quarta-feira, agosto 31, 2011

Funeral dum mineiro...!


FUNERAL DUM MINEIRO

Não sabiam as horas, entardecia
Extraindo ouro, respiravam fuligem
Mina acima depois até lá baixo
Por entre túneis escorados
Que os próprios tinham aberto

Semanas, meses a fio encardidos
Vivendo de credo na boca
Que nas avenidas subterrâneas
Apenas se descortinava uma faixa;
A da morte por falta de sustento

Não tardaria a escurecer
Num lugar que era sempre noite
Ouvindo’ rumorejar do veio d’água
Morador na sala ao lado
Duma mansão húmida sem janelas

- A trinta metros de profundidade
- Arrumavam grampos e lanternas
- Todas ferramentas modernas;
- Fazia-se tempo de volver’à cidade

Um olhar experimentado, cauteloso
Fotografada a abóbada escura
Viu que estranha mancha, reflexa
Lançava pertinente grito d’alerta;
O perigo fizera-se convidado!

Inundação! Deixa’escapar Custódio
Um velho mineiro e sábio
Ao ver rasgar-se o ventre térreo
Parindo um rio revolto e zangado
Por’entre duas falsas margens

Sem tempo, tudo se perderia
Incluindo vários e bons utensílios
Que pró corpo! Morada única
Dada aos homens à nascença
Para dela se desfazerem à partida

- A trinta metros ficara Sequeira
- Sempre o primeiro a chegar;
- Sem dúvida o último a abalar
- Apanágio de uma vida inteira!

Viu o tecto majestoso esbarrondar
Antes do encerramento definitivo
Daquela mina, eterna companheira
Das muitas horas tantas d’amargura,
Servindo-lhe agora de campa

E sorriu, de joelhos apenas se benzeu
Ao tempo que via o rosto gravado
De um dos patrões, o menos injusto
A quem desculparia por relevo
Nunca lhe ter dado sequer, bons dias!

Estrondo final, o rio tomou dimensão!
Resgatou’ q’era sua propriedade
Ao soterrar Custódio Assunção Sequeira
Enquanto largava’à superfície lágrimas
Chorando a morte de um mineiro

- Trinta metros acima, copos de cristal
- Reunia o concelho de administração
- Da empresa, em rota de extinção
- Celebrando prévio lucro excepcional
 
Cito Loio
27 a 30 de Agosto 2011

terça-feira, agosto 30, 2011

Um último passo, e voou...!

 
FUNERAL DUM TROLHA

Sai dois baldes de massa Chico das dores!
Na mochila a marmita, garrafa de tinto
Que o branco nem para lavar os pés;
Cabia-lhe embelezar as chaminés
Não fora sua excelência trolha, mestre Pinto
O melhor a rebocar os exteriores!

À talocha, espátula ou com uma vassoura
Seu trabalho era do tipo Bordalo Pinheiro
Que Pietá mais parecia um esboço
Comparada às obras daquele colosso!
Recebia pela exímia arte, pouco dinheiro
Enriquecendo o dono da construtora

Somava quarenta e oito anos escravizado
Quem diria, sessenta de nascimento
Ainda não tendo direito à aposentação;
Sabia escrever o nome em oração
Jamais se lhe escutara lamento
Discutira c’o patrão maior ordenado

Olhou a cidade desde o sétimo andar
Rio, a serra próxima, um sol à frente
Passeando calmo pelo estreito andaime
Quando recordou seu mano Jaime
Falecido no ano corrente
Vitima culpada da queda de um pilar

Sentiu-se como órfão da parte de irmão
Que de pais, a esses nunca conhecera;
Rebuscou no passado as alegrias
Semanas q’ trabalhara apenas sete dias
Mulheres da vida e de quem se esquecera
E as vezes que a Deus pedira perdão.

Que vazia se fizera ’sua alma, triste fado
Artrite acompanhada d’angina de peito
Esperava-o um fim carregado de miséria
Em companhia de gente muito séria
Atirada para um canto, de qualquer jeito;
No país, o pobre assim era tratado

Abriu os braços estranha forma alada
Sorriu aos céus, não deixava nada
Fechou os olhos e respirou bem fundo

Exclamando – ‘que tristeza de mundo! ‘
Deu sereno um último passo, e voou!
Pelo seu óbito n’ empresa ninguém chorou

Cito Loio

segunda-feira, agosto 29, 2011

Magari, talvez...!

domingo, agosto 28, 2011

Ébrio eu!!!


Funeral duma guerrelheira...!


FUNERAL DUM GUERRILHEIRO (a)


Crescera entre axiomas e a incerteza
Provinda duma família sensata
Passara saltarinhando pela abundância
Condenando a injustiça na infância;
Seu olhar reflectia um poço de pureza
A voz, canto missal, à noite serenata

Cedo aprendera as manhas da guerra
Nas brincadeiras do jardim da gajajeira
Um tiro de flecha, queda na máscara
As leituras poéticas duma diáspora
Gerando amor pelo povo e pela terra
Que por esta daria’a vida como guerreira

A cada passo entre beijos e a revolução
Cresceu-lhe o peito – e no peito
Inolvidável vontade de dizer basta!
“A minha vida só será gasta
Se prós sonhos encontrar uma razão
E da liberdade fizer macio leito”

 Embrenhou-se em combates na mata
Uma corrida com rajadas em mergulho
Dois berros! Mostrou o orgulho
Que a felicidade tem prazo sem data

Sentiu que era filha dum país novo
Esqueceu o nome, sua origem e o brasão
Que dentro do peito batia um coração
Pedindo o sacrifício pelo seu povo

Engalanada a praça junto à baía
Comemorava-se’em festa’ independência
Sem os heróis notarem qualquer ausência;
Viviam-se momentos de euforia.

 Cito Loio

sábado, agosto 27, 2011

El Portugués...!


FUNERAL DUM TOUREIRO

Trajara de luzes um fato todo enfeitado
Faixa apertada adelgaçava a cintura
Jaqueta curta, um botão desapertado
Capa ‘espada; touro à sua altura

Do centro da arena apreciou a multidão
Que coloria o redondel da praça;
Sinal da cruz, e uma pequena oração
À padroeira – Senhora da Graça

Tocou a finado o velho corneteiro
Dando início a mais uma soberba faena;
Chegava’ altura de brilhar um toureiro;
Olé touro! Palmas para Avelino Pena

- Uma, duas, e pela terceira vez
Se ouviu _ Viva el nuevo Cordobés!

Volteio com a capa, meio rodopio
Fitou o olhar sério e quente do animal
Experimentando um arrepio;
Aquele bicho nunca lhe fizera mal!

Quinze mil sedentos espectadores
Tinham pago para ver mais uma morte
Agraciando o herói com flores
Cabendo-lhe ainda o dinheiro por sorte!

Envolveu o recinto o silêncio absoluto
Antes de se ver a mortal estocada
Dum bravo c'o seu olhar de luto;
Olé touro! E viu-se uma última cornada

- Nobre, olhou o adversário com altivez;
Não voltaria a tourear, ‘El Português’…

Cito Loio

quinta-feira, agosto 25, 2011

Através dos Pirinéus...!




FUNERAL DUM CAMIONISTA

Contou numa pasta magro espólio
Títulos do tesouro migalhas sem natal
Viu papéis d’inspecção; pneus óleo
Tudo em ordem! _ Até o veio principal

Última viagem para aquele patrão
Que os anos já pesavam em demasia;
Não casara, evitando a solidão
Q’ daria’ uma mulher por companhia

Traçou a rota, através dos Pirinéus
Carga assente, nós, toda bem cintada
Irun, paragem certa antes de Bordéus
Muita milha o esperava d’estrada

Dentro da sua cabine era imbatível
Recordando’ filme ‘comboio dos duros’
Sem ida’ao céu, questão de combustível
pois jamais se metera em apuros

Tocou uma sonora ‘barulhenta buzina
Dois controlos da “gê ene e erre”
Sem multa que a selva também ensina
Em matilha, não há coyote q’ não ferre

Balançando, pendurado no retrovisor
Cruz sem Cristo q’o Senhor’enjoava;
No porta-luvas, foto de Jaquina Leonor
Sua mãe; há anos q’ o não esperava

Caída’a noite, retornavam os pecados
Dispondo de vinte e quatro horas
Que Deus fizera dias apertados
E escasso o tempo para as demoras

Uma bomba, o motel, outra portagem
Não parara que estava à pinha
O seu negócio era seguir viagem
Para descarregar os sacos da farinha

Noventa, marca o limite da lei, e rodava;
Sem travões perdia-se João Aparício
Caixa de velocidades – nada funcionava!
Trinta toneladas, e um precipício…

Forjaram provas, acusação d’alcoolismo
Condenando o falecido em tribunal!
Vencera uma vez mais o cinismo
Em defesa duma seguradora nacional

Cito Loio

quarta-feira, agosto 24, 2011

Merci Mireille, merci!

Porque ela é um dos símbolos da minha adolescência
 .
Que la paix soit sur le monde pour les cent milles ans qui viennent
Donnez-nous mille colombes a tous les soleils levant
Donnez-nous mille colombes et des millions d'hirondelles
Faites un jour que tous les hommes redeviennent des enfants.
.
.

VELEJANDO

 Havemos de voltar, mais não são
Q' palavras magoadas de quem partiu
Pedaços dum todo q’ se’espalharam
Nos trilhos árduos do regresso;
Já o corpo cansado diz não
Que a vontade guardada ruiu
Agarrada às lembranças que ficaram
Coladas aos diplomas do sucesso

Deixam vaguear’a memória, e confusos
Pelas terras do fim da picada
Pintam nos olhos cubatas,
Como vivendas, esquecendo sanzalas
Sem recordações d’antigos abusos
Nem a miséria por muitos engalanada
Rasgadas que foram as actas
Dos crimes feitos em’minúsculas salas

Contudo, foram menos as atrocidades
Que à chegada tiveram de ouvir;
Maior o crime da acusação
Por algo q’ até os próprios ignoravam;
Gasto o tempo, esqueceram vaidades
Dos pais, dos filhos – outro sentir
Para novas rotas duma velha abnegação
Por onde todos antes navegavam

Mudou-se o homem, mudou o tempo
Erguidos estranhos vínculos c’o demónio
Trocaram o calor pelo frio traiçoeiro
Beneficiando novos conquistadores!
E soltaram de novo as velas ao vento
Percebendo o seu esforço inglório
Olharam a última vez à lareira o fumeiro
Reabilitando’antigo sonho de velejadores!

Pela segunda vez na história universal
Abrir-se-á os Lusíadas aos vindouros
Referindo que um povo, amulatado
Um novo sonho a novos povos ofereceu!
Dirão que vindo da sua terra natal
Desconhecido poeta da cor dos mouros
Reescreveu a história, enlutado
Assinando seu nome, tal como assino eu!

Cito Loio

segunda-feira, agosto 22, 2011

Viste-me nascer...!

 
 
A DÁDIVA
(poema 29)

Viste-me nascer
terra quente e fértil;
estendeste-me os braços
acarinhaste-me…
com a doçura dos teus haveres

Sim, tu, terra que foste meu berço
meu quintal minha cama
minha amada minha ama,
deixaste florir em teus olhos
mocidades libertas, apaixonadas
pela grandiosidade das matas!

Tu que recolheste em teu colo
belezas sem par, homens fortes
de pensamentos rectos
viste-te subitamente
assaltada ultrajada
devedora de credores
devassada pelos horrores
enraizados já nos fetos
antes de serem homens
antes de sem nada

E eu, hoje…
já crescido já criado
com olhos plenos e lágrimas
vejo-te como nunca queria ver
nunca gostaria de saber
que um colosso…primitivo
humano e bondoso
tivesse a cabeça
onde os pés têm os mendigos.

Por mim,
nunca passou o pensamento
de ter em minhas mãos
estratos do teu ventre
fios do teu cabelo
negro e crespo
gostas pálidas do teu sangue
sangue que já não…
te banha o coração

Não te lamentas
não choras!
aceitas submisso
as grilhetas que te acorrentam
despojando da nobreza
antes mais forte que fortalezas
de almas que não penam

_Tu, arrastas-te
qual vulcão extinguido
frio e inerte
cansado de lutar
por causa justa
por causa tua
e abandonaste-te à sorte
de veres achada
qual a barca que vai para o norte
distante paragem, longe de mim
longe dos teus; escondida.

_ Não! não há em mim crença
ao ver-te estendida
entre a terra e o mar,
entre o vento e o ar
cheio de flores podadas,
de homens rodeada

Pega nas armas, ataca
corre pelo campo árido
da guerra justa e merecida;
crianças a brincam no teu pátio,
sinal que não és vencida.

_ Liberta-te terra benigna
desvenda esse enigma
e poderá mostrar
que tens algo para dar;
sonhos que sonhei
cânticos que inventei
servir-te-ão para embalar
felizes criaturas do mundo
numa terra,
que tem muito para dar.

Pode o mundo estremecer
grandes, colossos, tremer;
pode tudo, tudo mudar
ficarás imutável a olhar
olhando em frente
sorrindo sempre
não voltando a temer
de um dia voltar a ceder

Pertences à raça pura
do sol de África
és sólido penetrável
trabalhadora incansável;

Levanta-te e anda!
ninguém pára nem descansa
oh! minha terra minha dita
recompensa-me do amor
suspende a minha dor
e dá-me…; dá-me cor.


Cito Loio
23/24 Novembro de 1973
01 h 25m


domingo, agosto 21, 2011

Foi há 17 anos...!



JÁ 43 ANOS!

Três, apenas os que já são depois dos quarenta
Ao olhar para as mãos vazias, nada contenta.

Se alguém houver que esteja à minha espera
Esse alguém que me dê de uma forma sincera
Tudo aquilo q’ por toda’ minha vida procurei
E sem sorte alguma, por tanto procurar, achei!

Muitas vezes demandei por trilhos errados
Olvidando palavras sábias doutros mal amados
A direcção q’o meu coração a despeito seguia,
Não lendo em cada sinal o q’ o tempo me dizia!

Desperdicei por isso o q’ tinha de mais sagrado
O tempo, a vida, e amores a q’estava agarrado

 Cito Loio
28 de Outubro de 1996

sexta-feira, agosto 19, 2011

Tributo à minha Kim


À minha Kim
 .

FLIC FLAC IMORTAL

Gira dá-me duas voltas uma pirueta
primeiro em pontas – rodopiiiaaa
corre, lança-te, é em espargata!
parfait, bravo! belíssima a tua silhueta
_ Consegui, eu já sabia, já sabia!
_ Claro que já sabes tudo, Xata

Rasgou-se de imediato’ sorriso
Testa alta olhos escuros ternurentos
Cabelo solto às vezes vinha de saia
Cordão porta-chaves e um guizo
Roncar da lambreta’a dois tempos;
_ Xato e se fossemos à praia!

Sem capacete vai o pendura
Passagem rápida pelos Coqueiros
_ Mãe, voltamos, mas tarde
_ Toma-me conta dessa aí ó fofura!
Aceno tchau, lá iam motoqueiros
E a kota quase à beira dum enfarte

Três reviangas uma escapadela
Tino à cause’ dos bófias
Escape livre! Deus não é mouco
Muito menos o senhor pai dela;
Sabia-se nem gostava de bazófias
Ou gritava, não era de ficar rouco

Areia cálida momentos depois
Flic flac só para aquecimento
Seguido de mortal empranchado
Toalha estendida e dava para dois
_ Conta coisas, q’ me dêem alento
falaste ao Zé, está enamorado!

Projectou-se uma onda risonha
Abafou simpática’a resposta
Duas gargalhadas, sai mergulho
_ Anda! Não faças ronha
eu ganho-te vai uma aposta!
Desafiava, qual aluvião d’orgulho

Nunca’escutou’o q’ queria ouvir
Guardando silêncio, até no abraço;
Talvez não quisesse acender’a chama
Em precaução ou por já sentir
Q’ breve’a morte tolheria o passo
Prematura, deitar-se-ia na sua cama

*
com um beijo do tamanho do universo

Cito

quarta-feira, agosto 17, 2011

Matar...é arte!

Nova Lisboa
Angola
9 - Julho - 1974
.

Hoje

Tudo calmo!
Reina a tranquila paz
Serena e bela como a ave
Girando em círculos no ar;
Imensidões de azul
Trespassadas de rastos
Brancos…
Duma brancura alva,
Olhos cândidos das crianças,
Muito meigos e brilhantes
Como se espelhos, fossem
Reflectir um amor infante

Corre a brisa
Acariciando doce os cabelos
Soltos ao vento
Espantando num cintilar
Todas as gotículas do mar
Todas as estrelas do céu…

«Crenças dum verdadeiro credo»
Flutua o denso da verdade
No mergulhante da falsidade
Agora que os poetas são poetas
O bem do mal se separa
Como a espuma da água;
É o despertar do leito

Nasce o sol todos os dias
Vê-se a lua com alegria
Namorada dos apaixonados
Abrasadores, de clarões
Plenos de paixões
Muito grandes pra seus corações

Inconstantes, os sonhos coloridos
Tomam nos olhos
Forma cor e vida
Como se vestidos aos folhos
Rodassem no tango da vida
Compassando com penumbras
Sustenidos das pautas, rumbas
Da rumba, como baiana é passo
E fadista não é senão fado.

Ontem

É neste embaranhado
Dos pensamentos claros
Que me afundo…!
E me confundo

Outrora
Quando não surgia a aurora
Eu, de pedra em pedra
Rasgando presas como fera
Bebia o sangue dos fracos
Ria do mal, dos derrotados
Vivia da vida dos atacados;
Rompendo por entre a neblina
Rugidos de desafios
Investindo contra o infinito
Querendo subjugar o proibido

Hoje
(de novo)

Agora cansado da guerra
Sem força nas pernas
Falta-me a sanguínea vontade
De ingerir; carne humana
Estás doce e mansa
Tão dócil que enganas
Companheiros da sagacidade

_ ‘Branqueou-se-me’ o cabelo
Apossou-se de mim medo
Da revolta do ódio que existia…
“É o arrependimento dos descrentes
É o sorrir dos descontentes”
Já não há em mim revolta
…nem ferozes ódios
…bravios acessos…
…de loucura!
Há somente um saber sorrir
Ao ver crianças rir.
.
Cito Loio

 
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