria? Mas se a ideia
agradava aos mais velhos para que os haviam de contrariar.
Chegados ao jantar da noite que
antecederia a Consoada, mais propriamente dia 23, Francisco escutou
silenciosamente as deliberações face ao dia seguinte e que reuniria
os do costume mais 2 amigos do pai que estavam de passagem pelo
território, e um casal com dois filhotes que tinham chegado na
semana anterior à cidade e conhecidos de fresca data da própria
família, convidados por um dos primos que não explicou a origem de
tal amizade.
Enquanto as conversas iam decorrendo
Francisco media mentalmente o tamanho do salão sobejamente sabida a
ária até porque foram inúmeras as vezes que fizera corridas de
dinky toys, sabendo
perfeitamente que caberiam mais ½ dúzia de morfantes e ainda
sobrava espaço para um tango a dois. Porque não! Pensou. Se podiam
convidar estranhos ele também tinha o direito de convidar alguns dos
seus amigos, estes de longa data de dos jogos de futebol ao luar,
para além que estes não tinham dinheiro para viagens à terra natal
- alguns nem tinham electricidade para iluminar a árvore de Natal.
Eram criados e interrogou-se se teria ou não direito ao Natal a
criadagem e para este jovem de 17 anos a evidência sublinhava-se com
uma única palavra -Tinham- razão porque tomou a corajosa decisão
de anunciar à mesa que tinha 3 amigos para cearem com ele na noite
de consoada.
- Vou trazer o Mungué o
Vaijasexta e o Totogula amanhã para comerem connosco
Fez-se
silêncio sepulcral na sala; ninguém ousaria acreditar que o
“menino” tivesse o desplante de trazer criados para jantar com a
família, e dando Francisco conta da constrangimento causado rematou:
- São meus amigos menos
estranhos que os sujeitos que vocês convidaram que nunca vi mais
gordos e não faço ideia se essa gente é de confiança enquanto
estes vocês conhecem à anos e até de vos fazerem certos recados
quando algum dos nossos empregados se ausenta para ir à terra aliás
como acontecerá amanhã com a Roxalitia e o Seminato!
O
silêncio continuava doiro e Francisco deu por terminada a refeição
levantando-se e dirigindo-se para a saída que dava para a terraça
deu a entender a outra razão da sua tomada de decisão
- Nesta sala sobra espaço, e
para além do número das pessoas que vocês estavam a contar ficará
muito mais bem composta com...mais 4 à mesa
Cinco
anos mais tarde, cruzei-me casualmente com Francisco numa rua
movimentada da capital da ainda província ultramarina e aproveitámos
para por a conversa em dia, tomar café, rever episódios da infância
e da juventude confidenciando-me que embarcava no fim desse mês para
o “puto”.
Mas
a vida continuou a oferecer a muitos a possibilidade de continuarem
ter um bom Natal, tantos quantos os anos que viveram; alguns porém,
deixaram a “Árvore” plantada num quintal duma qualquer cidade da
África lusófona, procurando um porto de abrigo para ao navios que
se perderam na tempestade da revolta, daí não ter sido surpresa
nenhuma quando, passeando na avenida dos Aliados na cinzenta cidade
do Porto, pareceu-me ver um homem a escrever sentado num dos bancos
de ferro presos a uma pequena mesa, de igual material que a câmara
colocara no espaço normalmente utilizado por turistas em tempo de
verão. Era inverno ao contrário doutras terras, e sentindo que a
figura era familiar aproximei-me da mesa.
Olhei
o relógio na torre do edifício; marcava 22:33 - os calendários sem
excepção assinalavam o dia 24 de Dezembro de 2012 e parado em
frente do local e
verificando afinal que a mesa estava vazia sentei-me de costas para a
Câmara. Nos últimos anos passara a consoada completamente só e nem
por isso ganhara de prenda uma medalha de mártir – tinham sido
noites duras e apesar de não matarem ficara a saber quanto doía a
solidão. Deixei rolar o olhar pela noite, escura e escrevi num
guardanapo de papel «que se lixe Cristo também não tinha consoadas
nem Natais». Levantei-me e decidi regressar a casa; felizmente não
precisava de caminhar sobre as águas do Douro e
exclamei:
- Que será feito de Francisco!
Fim
Bom
Natal 2013